sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Rachel Getting Married (2008) de Jonathan Demme

Sabe bem encontrarmo-nos com um cinema deste calibre: uma visão adulta, sensível e justa sobre as relações humanas no seio de uma família com as perfeições e imperfeições de todas as famílias do mundo, mas harmonizada ou ligada por um profundo sentimento de amor. Os sentimentos são, de facto, a grande religião (no sentido de "religar") de "Rachel Getting Married", aquilo que torna una uma família que, através dos olhos da protagonista, uma toxicodependente em recuperação, começa por se ver a si mesma como disfuncional e desagregada, mas que, mediante a acção do tal vínculo emocional, implícito mesmo nos momentos de catarse e ódio, é conduzida à (tão secreta e unanimente desejada) reconciliação.

Jonathan Demme, um cineasta de grande inteligência, procura num dispositivo formal influenciado por Cassavetes e os Dogmas dinamarqueses, mas sem a crueza destes, submergir o espectador numa história real, filmada à altura do homem. Para tal, Demme investiu numa planificação simples: nos primeiro minutos, a câmara segue agitada, em planos largos produzidos quase ao nível do chão, as personagens, sobretudo a de Anne Hathaway, ampliando deste modo a sensação de desligamento entre os membros da família; já próximo do fim, sobretudo a partir da cena em que Rachel dá banho a Kym, e lava-lhe as feridas, a câmara de Demme aproxima-se das personagens, povoando, pela primeira vez, o filme de grandes planos dos rostos e, neles, das lágrimas, dos sorrisos e, acima de tudo, dos olhares. O casamento, uma lindíssima celebração do amor, é feito de música, caras e silêncios, o oposto do que tínhamos visto antes (o vazio, a distância e o excesso de palavra).

Este simbolismo atinge o seu auge num engenhoso "jogo de abraços" que tem lugar nos minutos finais do filme. Primeiro, a câmara filma um abraço colectivo entre o casal recém-casado e a madrinha Kym e o padrinho Kieran - um K que se projecta, e complementa, num outro. Depois, as irmãs abraçam com toda a força do mundo a sua mãe de sangue; a câmara percorre, suave, sem julgar, os seus rostos transparentes, carregados de sentimentos indizíveis.

Nestes dois momentos, de uma intimidade que raramente vimos em cinema - ou não víamos desde o abraço final entre Cleveland e Story em "Lady in the Water" -, Demme desvela, sem sentimentalismos, as emoções de personagens que visivelmente ama. Em certo sentido, a câmara, por estar tão envolvida na realidade daquela família, também é abraçada pelas personagens e quase se deixa substituir pelos seus olhares - ou quase conseguimos ver através deles (em certo sentido, eles são "a outra" câmara, amadora?, deste filme).

O final é marcado pelo apaziguamento interior/exterior das personagens e pela doce contemplação sobre o aftermath de uma experiência emocional arrebatadora. No derradeiro plano de "Rachel Getting Married", a câmara está fixa no espaço - começa a ganhar raiz... - e observa, nas costas de Rachel, as personagens masculinas a improvisarem uma melodia descontraída - as últimas notas de um casamento memorável.

Ler mais aqui: IMDB.

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