domingo, 26 de abril de 2009

Cannes 2009: a Palma que falta dar e as outras (IV)

Pensamos que a rectificação merece novo post: anunciámos aqui que Francis Ford Coppola e Werner Herzog não iriam a Cannes, o que não foi totalmente rigoroso. O filme "Tetro", de Coppola, abrirá a competição na Quinzena dos Realizadores, mas, de facto, não estará na corrida pela Palma de Ouro. Esta subalternização de um realizador já laureado com a Palma não parece incomodar o implicado.

No site dos Cahiers du Cinéma, Francis Ford Coppola afirma-se mais do que contente com esta opção, revelando, um pouco como já fizera na entrevista que deu ao Expresso, a vontade de ter novamente 18 anos (sonho possível apenas para o protagonista de "Youth Without Youth"...): "I am extremely pleased to bring TETRO to Director’s Fortnight. This film embodies my original passions as a filmmaker, and is a reflection of my goals and ideals when I first began. It is so difficult to work in a personal way in the cinema today, between the business constraints and commercial realities, that you must let your work be a cry for independence, which is why it is so appropriate that TETRO is premiered in the Director’s Fortnight, where young filmmakers go".

Quanto a "Bad Lieutenant: Port of Call New Orleans", presumimos que não terá caído minimamente nas graças do júri de selecção e, por isso, nem a Quinzena lhe valeu. Nobuhiro Suwa, realizador nipónico que já foi herói independente do IndieLisboa, teve sorte diferente: "Yuki & Nina", filme também assinado pelo francês Hippolyte Girardot, estará na Quinzena dos Realizadores.

Nesta secção ainda podemos encontrar, para além dos portugueses Pedro Costa ("Ne Change Rien") e João Nicolau ("História de Amor e Saúde"), as novas obras de Alain Guiradieu ("Le Roi de l’évasion"), cineasta francês que estreou entre nós o surpreendente "Pas de repos pour les braves", e o veterano cineasta da Nouvelle Vague Luc Moullet ("La Terre de la folie"). Mas a grande extravagância desta secção é, sem dúvida, um filme norte-americano: "I Love You Phillip Morris" , primeira realização da dupla que escreveu "Bad Santa", Glenn Ficarra e John Requa, com uns muito gays Jim Carrey, Rodrigo Santoro e Ewan McGregor nos principais papéis.

(continua)

quinta-feira, 23 de abril de 2009

Cannes 2009: a Palma que falta dar e as outras (III)

Pois é, afinal, Francis Ford Coppola e Werner Herzog não vão concorrer pela Palma de Ouro. Se ao primeiro ainda foi dada a oportunidade de mostrar a sua última obra, "Tetro", na Quinzena dos Realizadores, já o segundo viu o seu remake de "Bad Lieutenant" ser completamente ignorado pelo Comité de Selecção - por que este último não vem, então, ao IndieLisboa? Acaba de sair a lista com o alinhamento da 62ª edição do Festival de Cannes. Em relação às previsões da Variety, confirmaram-se quase todas, ainda assim importa vermos algumas nuances importantes.

Desde logo, a presença de um português na secção "Un Certain Regard": "Morrer Como um Homem", última obra de João Pedro Rodrigues. "Mother" de Bong Joon-ho, "Air Doll" de Hirokazu Kore-eda e a dupla presença romena, "Police, Adjective" de Corneliu Porumboiu e o filme omnibus "Tales from the Golden Age" (que é assinado, entre outros, por Cristian Mungiu) são outros destaques possíveis nesta secção. A Quinzena de Realizadores também não se esqueceu do cinema de origem portuguesa. Falamos das exibições de "Ne Change Rien" de Pedro Costa, sobre a cantora e actriz Jeanne Balibar, e a curta "Canção de Amor e Saúde" do muito promissor João Nicolau.

Na competição temos uma série de pratos fortes: para além dos realizadores já laureados com a Palma (Ken Loach, Jane Campion, Lars von Trier e Quentin Tarantino), mostram-se as últimas obras de Ang Lee, Pedro Almodóvar, Isabel Coixet, Marco Bellochio, Michael Haneke, Elia Suleiman, Chan-wook Park, Johnnie To, Lou Ye, etc. A Europa e a Ásia são os continentes mais representados na competição, mas entre os países a proeminência de filmes da casa é outro dado diferente desta edição de Cannes: na competição confirmam-se Alain Resnais, Jacques Audiard e acrescenta-se um nome muito polémico, Gaspar Noé ("Enter the Void").

Fora da competição, Terry Gilliam mostra os últimos minutos de Heath Ledger e Amenábar regressa com "Agora". "Drag Me to Hell", de Sam Raimi, será mostrado na secção "Midnight Screenings".

(continua)

segunda-feira, 20 de abril de 2009

The Strangers (2008) de Bryan Bertino

Enquanto os filmes de terror continuarem a encarar o mal como produto de uma série de circunstâncias socialmente identificáveis, dificilmente nos aproximaremos da sua essência. Essa força terrível que vive dentro de todos nós e que, por vezes, é puxada à superfície, sob a forma de um pesadelo ou de uma qualquer manifestação física ou verbal de violência, nem sempre se pauta por relações simples de causalidade. Pois o cinema de terror norte-americano, treslendo em toda a linha as suas bases, tem perdido muito do seu e, sobretudo, do nosso tempo a tentar racionalizar as causas do mal nas nossas sociedades. E, por isso, Columbine superou o cinema. E, por isso, o 11 de Setembro superou o cinema. Também por isso continuamos sem respostas para a pergunta que todos os filmes de terror nos colocam: porquê isto?

Erro primário, quase ingénuo, por exemplo, comete Rob Zombie no seu sofrível "Halloween" quando nos tenta convencer, bem para lá das intenções de Carpenter, que Mike Myers é o resultado de um lar destroçado; logo, Mike Myers podia ser qualquer um de nós - atenção pais deste mundo, nas vossas mãos poderá estar um assassino carniceiro em potência! Mas nada disto explica, de facto, o seu talento para as artes do esquartejamento de teens inanes que consomem drogas ou fazem sexo enquanto os pais não estão em casa - o que é quase sempre.

No filme de Carpenter, obra-prima maior do cinema (não esperem pelo qualificativo "de terror", pois este só vem estreitar a importância de um dos mais impressionantes exercícios de câmara da Sétima Arte, onde a forma implica directamente com o conteúdo e vice-versa), o mal é Mike Myers, vilão sem face visível que corporiza um mal maior: a hipócrita sociedade norte-americana, que com os seus bairros doentiamente simétricos, com os seus relvados impecavelmente aparados, que só são pisados pelas famílias mais castas do planeta, não consegue evitar que, por trás da fachada, quando a figura paterna não está a vigiar, seja tão igual ou pior que as outras. Não estão os pais, está Mike Myers a cumprir, em jeito de ama-seca, uma função institucionalizante de segundo grau. Ele é a prova de que o mal é uma fabricação cultural profundamente enraizada nos nossos espíritos, algo cuja origem transcende a lógica escapista do "2+2=4".

"The Strangers", do estreante Bryan Bertino, chega-nos como uma reinterpretação da lição dos mestres (Romero, Carpenter, Hitchcock, De Palma e, por que não?, o Shyamalan de "Signs" e "The Village"): o mal existe, não se explica, mas poderá ser traduzido em imagens e sons. Por que atormentam os "estranhos" do título um casal que não fez mal a ninguém, a não ser, quanto muito, a si mesmo? Se calhar foi mesmo porque a personagem de Liv Tyler rejeitou o pedido de casamento da personagem de Scott Speedman, o que não é lá muito cristão, mas não vamos por aí: como um dos "estranhos" chega a dizer, nós fazemos isto porque vocês "estavam em casa".

E aqui entra a ideia de ocupação de um espaço, a que, entre todas, mais se aproxima ao "Halloween" de Carpenter. Neste, o mal tem um corpo que se confunde no espaço com o corpo da câmara (daí a proliferação de planos subjectivos), mas por vezes estes dois corpos desencontram-se, produzindo uma tensão: o plano que parecia subjectivo revela-se objectivo, mas rapidamente passa de novo a subjectivo, uma indecisão que poderá desaguar numa espécie de objectivização do sujeito do mal ou, por outras palavras, numa absolutização da ideia de mal. É aqui que entra a coreografia terrificante de Carpenter que "The Strangers" tão inteligentemente absorve: a imobilidade, terrível, perscrutadora, vigilante, total, do mal, coisa abstracta em ameaçadora simetria com a condição - também ela, imóvel - do espectador, em choque com a mobilidade vertiginosa da câmara (do cinema).

Numa palavra, tudo é uma profanação do real, uma assunção do impossível no cinema e contra o cinema: por exemplo, veja-se a sequência de imagens e sons em que o protagonista regressa ao carro para recuperar o telemóvel e é tocado nas costas por uma mão que seria, julgávamos nós, espectadores exaustos de slashers, mais um susto em falso sacado de um equívoco entre os protagonistas, mas não, não é isso, nem o contrário: a mão feminina que toca nas suas costas não existe, simplesmente, irrompe do vazio. A relação entre a câmara e o objecto converte-se numa esquizofrenia dialógica de feição incerta (afinal, quem são e onde estão, ou de onde vêm, os "estranhos"? Quem é e onde está, ou de onde vem, a câmara?). Eis uma mise en scène convulsa que teoriza sobre si mesma.

Bertino está na mui exclusiva linhagem de cineastas que trabalham o espaço com a precisão de um bisturi e que entendem o mal como coisa que se move entre e, sublinhamos, dentro de nós. A sequência em que Liv Tyler observa um "estranho" pelas costas é uma inversão/perversão inteligentíssima - e, novamente, teórica - dos papéis do bom e do mau na narrativa.

A mesma ideia é explorada na menos subtil, ainda que igualmente tensa, sequência em que estamos lado-a-lado com os protagonistas, ele com caçadeira em riste, num dos quartos da casa e só vemos, à sua/nossa frente, um corredor por onde, a qualquer segundo, poderá passar a personificação impossível de todos os seus/nossos medos. O resultado desta equação é o primeiro homicídio de todo o filme - e, ao pé de Eli Roth e amigos, podemos dizer que poucos acontecerão. Contudo, este não é perpetrado por um "estranho", mas sim por outro "killer" que, ironicamente ou não, merecerá o castigo pelos seus pecados num final aterrador, de montagem quase expressionista - o quintal, uma facada, uma árvore, outra facada -, atravessado, imagine-se, pela luz mais incandescente e fulminante da manhã. Não vamos mais longe que isto: "The Strangers", um exercício vivo de mise en scène onde a verdadeira noite começa de dia.

Ler mais aqui: IMDB.

sábado, 18 de abril de 2009

Cannes 2009: a Palma que falta dar e as outras (II)

Os nomes que irão competir na próxima edição do Festival de Cannes só serão conhecidos no dia 23 de Abril, mas a Variety já avança com uma lista de prognósticos. E, podemos dizê-lo sem reservas, será uma das edições de Cannes com maior concentração de grandes nomes do cinema internacional. Desde logo, contará com cinco realizadores que têm no currículo uma Palma de Ouro: Jane Campion ("Bright Star"), Ken Loach ("Looking for Eric"), Francis Ford Coppola ("Tetro"), Lars von Trier ("Antichrist") e Quentin Tarantino ("Inglorious Basterds").

Vindos da Ásia, deverão marcar presença cineastas tão diferentes como Johnnie To ("Vengeance"), Hirokazu Kore-eda ("Air Doll"), Park Chan-wook ("Thirst") e Tsai Ming-liang ("Face"). Ang Lee, um cineasta taiwanês eternamente interessado (intrigado?) pelas questões da cultura ocidental, mostrará o muito antecipado "Taking Woodstock". Da Europa, esperam-se três habitués do festival: Pedro Almodóvar ("Los abrazos rotos"), Michael Haneke ("The White Ribbon") e Marco Bellochio ("Vincere").

Werner Herzog, herói independente do IndieLisboa deste ano (23 de Abril a 3 de Maio), exibirá o seu já muito polémico remake de uma obra-prima de Abel Ferrara: "Bad Lieutenant: Port of Call New Orleans", com Nicolas Cage no papel que era antes de Harvey Keitel. Palpita-nos que será, como os de Tarantino e Coppola, um filme para dividir opiniões.

Um pouco à margem deverão ser vistos: "Up", a última animação da Pixar que abrirá o festival; "Drag Me to Hell", o regresso de Sam Raimi ao terror gore (mas aparentemente ainda com os condimentos do mainstream) e “The Imaginarium of Doctor Parnassus" de Terry Gilliam, que é sobretudo falado por conter os últimos minutos da tragicamente curta carreira de Heath Ledger.

O cinema francês poderá ter como principais concorrentes Alain Resnais ("Les Herbes folles"), Jacques Audiard ("A Prophet") e Bruno Dumont ( "Hadewijch"). Claro que o Presidente de Cannes, Thierry Fremaux, e o seu comité ainda estão a trabalhar na Selecção Oficial, que promete trazer mais surpresas. Ficamos ansiosamente à espera do dia 23 de Abril...

(continua)

sexta-feira, 17 de abril de 2009

sexta-feira, 10 de abril de 2009

Cannes 2009: a Palma que falta dar e as outras (I)

Por muito que se possa discordar desta ou daquela escolha, não há dúvida que o Festival de Cannes continua a ser "o" grande evento dedicado à Sétima Arte. Com a decadência do Festival de Berlim e mais recentemente do Festival de Veneza, a edição deste ano de Cannes tem tudo para reforçar a sua posição dominadora na formação das principais tendências de futuro na arte cinematográfica e voltar a notabilizar-se como palco privilegiado para a descoberta ou redescoberta dos grandes auteurs do cinema mundial.

Entre 13 e 24 de Maio, espera-se que a Croisette receba as maiores estrelas de Hollywood e, entre elas e fora delas, um leque forte de concorrentes, sobretudo, na competição oficial e na cada vez mais forte Quinzena dos Realizadores. O ano passado foi Sean Penn quem presidiu ao júri da competição e que atribuiu o prémio máximo a um homem da casa, Laurent Cantet ("Entre les murs"), o que não acontecia desde 1987, ano da (controversa) consagração de Maurice Pialat por "Sous le soliel de Satan".

Não se sabe muito sobre a próxima edição do certame, mas já foi noticiado que Isabelle Hupert irá ser a quarta mulher na história de todo o festival a sentar-se no lugar de presidente do júri e que, para espanto de muita gente, o festival irá abrir, pela primeira vez na sua história, com um filme de animação: "Up", obra da Disney e da Pixar realizada por Pete Docter e Bob Peterson.

Também já está confirmada a presença do último filme de Tarantino, "Inglorious Basterds". Ele que ganhou uma Palma de Ouro há 15 anos por "Pulp Fiction" e não esteve longe de repetir o feito em 2007 com "Death Proof". Ele que presidiu ao júri no ano em que Michael Moore ergueu a Palma graças a "Farenheit 9/11" (2004) - e George W. Bush, dizem as más línguas, esteve a um palmo de ganhar o prémio de melhor interpretação.

Veremos até que ponto Isabelle Hupert será imparcial na avaliação de "Inglorious Basterds": a actriz francesa esteve para entrar no filme, mas acabou por ser despedida devido ao desinteresse demonstrado pelo projecto. Lars von Trier, outro habitué do certame, deverá ter um lugar assegurado para exibir o seu último filme, "Antichrist", história de horror com Willem Dafoe e Charlotte Gainsbourg (filha de Serge Gainsbourg) nos principais papéis.

Aqui no CINEdrio iremos tentar acompanhar todas as principais notícias relativas à programação do festival. Até ao dia de abertura desafiamos os nossos visitantes a responderem a uma pergunta: qual a Palma de Ouro mais acertada dos últimos 8 anos? As opções são: "Entre les murs" (2008) de Laurent Cantet; "4 luni, 3 saptamâni si 2 zile" (2007) de Cristian Mungiu; "The Wind that Shakes the Barley" (2006) de Ken Loach; "L'Enfant" (2005) de Luc e Jean-Pierre Dardenne; "Farenheit 9/11" (2004) de Michael Moore; "Elephant" (2003) de Gus Van Sant; "The Pianist" (2002) de Roman Polanski; e "La stanza del figlio" (2001) de Nanni Moretti. Na coluna à direita, poderão exercer o vosso direito de voto. A sondagem termina, precisamente, no dia 13 de Maio.

quinta-feira, 9 de abril de 2009

El cant dels ocells (2008) de Albert Serra

Estranhamos que um filme repudiado por tanta gente nos dê tão variados motivos de reflexão. Em primeiro lugar, "El cant dels ocells" é um filme sobre um tempo que não é o nosso, ou seja, uma tentativa quase documental de convocar no espaço do cinema uma forma de vivência do e no tempo, cada vez mais profanada pelo ritmo voraz das sociedades modernas. Recapturar o tempo não é fácil e obriga o olhar de hoje a um certo esforço de conversão (no sentido religioso e não religioso do termo): na cabeça de Serra parece habitar a ideia de que filmar uma história com mais de dois mil anos não deve ser igual a filmar uma história com mil, cem ou dez anos; a cadência dos planos pode conter em si a possibilidade de trazer às pessoas de hoje a experiência, o mais embrutecida possível, do Tempo dos seus antepassados.

Neste aspecto, pode-se dizer que "El cant dels ocells" esconde uma desconstrução muito subtil do entendimento que temos de filme histórico e, até, de filme documental. Senão vejamos: o propósito de Serra passa por filmar à distância, ou observar com a câmara, a viagem épica dos três reis magos pelos climas mais adversos até à reunião com Maria e o seu recém-nascido menino Jesus. Para além das hesitações, contratempos e desconfortos que afectam um qualquer viajante, os três reis magos têm a desvantagem de pertencerem a uma época em que a terra era obscura, espaço incerto controlado por forças mágicas que se manifestavam amiúde nos sonhos e pesadelos dos homens.

Serra não questiona este episódio da Bíblia e põe logo de parte a ideia tão absurda quanto inútil de reescrever, reinterpretar ou "cientifizar" uma história que, rigorosa ou não, se inscreve como uma verdade absoluta no imaginário cultural de toda uma civilização. A sua postura é outra: partindo do princípio que a história aconteceu tal qual como nos "habituámos" a contá-la, a partir da Bíblia e dos livros, das pinturas, das músicas e dos filmes que dela derivaram, como terá sido percorrer desertos infindáveis e densas florestas - sublinhe-se, intocadas pelo homem - para um destino do qual só se tem como referência uma estrela no céu? E, entrementes, como passou o tempo na casa humilde do casal José e Maria? Pensamos que Serra coloca a si mesmo estas questões com o espírito de um documentarista, que parte de uma premissa mística para recuperar uma vivência perdida do mundo - este é o verdadeiro documento histórico em cinema... - , chocante para os nossos dias.

Não concordamos com quem afirma que a estética de Serra é inconsequente ou onanista. Claro que há um certo deleite do criador em parir "imagens bonitas", mas pensamos que "El cant dels ocells" é bem mais do que um filme extraordinariamente lento e belo, na medida em que a estética de Serra serve uma preocupação ontológica de saber o que é isso de (re)encenar a História. Olhar com os olhos de hoje ou olhar com os olhos de então? Fazer a enésima versão do "Ben-Hur" de Wyler, com todos os clichés e velocidade alucinante da modernidade ou procurar reflectir, fazendo uso do poder contemplativo e (est)ético do cinema, um Tempo imemorial? A resposta de Serra parece-nos clara depois de vermos "El cant dels ocells", tal como fora clara a resposta que Tarkovsky deu à mesma pergunta em "Andrei Rublev", visão fragmentada sobre um pintor-santo medieval, mas eivada da mesma preocupação, que agora Serra prossegue, em dar aos olhares e ouvidos saturados de hoje a experiência de um Tempo antigo. São exercícios especulativos, de fé, sobre como seria "ser" há milhares de anos. Uma brutal alteridade de que o cinema não é um meio, mas um fim em si mesmo.

É o preto-e-branco, que por vezes quase extingue as formas e dá lugar à abstracção imagética; é a duração dos planos, uma consciência do tempo que se documenta...; é o som da natureza e a música frágil que assinala a chegada dos reis magos, e o princípio do regresso; é a câmara, que enquadra os três reis magos como três pontos sobre o espaço - um "plano dentro de outro" - ; e é o silêncio, o som suspenso que põe as personagens a voar enquanto nadam, que fazem de "El cant dels ocells" um objecto tão fascinantemente inclassificável, um documentário impossível, por vezes, imbuído de um realismo lírico paradoxal, que é uma purga para o olho moderno. Descansem nas minhas imagens, é a primeira coisa que ele nos pede - e, para nós, a primeira coisa que ele alcança...

Ler mais aqui: IMDB.

quinta-feira, 2 de abril de 2009

Regressar em 2009 (IX - fim de votação)

53 mui solícitos leitores do nosso CINEdrio votaram nesta pequena sondagem. O vencedor é o próximo filme de Michael Mann, "Public Enemies". Ao todo recebeu 38% do total dos votos. Portanto, Mann bate Tarantino e o seu "Inglorious Basterds" (não há equívocos: "Basterds" com "e" e não com "a"), que reuniu cerca de 25% das preferências. Sobre este último já podemos confirmar que irá, de facto, participar na competição da próxima edição do festival de Cannes, marcado para 13 a 24 de Maio.



Não há muita informação disponível sobre "Shutter Island", mas o facto de vir com as assinaturas de Scorsese e de uma série de grandes actores é uma explicação plausível para os 11% de votos. Empatados entre si estiveram os últimos filmes de James Gray ("Two Lovers"), Pedro Almodóvar ("Los abrazos rotos") e James Cameron ("Avatar"). Cada um recebeu 8% dos votos.

No penúltimo lugar ficou "Riot" de John Carpenter, filme de concretização incerta que poderá traduzir-se em mais um projecto pendente na sua filmografia. Nesta altura, Carpenter parece colocar no topo das suas prioridades "The Ward", filme de terror protagonizado por Amber Heard. Perante tão temível concorrência, o regresso de Kathryn Bigelow ("The Hurt Locker") parece não despertar qualquer curiosidade, valendo uns redondos 0 votos.

Ultimamente a produção de posts no CINEdrio tem sido bastante baixa. O desleixo não é propositado nem deverá ser visto como abandono. Na verdade, esta recente falta de produtividade prende-se com dois motivos: primeiro, o trabalho, que tem roubado o tempo que outrora era dedicado à escrita bloggeira e, logo atrás, o entusiasmo que não temos sentido com - ou a incapacidade que sentimos em escrever sobre - os nossos últimos visionamentos. Esperamos voltar em força no futuro próximo. Um abraço e até lá.

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