"Le rayon vert" é Rohmer e Delphine - a câmara leve acompanha o seu objecto numa espécie de solidão não solitária (afinal a câmara está lá, sempre e compreensiva). Falamos de uma cumplicidade mágica, ou de uma solidão partilhada, entre o realizador e a protagonista; entre quem filma e quem é filmado. Em Rohmer as histórias de amor começam precisamente nessa relação, que é o prólogo ideal para o acender e o consequente desenrolar da narrativa. Em "Le rayon vert" "somos" Dephine, uma secretária parisiense que não tem ninguém com quem passar as férias de Verão.
A viagem do filme é a viagem interior de Delphine pelos vários destinos que lhe vão surgindo. Em certo sentido, ela (e a câmara) procura(m) o seu "conto de Verão", ou melhor, a companhia de um amor que reconforte a sua alma atormentada (a câmara tem alma em Rohmer). Por outras palavras, Delphine (e a câmara) anda(m) de um lado para o outro à procura do seu "contra-campo", que pode ser um rapaz, mas que aqui é, acima de tudo, o fenómeno meteorológico que dá nome ao filme (e a um livro de Júlio Verne): o raio verde. Em condições especiais, o pôr-do sol termina num raio luminoso de cor esverdeada que se destaca no horizonte. Para os amantes, este fenómeno é de extrema importância: quem o testemunha ganha a faculdade de "ver" os seus sentimentos e os sentimentos dos outros.
No fim do filme, Delphine e o rapaz que acaba de conhecer observam o horizonte; ela espera ansiosamente por um sinal dos céus que a salve de umas férias mal passadas e ele, desorientado, interroga-se sobre as razões para tanto suspense. Rohmer filma, em contra-campo, o céu (a outra personagem) e encena harmoniosamente o encontro com o amor; entre a câmara e o raio verde tal como entre Delphine e o rapaz que acabou de conhecer. Graças a esse gesto convergente de realização, o final de "Le rayon vert" dá a Delphine tal como ao espectador a capacidade de amar. Dificilmente haverá filme mais significativo sobre o (lugar do) amor e a dificuldade de, sem ele, nos adaptarmos ao mundo que nos rodeia.
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