quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Pépé le Moko (1937) de Julien Duvivier


Cá está um filme fundamental da história do cinema que só agora chega aos meus olhos: "Pépé le Moko" de Julian Duvivier, com o mítico Jean Gabin. Aos poucos e poucos vou descobrindo aquilo que os académicos e críticos apelidaram de "realismo poético", isto é, todo o cinema francês que marca sensivelmente o período que vai dos anos 30 até aos primeiros anos do pós-II Guerra Mundial. Vou descobrindo à mesma velocidade com que vou desmistificando uma ideia feita tornada axioma pela geração dos críticos dos Cahiers du Cinéma, à cabeça François Truffaut e o seu "Uma certa tendência do cinema francês": com honrosas excepções, tudo o que era francês era mau. E assim, com o inventividade desenfreado e iconoclasta da Nouvelle Vague, se remeteu mais de vinte anos do cinema francês para a penumbra. Talvez seja por isso que, mesmo hoje, seja tão difícil ver um filme de um Autant-Lara, Jacques Feyder, Marcel Carné, René Clément e Julien Duvivier ao pé de qualquer cineasta da Nouvelle Vage ou das tais honrosas excepções, como Jean Vigo e Jean Renoir.

É nesta equação que entra um título como "Pépé le Moko", espécie de elo histórico transatlântico entre o gangster movie norte-americano - estilo "Public Enemy" ou outro Cagney - com o film noir americano. Na realidade, os franceses chamaram film noir aos filmes de detectives e anti-heróis e femme fatales que chegavam do outro lado do Atlântico, assinados por auteurs como Huston, Siodmak, Lang ou Hawks, mas o film noir funda-se verdadeiramente dentro de portas, com obras como este "Pépé le Moko", história de um gangster com apetite por jóias - elas e, depois, uma beldade que as usa... - que, fugido da polícia, se refugia na cidadela labiríntica de Casbah, na Algéria. A polícia monta várias ratoeiras para tirá-lo da sua toca e o filme reporta, com boas doses de realismo - o tal que se diz poético -, esta perseguição gato-rato, sendo que o protagonismo é dado ao rato. Moko é o típico anti-herói, de punho rijo mas suave coração, um romântico perdido no seu labirinto, o de Casbah e outro, sentimental, dentro de Casbah, dentro do próprio Pépé - falo de duas mulheres, uma cigana e a tal beldade dos diamantes. Onde há mulheres, há sarilhos, já dizia o escritor...

Pépé quer sair - e sairá? - porque, afinal, está preso e se sente só na sua "fortaleza inexpugnável", tal como está preso a uma mulher que não ama - mas que o ama violentamente - e porque ele ama duas mulheres que não pode ter: a beldade dos diamantes e... Paris, cada uma das suas ruas, o espaço e o seu perfume, as suas pessoas e até, diz ele com a voz embargada, "le métro". Como num noir, temos a ideia de clausura - há a prisão física e a prisão sentimental - e sonhos obliterados pelo projecto dissimulado, não tanto da polícia, mas de uma mulher, anjo diabólico, mais tarde institucionalizado pelo noir, que acabará por se antecipar àquele gato para apanhar o rato... se o seu louco coração ferido o ditar. O final adivinha-se trágico, pungente mesmo: à distância, um barco parte com tudo lá dentro - amor por uma mulher, pelos diamantes, por Paris. E o nosso (anti-)herói em terra.

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