sábado, 4 de setembro de 2010

Irène (2009) de Alain Cavalier


Irène, sempre exigiste tudo de mim e eu só exigia a tua presença. Que filme belo e triste, este que se projecta (de dentro do cineasta para dentro de nós) nas salas portuguesas. Entre o poema elegíaco ao amor por uma mulher - que chora de mansinho a sua inelutável ausência física - e o muito pessoal processo, ritualizante e terapêutico, de exorcismo de uma memória trágica através da câmara, extensão do braço de Cavalier? Não, extensão do seu coração perfurado pela imagem de Irène - aquela que o realizador, que o homem..., preservou VIVA na sua cabeça. O fetiche da câmara ou a câmara fetichista?

Momento quase lôbrego: Cavalier fala para o espelho, câmara em punho, referindo-se a Irène, mas ela obviamente não pode estar lá. A quem se dirige Cavalier, para além de si mesmo? A pergunta podia ser feita também a Robert Frank quando realizou o magnífico - e corajoso - "Home Improvements": filmar o buraco interior - como a melancia e o ovo -, exteriorizá-lo, dessacralizá-lo mostrando-o, despido, ao mundo é o que nos leva a apelidar esses filmes de autobiográficos, mas também de heterobiográficos - porque essa nudez, essa... verdade?, pode tocar, beliscar mesmo, o íntimo de qualquer espectador.

A câmara, estava a dizer, parece exorcizar - parir - uma memória dura, despertando o espectador para as suas mais insondáveis propriedades ancestrais, mágicas, autenticamente mediúnicas. Cavalier, como Frank, recusa a plástica distractiva, a decoração narrativa balofa do cinema tradicional (narrativo? não, não há nada mais narrativo do que isto...), e vira o objecto-filme para si mesmo, nomeadamente através daquele espelho que nos devolve a sua imagem mas, mais do que tudo, nos faz interrogar sobre um cinema levando ao limite a possibilidade de uma desintermediação. O Cinema esfuma-se e, ao mesmo tempo, engrandece-se.

(Alguém edite isto cá, já!)

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