quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Üç maymun (2008) de Nuri Bilge Ceylan

Sem pensarmos muito, diríamos que o último ensaio audio/visual de Ceylan é um exercício de terror como "A Hora do Lobo" (1968) o foi para Ingmar Bergman. "Três Macacos" não é "cinema de género", mas as suas fortes marcas autorais estão aqui empregadas no sentido de uma reinterpretação do receituário de um género que é, em si, eminentemente experimental: o terror.

Com base numa premissa thrillesca, a lembrar Hitchcock ("Strangers on a Train"), Ceylan começa a tecer, com imagens e sons, uma atmosfera lancinante, tão aguda quanto insuportável. Desde logo, porque o filme se divide entre duas prisões: a propriamente dita, onde o pai sacrificial passa os seus dias para encobrir um crime do seu patrão, e o apartamento suburbano onde mãe e filho esperam pelo regresso daquele. Até aqui, a tensão é sobretudo espacial: a câmara filma, em planos apertados "entre divisões", as personagens a sufocar de calor num ambiente insalubre - um Verão doentio... -, ao mesmo tempo que estas, fora de portas e sem conhecimento mútuo, se vão afundado em esquemas obscuros.

A "fisicalidade" destas cenas lembra outra excelente criadora de atmosferas (e imagens): Lucrecia Martel. Mas, a nosso ver, Ceylan consegue ir mais longe, na sua falsa-crueza e desassombrada frontalidade. Em primeiro lugar, este é um filme que se povoa literalmente de fantasmas: um ente querido, um filho/irmão que morreu misteriosamente, passeia-se pela casa minúscula, comunica e dorme com os vivos e, acima de tudo, toca neles. São imagens perturbantes que lembram as histórias de fantasmas de Shindo ("Onibaba") ou Teshigahara ("Otoshiana"), mas sem uma gota de sensualismo e instiladoras de uma sensação torturante de impotência. Como se o sonho-pesadelo que o protagonista de "Climas" tem na praia se prolongasse, agora sem interrupções, em todo um novo filme: "Três Macacos".

Em segundo lugar, e queremos sublinhar esta ideia, Ceylan supera-se na montagem dos sons: os que ouvimos e os que não ouvimos. A ventoinha, as portas que se abrem e fecham, o vento que arromba janelas, o comboio que passa e os trovões que lançam o filme para a escuridão do genérico (espécie de blackout pós-orgânico). As imagens alternam em função desta narrativa sonora, que se vai impondo como o esqueleto de "Três Macacos": de tal modo que, quando estes efeitos sonoros estão ausentes, o "chão" do filme parece-nos fugir numa vertigem.

A inacção do som provoca, a certa altura, uma das sensações mais terrificantes que experimentámos em cinema: uma ameaça de suicídio, e um corpo que se estatela no chão que não ouvimos. Assistimos a esta sequência pelos olhos de outra personagem, numa evocação/invocação do típico voyeurismo hitchcockiano, mas com os "ouvidos do filme": cairá, não cairá? Aquele corpo não, mas já há muito que "Três Macacos", super-organismo de som e imagem, caiu violentamente em cima do espectador. Para quem tem estômago - nós tivemos -, é uma experiência singular.

Ler mais aqui: IMDB.

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