quarta-feira, 15 de setembro de 2010

The Box (2009) de Richard Kelly


É quase como se Richard Kelly se tivesse virado para si mesmo e feito o seguinte exercício: sou um realizador nos anos 50 e ponho mãos à obra por altura em que "Invasion of the Body Snatchers"* chega às salas. Tenho as condições que um Don Siegel teve na altura para fazer um filme série B de ficção científica/terror com mensagem política - aquele era crítico da paranóia anti-comunista que grassava na sociedade norte-americana - mas quero situar a acção no futuro, sei lá, daqui a vinte anos, quando o homem estiver à conquista do espaço, mais ou menos cegamente optimista com os avanços tecnológicos alcançados. Como Siegel, porei homens contra homens, torná-los-ei irreconhecíveis entre si, como que "aliens" na sua própria casa, entre vizinhos, amigos e familiares. Fantoches de uma força superior que faz a humanidade olhar-se ao espelho e temperar a sua desmesurada arrogância intelectual/tecnológica com valores tão denominadamente humanos como o "altruísmo" e o "bem-comum". Aqui está o guião do meu próximo filme, dos anos 50 para os anos 70, mas... afinal que dia é hoje?

Kelly investe, deste modo, num exercício de género, entre o terror thrillesco puro e duro e o pesadelo pós-lynchiano, que joga com as cores, os objectos, os cenários de um passado passado a sonhar com um passado futuro. Veja-se o carro do marido, ultra-futurista mesmo para os anos 70, a casa do casal também roça a fantasia e os avanços que a NASA evidencia em matéria de exploração espacial superam o que a História ditou. O que não quer dizer que esta seja totalmente deturpada - já não havia sido em "Donnie Darko", filme passado nos anos 80, marcado por um contexto político rigoroso mas que, ao mesmo tempo, reportava-se futuristicamente às viagens no tempo, a realidades paralelas e coisas que tais.

A clareira realista de Kelly vem das personagens e desta moldura histórica trabalhada ao pormenor. Em "The Box", Kelly complexifica esta espécie de viagem temporal à la Darko: são os anos 50 a sonhar com os anos 70 ou os anos 70 a fantasiar com o futuro (logo, nós...)? Eu consigo ver mais Twillight Zone na plástica retro deste filme, mas também podia colar algum do papel de parede da casa do casal numa qualquer divisão de "Clockwork Orange". Foi este aspecto, esta segurança narrativa falsificada, que gostei mais nesta última obra de Richard Kelly. O resto entretém enquanto dura, mas cede, no fim, a uma espécie de moral preocupadamente "explicativa" que "Donnie Darko" havia adultamente descartado. (Ora cá está um comentário algo confuso e hesitante como o filme que o merece...)

*Aproveito este post para homenagear neste espaço o recém falecido Kevin McCarthy.

1 comentário:

Flávio Gonçalves disse...

O filme é muito mau. Demasiadas pretensões para o meu gosto. Mas tive pena por não ter gostado, visto que a premissa é até interessante.

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