segunda-feira, 31 de dezembro de 2012
sexta-feira, 28 de dezembro de 2012
A Angústia do Blogger Cinéfilo: os concorrentes (I)
Still de "La messa è finita" (1985) de Nanni Moretti
O período de candidaturas está fechado e as equipas que irão alinhar na segunda edição do torneio interblogues A Angústia do Blogger Cinéfilo no Momento do Penalty já se treinam em campo.
Antes de irmos às apresentações das mesmas, o juiz convoca as equipas e seus "managers" para tomarem notas das seguintes indicações:
1. Para a boa organização do evento, é importante que cada um dos concorrentes publique nos seus blogues a imagem da respectiva equipa mais o texto a justificar cada uma das opções - há equipas que poderão ganhar jogos mais por causa da dinâmica do grupo do que pelo valor das individualidades, pelo que o embate de palavras não deve ser descurado. Para além dos jogadores, poderão, a título facultativo, indicar o treinador (que não terá de ser um "autor no activo") com o perfil mais indicado para pôr as vossos galácticos na ordem. (O CINEdrio FC irá fazê-lo em actualização futura no seu post aqui.)
2. Se a imagem não corresponder à equipa que descreveram em comentário, por favor, deixem aqui comentário a dar conta do que está mal ou em falta. Rapidamente, poderei rectificar a disposição das peças em campo ou outro tipo de distracções eventualmente cometidas.
3. O sorteio dos quartos-de-final será realizado na próxima sexta-feira (dia 4 de Janeiro). As sondagens (para a votação dos adeptos) serão imediatamente publicadas no post que irá anunciar os primeiros jogos, pelo que todos os concorrentes terão de publicar em post a imagem com a sondagem respeitante ao vosso jogo, sem se esquecerem (por uma questão de fair play) de fazerem ligação ao texto com as justificações do adversário. Pela mesma ordem de ideias, também deverão publicar, nesse post, link para o post do CINEdrio onde estarão todas as sondagens disponíveis para votação (recordo aqui o mesmo post relativo à edição do ano passado). Aí, também sugiro que façam uma pequena antevisão da partida, pesando as principais virtudes e os principais defeitos do vosso contendor.
Fixadas estas regras, importa agora avançar para a primeira apresentação em campo das equipas de sonho, representativas da "política desportiva" de uma boa fatia da comunidade blogger cinéfila.
Equipa Rick's Cinema
Equipa Shut up and watch the movies
Equipa Caminho Largo
Equipa Dial P for Popcorn
Equipa Narrador Subjectivo
Equipa A Sombra do Elefante
Equipa Keyzer Soze's Place
E ainda....
Equipa CINEdrio
Já sabe: na próxima sexta rolam os dados. Alguma equipa favorita a vencer a competição? Algum "perdedor" à partida? Algum duelo que gostariam de ver ditado pelo sorteio?
terça-feira, 25 de dezembro de 2012
Prémios CINEdrio 2012
Com os dez mais identificados, parto para os prémios CINEdrio deste ano.
Melhor filme: "O Cavalo de Turim". Já disse quase tudo aqui, por isso, apenas me resta sublinhar melhor esse lugar que é seu e só seu por direito próprio: o de obra-prima do ano. Aqui está um monumento ímpar erigido com recurso à mais depurada das linguagens fílmicas e que leva ao limite as potencialidades estéticas do plano e da duração cinematográficos.
Melhor realização: Béla Tarr. Despediu-se do cinema com "O Cavalo de Turim", o seu filme maior (talvez superior a "Tango de Satan") que, em sala, devolveu ao cinema a sua dimensão de "coisa experienciada" mais do que de "coisa percepcionada". Foi, na minha opinião, a grande resposta à espectacularização oca que Hollywood tem promovido com ferramentas tantas vezes inconsequentes, como o 3D. Na sala escura, nessa "caverna platónica", Tarr usou como ferramenta a própria linguagem do cinema, o seu ADN mais "primitivo", mais "primeiro". O resultado é para receber com espanto.
Melhor plano: O que abre "O Cavalo de Turim". Sobre ele, escrevi: "Não se trata (...) apenas do plano de uma carroça, porque, para isso, Tarr teria optado por filmar o conjunto (homem mais cavalo). O que o realizador húngaro faz é mostrar um cavalo e um homem, o que só é possível, precisamente, através do gesto do plano contínuo que alterna entre os dois, o cavalo mais o homem e o cavalo (= carroça). Aqui reside, em toda a sua pungência plástica, a gravitas cosmológica da câmara de Tarr: ela gravita em torno dos corpos, como astros em torno do sol, indiferente, enfim, ao peso cultural e humano das coisas, aproximando-se portanto de uma ideia ontológica significativa: o plano deve ser mesmo plano, como a realidade que nos aparece à frente, o que não quer dizer que destituída de profundidade e da tal... gravitas - esta emana, naturalmente, das pessoas como dos animais como das coisas... a câmara deve apenas planar no tempo e no espaço para captar esta Verdade."
Melhor actor: Denis Lavant ("Holy Motors") em ex aequo com Jack Black ("Bernie"). O primeiro foi o grande "personificador" do ano, uma espécie de corpo re-ligioso que opera sobre o real um pouco fazem os media: "enchendo" os vazios, os espaços deixados vagos, os papéis que urge representar. O stuntman do real ou o metteur en scène burlescamente primordial, Lavant é o rosto dos rostos ou os rostos do rosto de "Holy Motors" e de 2012. Tudo, claro, pela "beleza do gesto". Já Jack Black desmonta a hipocrisia da lei, da moral (e) da comunidade onde vive através do seu carácter, que é oferecido a todos numa transparência ou candura (quase) absoluta. Será que um anjo pode ser um "bom anjo da morte"?
Melhor actriz: Rooney Mara ("The Girl With the Dragon Tattoo"). Descobri o seu talento em bruto em 2012 - e se bruto continuar, mais vezes merecerá a nomeação. Mara tem a roughness e a punkness no sangue... Não sei se primeiro veio o ovo ou a galinha, mas estou convencido que, neste caso, o papel e a actriz encaixam na perfeição.
A revelação: Markus Schleinzer. Primeira obra como realizador e sai o filme mais perturbante de 2012: "Michael". Mas, atenção: ao contrário do seu "tutor", Michael Haneke, Markus não inquina os jogos que faz com o espectador. Na realidade, "Michael" é um filme que quase abdica de qualquer jogo, estabelecendo-se desde o início como um filme "sem assunto": a pedofilia aparece inserida numa rotina "normalizada", cabendo em primeiro lugar ao espectador a tarefa de se lembrar a si mesmo que essa "normalidade" é uma impossibilidade humana ou uma "anormalidade"... Muito difícil de ver, mas feito com grande habilidade.
A desilusão: Jeff Nichols ("Take Shelter"). Não que tenha caído com estrondo depois do excelente "Shotgun Stories", mas confesso que esperava muito mais. A segunda obra, da confirmação ou do desastre, pode ser o instante decisivo na carreira de um realizador talentoso. Neste caso, não houve nem confirmação nem desastre. Talvez "Take Shelter" seja mais o filme que faça a ponte com o que aí vem, no sentido em que "adia" o que normalmente é provocado pela segunda obra. Vamos aguardar por "Mud", que já teve a sua estreia mundial - muito discreta, por sinal - no último Festival de Cannes.
Melhor filme: "O Cavalo de Turim". Já disse quase tudo aqui, por isso, apenas me resta sublinhar melhor esse lugar que é seu e só seu por direito próprio: o de obra-prima do ano. Aqui está um monumento ímpar erigido com recurso à mais depurada das linguagens fílmicas e que leva ao limite as potencialidades estéticas do plano e da duração cinematográficos.
Melhor realização: Béla Tarr. Despediu-se do cinema com "O Cavalo de Turim", o seu filme maior (talvez superior a "Tango de Satan") que, em sala, devolveu ao cinema a sua dimensão de "coisa experienciada" mais do que de "coisa percepcionada". Foi, na minha opinião, a grande resposta à espectacularização oca que Hollywood tem promovido com ferramentas tantas vezes inconsequentes, como o 3D. Na sala escura, nessa "caverna platónica", Tarr usou como ferramenta a própria linguagem do cinema, o seu ADN mais "primitivo", mais "primeiro". O resultado é para receber com espanto.
Melhor plano: O que abre "O Cavalo de Turim". Sobre ele, escrevi: "Não se trata (...) apenas do plano de uma carroça, porque, para isso, Tarr teria optado por filmar o conjunto (homem mais cavalo). O que o realizador húngaro faz é mostrar um cavalo e um homem, o que só é possível, precisamente, através do gesto do plano contínuo que alterna entre os dois, o cavalo mais o homem e o cavalo (= carroça). Aqui reside, em toda a sua pungência plástica, a gravitas cosmológica da câmara de Tarr: ela gravita em torno dos corpos, como astros em torno do sol, indiferente, enfim, ao peso cultural e humano das coisas, aproximando-se portanto de uma ideia ontológica significativa: o plano deve ser mesmo plano, como a realidade que nos aparece à frente, o que não quer dizer que destituída de profundidade e da tal... gravitas - esta emana, naturalmente, das pessoas como dos animais como das coisas... a câmara deve apenas planar no tempo e no espaço para captar esta Verdade."
Melhor actor: Denis Lavant ("Holy Motors") em ex aequo com Jack Black ("Bernie"). O primeiro foi o grande "personificador" do ano, uma espécie de corpo re-ligioso que opera sobre o real um pouco fazem os media: "enchendo" os vazios, os espaços deixados vagos, os papéis que urge representar. O stuntman do real ou o metteur en scène burlescamente primordial, Lavant é o rosto dos rostos ou os rostos do rosto de "Holy Motors" e de 2012. Tudo, claro, pela "beleza do gesto". Já Jack Black desmonta a hipocrisia da lei, da moral (e) da comunidade onde vive através do seu carácter, que é oferecido a todos numa transparência ou candura (quase) absoluta. Será que um anjo pode ser um "bom anjo da morte"?
Melhor actriz: Rooney Mara ("The Girl With the Dragon Tattoo"). Descobri o seu talento em bruto em 2012 - e se bruto continuar, mais vezes merecerá a nomeação. Mara tem a roughness e a punkness no sangue... Não sei se primeiro veio o ovo ou a galinha, mas estou convencido que, neste caso, o papel e a actriz encaixam na perfeição.
A revelação: Markus Schleinzer. Primeira obra como realizador e sai o filme mais perturbante de 2012: "Michael". Mas, atenção: ao contrário do seu "tutor", Michael Haneke, Markus não inquina os jogos que faz com o espectador. Na realidade, "Michael" é um filme que quase abdica de qualquer jogo, estabelecendo-se desde o início como um filme "sem assunto": a pedofilia aparece inserida numa rotina "normalizada", cabendo em primeiro lugar ao espectador a tarefa de se lembrar a si mesmo que essa "normalidade" é uma impossibilidade humana ou uma "anormalidade"... Muito difícil de ver, mas feito com grande habilidade.
A desilusão: Jeff Nichols ("Take Shelter"). Não que tenha caído com estrondo depois do excelente "Shotgun Stories", mas confesso que esperava muito mais. A segunda obra, da confirmação ou do desastre, pode ser o instante decisivo na carreira de um realizador talentoso. Neste caso, não houve nem confirmação nem desastre. Talvez "Take Shelter" seja mais o filme que faça a ponte com o que aí vem, no sentido em que "adia" o que normalmente é provocado pela segunda obra. Vamos aguardar por "Mud", que já teve a sua estreia mundial - muito discreta, por sinal - no último Festival de Cannes.
segunda-feira, 24 de dezembro de 2012
Os melhores de 2012
Confesso que na elaboração deste Top senti de imediato a frustração de não poder incluir "Killer Joe", passado que está mais um ano sobre a sua primeira exibição em Portugal (no Lisbon and Estoril Film Festival não deste ano mas do anterior). A exibição do "escandaloso" filme de Friedkin continua a sofrer sucessivos adiamentos, o que só demonstra a incapacidade das distribuidoras para acompanharem em ousadia o percurso dos cineastas mais corajosos do momento. O próprio Friedkin assumiu este ano na Cinemateca Francesa que este filme era "tudo ou nada" para ele; que estava consciente de que "Killer Joe" poderia acabar de vez (vitimar, por assim dizer) a sua carreira no cinema. Os empresários do mercado de distribuição parece que não quiseram dar essa hipótese ao autor de "Bug", o que é, de facto, uma pena. Pena maior talvez foi não ter visto no circuito comercial duas obras-primas que passaram em contexto de festival: "The Innkeepers" de Ti West e "Everybody in Our Family" de Radu Jude. Se qualquer um destes três filmes tivesse estreado, o meu Top seria muito diferente (para melhor).
Posto isto, também quero deixar uma nota sobre a descabida estreia "direct-to-DVD" (ou "direct-to-TV") de "Pa negre" de Agustí Villaronga. Face à quantidade de porcaria que passou pelas nossas salas, pergunto-me como não foi possível ter havido espaço para mostrar aquele que terá sido o filme espanhol do ano, o regresso de um cineasta que já assombrara o público nacional (em sala, por sinal) com "El mar". (Adenda do dia 27 de Dezembro: depois de visto "Guerra Civil" de Pedro Caldas, estreado também na RTP2, perguntava não às distribuidoras, mas à Sociedade Portuguesa de Autores, como pode ser possível que "barre" a distribuição comercial de um filme com esta pujança e com esta pungência?!)
Outro registo menos bom, que não sei se será da responsabilidade das distribuidoras, é a qualidade baixa deste ano cinematográfico. Coincidiu (ou então adveio disso) que foi dos anos em que vi mais filmes estreados em sala (mais de 70), dos quais recomendaria com algum entusiasmo cerca de 30, mas dos quais apenas 13 ou 14 consideraria obras de relevo, que merecerão a nossa atenção em futuras (re)descobertas ou já marcaram em definitivo a vida cinéfila. O mais marcante foi "O Cavalo de Turim", a obra-prima de 2012 que não deu hipóteses nenhumas à concorrência. Todavia, tenho de alertar que não consegui ver os últimos de Oliveira, Akerman, Ceylan e Chabrol. (Desconfio que, pelo menos, o filme do centenário realizador português teria muitas possibilidades de integrar este elenco de excepção.)
Posto isto, também quero deixar uma nota sobre a descabida estreia "direct-to-DVD" (ou "direct-to-TV") de "Pa negre" de Agustí Villaronga. Face à quantidade de porcaria que passou pelas nossas salas, pergunto-me como não foi possível ter havido espaço para mostrar aquele que terá sido o filme espanhol do ano, o regresso de um cineasta que já assombrara o público nacional (em sala, por sinal) com "El mar". (Adenda do dia 27 de Dezembro: depois de visto "Guerra Civil" de Pedro Caldas, estreado também na RTP2, perguntava não às distribuidoras, mas à Sociedade Portuguesa de Autores, como pode ser possível que "barre" a distribuição comercial de um filme com esta pujança e com esta pungência?!)
Outro registo menos bom, que não sei se será da responsabilidade das distribuidoras, é a qualidade baixa deste ano cinematográfico. Coincidiu (ou então adveio disso) que foi dos anos em que vi mais filmes estreados em sala (mais de 70), dos quais recomendaria com algum entusiasmo cerca de 30, mas dos quais apenas 13 ou 14 consideraria obras de relevo, que merecerão a nossa atenção em futuras (re)descobertas ou já marcaram em definitivo a vida cinéfila. O mais marcante foi "O Cavalo de Turim", a obra-prima de 2012 que não deu hipóteses nenhumas à concorrência. Todavia, tenho de alertar que não consegui ver os últimos de Oliveira, Akerman, Ceylan e Chabrol. (Desconfio que, pelo menos, o filme do centenário realizador português teria muitas possibilidades de integrar este elenco de excepção.)
1. "A torinói ló" de Béla Tarr
2. "4:44 Last Day on Earth" de Abel Ferrara
3. "Cosmopolis" de David Cronenberg
4. "Tabu" de Miguel Gomes
5. "The Girl With the Dragon Tattoo" de David Fincher
6. "Moonrise Kingdom" de Wes Anderson
7. "Kiseki" de Hirokazu Kore-eda
8. "The Hunter" de Rafi Pitts
9. "Michael" de Markus Schleinzer
10. "Hors Satan" de Bruno Dumont / "Holy Motors" de Leos Carax
Bom Natal a todos!
Bem, a todos, sim, mas SOBRETUDO aos leitores do CINEdrio, os mais especiais do mundo.
Mais um Natal de "partilhas" que aqui se vence em família.
Mais um Natal de "partilhas" que aqui se vence em família.
Still de "'R Xmas" (2001) de Abel Ferrara
quinta-feira, 20 de dezembro de 2012
Os rostos de 2012
Figura do ano (internacional)
Despediu-se do cinema com uma obra-prima sem par, um daqueles filmes que se arrisca a lançar todo o resto de 2012 para o buraco negro do esquecimento. "O Cavalo de Turim", que graças à MIDAS Filmes pôde ser apreciado em sala (o único sítio possível para o ver) pelos portugueses, não é só o maior filme deste ano, é também um dos maiores filmes de todos os tempos. Aqui no CINEdrio dediquei-lhe 9 pontos de análise, o décimo está guardado para um artigo que sairá em breve na revista CineCachoeira da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia. A figura internacional de 2012 premeia, assim, a despedida genial de um grande realizador de cinema.
Figura do ano (nacional)
Miguel Gomes
É inevitavelmente o grande nome do cinema português da actualidade. Nesta época de balanços e tops o que é difícil é não encontrar "Tabu" entre os melhores. Os Cahiers du cinéma (8.º lugar) iniciaram a onda que tem sido cavalgada por várias publicações, desde a britânica Sight & Sound (2.º lugar) até, mais recentemente, aos americanos da Film Comment (11.º lugar). Os ingleses são, de facto, os maiores entusiastas, tendo o London Film Critic's Circle nomeado "Tabu" para o prémio de melhor filme estrangeiro do ano, ao lado de títulos como "Amour" e "Holy Motors". Também é na Grã-Bretanha que este filme será lançado em Blu-ray, no dia 14 de Janeiro, pela mão da New Wave Films. Penso que ainda não ouvimos tudo acerca deste que é mais um grande filme de Miguel Gomes, que se junta assim aos seus outros excelentes filmes: "Aquele Querido Mês de Agosto" (para mim, o melhor) e "A Cara Que Mereces" (já para não falar de algumas óptimas curtas-metragens que realizou antes desta sua subvalorizada primeira longa).
Muito cá de casa: balanço caseiro do ano de 2012
Tradições são tradições. Passado que está pouco mais que um ano sobre o balanço caseiro de 2011, é tempo de rebobinar 2012 e tentar deixar aqui uma amostra do que melhor vi no "pequeno ecrã". Tento replicar o critério utilizado nos últimos dois anos, pelo que não estranhem se numa ou noutra escolha não haja, na realidade, uma correspondente edição em DVD ou Blu-ray pronta a ser adquirida. Volto a sublinhar: o mercado, sobretudo agora com o reboot da alta-definição, é muito expedito a reeditar títulos famosos, mas, pelo contrário, arrisca pouco no lançamento de obras que precisam de ser vistas pela primeira vez. Colecciono e divulgo filmes, mas nem sempre o mercado é suficiente para responder à minha curiosidade em relação às obras que ainda não mereceram a atenção devida.
Jordan Belson
O que me trouxe à obra do cineasta experimental norte-americano Jordan Belson foi um texto de Gene Youngblood, «The Cosmic Cinema of Jordan Belson», publicado na revista Film Culture na Primavera de 1970. O que me atraiu mais foi a associação feita entre a trip cósmica de "2001" e as experiências audiovisuais de Belson. De facto, vendo por exemplo "Allures" e "Samadhi", entendi a comparação, mas descobri mais: um cinema puramente sensorial que consegue lidar com formas abstractas e uma impressionante palete de cores sem se tornar minimamente "pictórico". É, de facto, um mergulho no cosmos, uma experiência no limite do Absoluto. Retroactivamente, pensar em "The Tree of Life" de Malick parece-me inevitável ante a monumentalidade destas imagens miraculosas.
Peter B. Hutton
Peter B. Hutton terá sido "a descoberta" de 2012. A sua trilogia de Nova Iorque e o seu retrato de Budapeste produziram em mim um sentimento de assombramento despertado em cada plano, em cada fade out repentino (e há verdadeiramente um "Hutton's touch" nestes "blackouts" súbitos, como no grão do seu preto-e-branco matérico) ou em cada traço novo produzido a partir do (des)velamento de uma paisagem "comum". É o triunfo de um verdadeiro "olhar de cineasta" sobre o mundo.
Hotel Monterey
O segundo filme de Chantal Akerman, realizado quando tinha apenas 22 anos, provocou em mim um trauma do qual ainda não me recompus - e entretanto revi-o em sala, redescobrindo logo aí outro filme... É um filme feito com uma câmara que se movimenta - não certamente por si mesma - num cenário tão banal e universal como é um hotel de Nova Iorque, mas aí vamos percebendo que habitam fantasmas antes de habitarem pessoas. Quer dizer, os fantasmas aparecem-nos através da sua câmara, através do seu olhar - porque é ele, e não a câmara, que é específico e singular - sobre aqueles lugares... É um exercício sobre o tempo e o espaço com uma densidade estética e atmosférica terrivelmente hipnotizadora. A sua edição pela mão da Eclipse, numa caixa com outros títulos magníficos, é obrigatória para qualquer cinéfilo.
Jalsaghar
Este "Salão de Música" de Satyajit Ray é um daqueles filmes que não existem, na realidade, não existe porque invoca imediatamente um lugar. É um lugar habitado apenas pela memória, uma memória traduzida pela música, mais concretamente pela reverberação de sons do passado que ainda encantam - e assombram - cada um dos recantos do grande salão caído no esquecimento. Experiência estética que faz de um clássico arco narrativo pretexto para a exibição das sonoridades mais ou menos secretas da música indiana, dada aqui a ouvir como música do mundo (não há exotismos, porquanto tudo isto nos toca). Um mundo cabe aqui no salão mágico, tal como o candeeiro de cristais cabe, reflectido, num copo de vinho. Terá sido o último Criterion que comprei em formato DVD, numa cópia impecável. Contudo, se puder arranjar o Blu-ray, ficará melhor servido.
The Leopard Man
Obra-prima absoluta que sintetiza tudo o que se deve saber em matéria de criação de atmosferas de terror. Jacques Tourneur, qual grande engenheiro do medo, compõe quadros de um preto-e-branco assombroso que, na sua sucessão, vão transformando uma historieta banal num trabalho de pura arte fílmica e, outrossim, de sedução e medo provocados pela indefinição dos seus mistérios mais escondidos... É o grande filme produzido por Val Lewton, obra que sobe mais alto que todas as outras na magnífica caixa editada pela Warner Home Video.
Man in the Wilderness
Richard C. Sarafian, para muitos reconhecido por ser o realizador de "Vanishing Point", foi o autor que mais me encheu as medidas neste final de ano. A sua magnum opus chama-se "Man in the Wilderness", filme com Richard Harris e John Huston sobre a fé, a Natureza e a luta pela sobrevivência de um homem traído pelos seus iguais. Algumas imagens são de uma beleza arrebatadora, mas o que fica é a viagem espiritual/a via sacra do protagonista e a comunicação íntima que vai estabelecendo com o meio natural que o envolve e interpela. Vi "Man in the Wilderness" e também o magnífico "The Man Who Loved Cat Dancing" numa edição da marca francesa Wilde Side Video, que recomendo também por causa da entrevista exclusiva a Sarafian que tem como extra (já a qualidade de imagem das cópias é algo discutível).
Les cousins
Hesitei um pouco, mas este é o meu "Blu-ray de 2012" (seria "On the Bowery", mas já o destaquei, em DVD, no balanço realizado há um ano). Não falo só da qualidade da transcrição - que é óptima, de qualquer modo - mas acima de tudo do choque que foi o encontro com este filme de Chabrol, só o seu segundo filme, mas até hoje - a par de "Juste avante la nuit" - o que me perturbou mais. A forma como o registo do filme nunca estabiliza, entre a tragédia realista e a aragem livre e leve da Nouvelle Vague, é um dos elementos que me fez, simultaneamente, estranhar e entranhar este filme muito difícil de classificar. Jean-Claude Brialy compõe uma máscara poderosa que anula o rosto "sem máscara" - logo, desprotegido - de Gérard Blain, dois papéis imensos que aqui produzem uma espécie de reflexo invertido sobre o filme anterior - o primeiro - de Chabrol, "Le beau Serge" (também editado em Blu-ray). Vi "Les cousins" na edição Blu-ray da Gaumont, mas entretanto não faltam alternativas (ainda mais) simpáticas: edição da Criterion e, em breve, da Masters of Cinema.
Milestones
Tendo sido a Cinemateca Portuguesa/ANIM responsável pelo restauro deste filme "esquecido" - mas muito amado por quem se lembra - de Robert Kramer e John Douglas, pergunto-me se não se perdeu uma grande oportunidade para uma distribuidora com coragem o lançar no circuito comercial. Não só isso não aconteceu, como também não foi em DVD que esta ficção documental ou este documentário ficcional chegou aqui a casa. Na realidade, foi pela mão da RTP2 que os portugueses puderam apreciar este monumento erigido a toda uma geração, aquela que, na América, fez a ponte entre os anos 60 e os anos 80. Fim de muitos sonhos - de uma certa ideia de liberdade - para o começo de uma outra vida, talvez, com menos sonhos - e, talvez também, com menos liberdade.
O noir do ano
Aqui hesitei muito. Podia ter escolhido "High and Low" de Kurosawa ou, por exemplo, "Bob le flambeur" de Melville. Também havia a hipótese "The Big Combo" de Joseph H. Lewis, film noir que tem sido muito recuperado nos últimos tempos mas que me deixou um travo a decepção... Escolho, então, outro "filme grande" que tinha em falta, mas que não deixei fugir em 2012: "Touchez pas au grisbi" de Jacques Becker. Não é bem o típico film noir ou polar, diria que tende até mais para o gangster movie, uma espécie de "gangster movie de avôzinhos". Eis a visão (com a sua ponta de ironia) de um grupo de veteranos "senhores do crime" e a tentativa de um deles de procurar sair em beleza da "profissão de uma vida". Jean Gabin, o "herói", é excelente, mas o que gostei mais ainda foi a mise en scène de Becker, nomeadamente o seu gosto por pacientes "alternâncias de cenário" antes que o plot estale e chame a si todas as atenções. Muita classe.
After Shyamalan (II)
Ok, acho que já percebi. O trailer do mais recente filme de M. Night Shyamalan esclarece algumas das dúvidas, por sinal muito pouco entusiasmantes, que tinha quando fiz aqui mesmo uma primeira antevisão, baseado nas informações disponíveis sobre a história do filme e o seu "teaser viral" pouco convincente - e revelador.
O que percebi é que haverá, seguramente, uma dimensão política nesta história projectada no futuro... aliás, a dimensão política começa precisamente com a falência dessa projecção: parece que Shyamalan diz "aqui vem uma superprodução passada num futuro longínquo, ao qual nenhum de nós tem acesso, parepare-se o espectador para o mais impensável dos cenários fantasiosos alguma vez produzidos!" para depois, como um bom discípulo de Hitchcock, frustrar em toda a linha o prometido. A especulação - que é isso que Hollywood muitas vezes tem a oferecer, e pouco mais, dentro do género - é ferida de morte logo à nascença - para chegarmos a esta conclusão, basta espreitar o trailer. É que a projecção no futuro é uma (muito menos fantasiosa) viagem ao planeta Terra tal como o conhecemos quando não o podíamos... conhecer, isto é, antes do aparecimento do Homem. Na realidade, esta Terra pós-histórica, pós-humana parece coincidir com a Terra pré-histórica e pré-humana. A ficção científica futurista está, deste modo, falsificada - e é aqui, estou em crer, que Shyamalan irá politizar este seu mais recente filme.
Por outro lado, encontro alguns elementos visuais e temáticos recorrentes no seu universo autoral. Desde logo, a relação pai-filho e a forma como esta é "posta em xeque" por uma ameaça exterior, "alienígena". A ironia aqui é que parece que são pai e filho que são os aliens, isto é, os estrangeiros na Terra, que deixou de ser "a sua própria terra", o que volta a convocar o tema religioso da "origem" e da "casa" no seu cinema. Os "aliens" deste filme não vêm "from outer space", nem tão-pouco de histórias míticas, mas de uma Natureza regressada à sua feição mais selvagem. Daí (re)encontrarmos grupos de macacos, águias e outros animais "ancestrais" do seu cinema - e já aqui tinha especulado sobre a importância da iconografia hindu no seu cinema.
Não estou tão desalentado e desconfiado como já estive. Este trailer devolve-me bons indicadores quanto ao caminho que Shyamalan está a querer percorrer com este filme, no qual terá tido menos controlo artístico do que é costume. Vamos continuar a segui-lo, até porque esta será, sempre, uma das principais estreias de 2013.
quarta-feira, 19 de dezembro de 2012
Limbosine
"Cosmopolis" (2012) de David Cronenberg
"Holy Motors" (2012) de Leos Carax
(Incorrerá numa contra-ordenação gravosa o expectator que olhar para um sem querer ver o outro.)
quarta-feira, 12 de dezembro de 2012
Newsletter do CINEdrio procura novo redactor
Parece - eu sei que sim... - mas a Newsletter do CINEdrio não está esquecida pelos seus redactores. (Aproveito a oportunidade, aliás, para agradecer a todos os que continuam a subscrever a publicação, mesmo nestes meses de inactividade.) Simplesmente, citando Sontag/Benjamin, "o tempo não dá tempo" para a elaboração dessa folha informativa que exige muita dedicação, sobretudo se queremos - e queremos! - manter ou mesmo aumentar a qualidade das edições anteriores.
É pela falta de tempo que a todos os coleccionadores, de livros e filmes, a todos aqueles que gostam de escrever, sobre livros e filmes, endereço o seguinte desafio: venha ocupar a "cadeira do sonho" no âmbito das publicações de divulgação do (pensamento do ou em torno do) cinema. O que tem de fazer para isso? É simples: envie um mail para Alfred_Hitchcock@hotmail.com, com a sua identificação, um texto crítico ou de divulgação que tenha escrito e que se inscreva minimamente na área temática da Newsletter e uma nota de intenções (onde poderá dizer em que rubrica estaria mais à vontade: lançamentos DVD/Blu-ray, livros ou "herói do mês"). Se não tem material produzido na área, poderá apenas enviar a nota de intenções, com a sempre necessária identificação.
Eu e a restante equipa da Newsletter iremos, depois, seleccionar o novo redactor.
Estamos a preparar o grande regresso, mas para isso o contributo - que pode ser seu - será decisivo, atendendo às nossas presentes limitações. Não se coíba de enviar a sua candidatura, estamos abertos à diversidade e à novidade.
sábado, 8 de dezembro de 2012
Em resposta ao artigo escrito por Mourinha "às criancinhas"
Saiu no suplemento Ípsilon, do jornal Público de 30 de Novembro passado, um texto que não pode deixar de suscitar uma reacção. Com o título "A evolução da alternativa ao academismo contada às criancinhas", esse artigo de opinião versa, em tom de escárnio, sobre a situação presente da revista francesa Cahiers du Cinéma, contraposta aos anos históricos da sua afirmação no mundo. O seu redactor, o crítico de cinema Jorge Mourinha, "conta às criancinhas" a história da revista e o seu impacto nos modos de ver, dar a ver e fazer Cinema. Diz, a certa altura, que a política de autores tem vindo a "impor globalmente" uma "oposição comummente aceite entre 'cinema comercial' e 'cinema de arte' ou 'cinema de autor'". Percebemos que Mourinha sabe que os Cahiers procuraram precisamente “confundir” essas etiquetas redutoras entre o que é comercial e o que é arte; que viram arte no comercial (caso de Hitchcock) e comercial na arte (caso dos autores "burgueses" da Tradição da Qualidade, que Truffaut denunciou como a tendência mais funesta do cinema francês). Contudo, não entendemos onde está a lógica em afirmar que o que corresponderia hoje a defender, como o fizeram na altura os críticos dos Cahiers, realizadores como Hawks e Hitchcock seria "erguer a 'autor'" um cineasta como Christopher Nolan, "coisa que aos Cahiers hoje, entrincheirados no academismo que eles próprios criaram, nunca passaria pela cabeça."
De repente, Mourinha sonega toda a história que se segue à formulação da "política de autores": nada mais que a emancipação do Cinema a nível mundial. O que Mourinha propõe é olharmos para o cinema comercial como os críticos dos Cahiers souberam olhar no seu tempo, mas como se a dimensão autoral fosse indissociável da natureza comercial ou não do filme em análise. Os Cahiers não estabeleceram que TODO o cinema de autor tem de ser cinema comercial; disseram que o cinema de autor pode nascer de uma conjuntura económica e política adversa à liberdade artística do criador. Entre o "pode" e o "tem" cabe o mundo — claro que para Mourinha, como a última produção de Nolan é cinema de autor, coisa que este arruma só pelo facto de "dizer que assim é", então Nolan é o novo Hawks ou o novo Hitchcock e... Mourinha o novo Truffaut?
O que os críticos dos Cahiers fizeram foi — e voltamos a usar o termo "vitimizante" de Jorge Mourinha — "impor" a liberdade de se ver cinema muito para lá dos sistemas de gosto instalados — esses sim, foram as vítimas da sua crítica. Os Cahiers propuseram um "novo olhar" livre de preconceitos tal como não foi de modo algum imposto um novo preconceito que dita que todo o cinema comercial americano está destituído de dimensão autoral, ou então Spielberg não teria visto o seu "War of the Worlds" ser considerado pela revista "só" o oitavo melhor filme da primeira década do novo milénio... Ou M. Night Shyamalan não teria merecido a consagração que nunca teve — e algum dia terá? — no seu próprio país.
Mais à frente, o crítico do Público diz: "Muitos dos nomes que os Cahiers defendem na sua lista como cineastas livres fazem parte do academismo do cânone 'autorista', ao qual pertencem em alguns casos mais pela sua postura perante o cinema do que pelos filmes em si." Como pode a "postura perante o cinema" não estar nos "filmes em si", ou melhor, onde foram os críticos dos Cahiers buscar essa postura que não nos filmes? Parece-nos evidente que Mourinha, por não tolerar, por exemplo, o cinema de Ferrara, sente-se no direito de tomar toda a linha editorial dos Cahiers por ortodoxa ou académica ou, no limite, "conformada" — um de nós também detestou o último Coppola, o outro não considera “Holy Motors” como merecedor de inclusão em Tops dos melhores do ano, mas vê-los na lista da Cahiers lembra-nos como é sempre possível um olhar diferente sobre o mesmo objecto...
Mourinha cita Bazin para dizer que "tudo é relativo", algo que o crítico do Público não põe em prática quando se mostra incapaz de: aceitar a diversidade de proveniências do Cinema, reconhecer o lugar que os Cahiers ocuparam e ainda procuram ocupar no desafio aos unanimismos e aos "gostos maioritários" e — detenhamo-nos, por fim, neste ponto — respeitar a diversidade de visões sobre um filme provenientes de fontes como os, segundo Mourinha, “blogues que multiplicam opiniões”.
Recordamos que a presente indignação ao artigo publicado pelo suplemento Ípsilon nasce na própria comunidade blogger cinéfila portuguesa, uma comunidade liberta de linhas editoriais que não a instituída pelo próprio blogger em prol de uma reflexão cinematográfica anti-consensual, inclusive geradora de alguns futuros profissionais do cinema português e que, em toda a sua natureza, pluralidade, virtudes e defeitos, revela-se um dos espaços mais férteis e inconformados no que toca ao debate sobre o passado, presente e futuro da Sétima Arte.
Signatários:
André Marques
Aníbal Santiago
António Tavares de Figueiredo
Catarina D'Oliveira
Hugo Gomes
Inês Moreira Santos
Jorge Rodrigues e João Samuel Neves
Jorge Teixeira e Pedro Teixeira
Luís Mendonça
Miguel Reis
Nuno Reis
Samuel Andrade
De repente, Mourinha sonega toda a história que se segue à formulação da "política de autores": nada mais que a emancipação do Cinema a nível mundial. O que Mourinha propõe é olharmos para o cinema comercial como os críticos dos Cahiers souberam olhar no seu tempo, mas como se a dimensão autoral fosse indissociável da natureza comercial ou não do filme em análise. Os Cahiers não estabeleceram que TODO o cinema de autor tem de ser cinema comercial; disseram que o cinema de autor pode nascer de uma conjuntura económica e política adversa à liberdade artística do criador. Entre o "pode" e o "tem" cabe o mundo — claro que para Mourinha, como a última produção de Nolan é cinema de autor, coisa que este arruma só pelo facto de "dizer que assim é", então Nolan é o novo Hawks ou o novo Hitchcock e... Mourinha o novo Truffaut?
O que os críticos dos Cahiers fizeram foi — e voltamos a usar o termo "vitimizante" de Jorge Mourinha — "impor" a liberdade de se ver cinema muito para lá dos sistemas de gosto instalados — esses sim, foram as vítimas da sua crítica. Os Cahiers propuseram um "novo olhar" livre de preconceitos tal como não foi de modo algum imposto um novo preconceito que dita que todo o cinema comercial americano está destituído de dimensão autoral, ou então Spielberg não teria visto o seu "War of the Worlds" ser considerado pela revista "só" o oitavo melhor filme da primeira década do novo milénio... Ou M. Night Shyamalan não teria merecido a consagração que nunca teve — e algum dia terá? — no seu próprio país.
Mais à frente, o crítico do Público diz: "Muitos dos nomes que os Cahiers defendem na sua lista como cineastas livres fazem parte do academismo do cânone 'autorista', ao qual pertencem em alguns casos mais pela sua postura perante o cinema do que pelos filmes em si." Como pode a "postura perante o cinema" não estar nos "filmes em si", ou melhor, onde foram os críticos dos Cahiers buscar essa postura que não nos filmes? Parece-nos evidente que Mourinha, por não tolerar, por exemplo, o cinema de Ferrara, sente-se no direito de tomar toda a linha editorial dos Cahiers por ortodoxa ou académica ou, no limite, "conformada" — um de nós também detestou o último Coppola, o outro não considera “Holy Motors” como merecedor de inclusão em Tops dos melhores do ano, mas vê-los na lista da Cahiers lembra-nos como é sempre possível um olhar diferente sobre o mesmo objecto...
Mourinha cita Bazin para dizer que "tudo é relativo", algo que o crítico do Público não põe em prática quando se mostra incapaz de: aceitar a diversidade de proveniências do Cinema, reconhecer o lugar que os Cahiers ocuparam e ainda procuram ocupar no desafio aos unanimismos e aos "gostos maioritários" e — detenhamo-nos, por fim, neste ponto — respeitar a diversidade de visões sobre um filme provenientes de fontes como os, segundo Mourinha, “blogues que multiplicam opiniões”.
Recordamos que a presente indignação ao artigo publicado pelo suplemento Ípsilon nasce na própria comunidade blogger cinéfila portuguesa, uma comunidade liberta de linhas editoriais que não a instituída pelo próprio blogger em prol de uma reflexão cinematográfica anti-consensual, inclusive geradora de alguns futuros profissionais do cinema português e que, em toda a sua natureza, pluralidade, virtudes e defeitos, revela-se um dos espaços mais férteis e inconformados no que toca ao debate sobre o passado, presente e futuro da Sétima Arte.
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segunda-feira, 3 de dezembro de 2012
A Angústia do Blogger Cinéfilo no Momento do Penalty: 2.ª Edição
A todos os "treinadores de bancada" da cinéfilia portuguesa, venho comunicar-vos que está de volta o grande evento cinéfilo-desportivo da blogosfera internacional: o torneio interblogues A Angústia do Blogger Cinéfilo no Momento do Penalty. Já pode deixar de lamentar não ter podido participar na primeira edição e jogar contra temíveis "dream teams" treinadas com os métodos mais científicos.
As regras eram mínimas na primeira edição, não deixarão de o ser agora, mas com pequenas nuances com vista a "actualizar" o espírito da competição. Posto isto - e agora que está aberta a fase de inscrições - deverão ter em mente o seguinte:
1. Só poderão escolher jogadores/autores que estejam em actividade no dia de hoje. Não valem autores que, estando vivos, não realizaram qualquer filme nos últimos 5 a 10 anos.
2. Deverão escolher os jogadores/autores que sejam representativos da "política desportiva" dos clubes que administram, leia-se, dos vossos blogues cinéfilos.
3. Cada escolha deverá ser justificada, em textos curtos, quanto à escolha em si mesma e/ou à posição do jogador no campo.
4. Não deverão repetir jogadores já escolhidos por outros concorrentes. Caso não consigam evitar escolher jogadores já seleccionados por outro treinador, então deverão colocá-lo noutra área do campo, fundamentando devidamente esta medida de excepção.
5. Deverão publicar nos vossos espaços a imagem da vossa equipa ideal, bem como os futuros embates com as outras equipas, tal como é estabelecido aqui no CINEdrio, o campeão do último A Angústia do Blogger Cinéfilo....
6. Como aconteceu na primeira edição, o vencedor deste torneio terá de arcar com a organização da próxima edição, em moldes a discutir com a casa-mãe do CINEdrio.
Seis pontos apenas separam-no de entrar na arena de todos os sonhos.
Entretanto, a título exemplificativo, e usufruindo do título de campeão da última edição, avanço já para a publicação da equipa do CINEdrio FC que irá alinhar neste torneio:
Guarda-redes: James Benning. Continua a ser o guardião inexpugnável das redes do CINEdrio FC. Imperturbável, paciente e muito concentrado nas decorrências de cada jogo, Benning é um guarda-redes de grande equipa.
Defesa esquerdo: John Carpenter. Desde o último torneio, Carpenter tornou-se ainda mais num jogador moderno, fazendo - como Fábio Coentrão - todo o corredor esquerdo. Marcou alguns golos na fase de preparação, em jogos realizados à porta fechada. Ainda assim, não se sabe se conseguirá retomar a excelente forma física do último torneio.
Defesa centro (esquerdo): James Gray. É meticuloso, não inventa, joga maravilhosamente dentro das limitações físicas que tem. É novo, mas parece um veterano a jogar: não falha passes, é bom a fazer cortes por antecipação, mas também não prima pela velocidade e virtuosismo técnico. Tacticamente perfeito, no entanto.
Defesa centro (direito): Clint Eastwood. Porque ainda está activo - e bem activo - resolvi mantê-lo no centro da defesa. É uma aposta de risco desde o episódio em que terá visto "um jogador invisível" infiltrar-se na grande área. A sua aparente fé no paranormal tem sido motivo de alguma dúvida - e alguma chacota - no balneário. Contudo, ainda tem "créditos de capitão".
Defesa direito: William Friedkin. Jogador que percebe muito bem a engrenagem colectiva, mas que (paradoxalmente) não prima sempre pela segurança. Aventura-se muito em espaços avançados ou recuados, sendo pouco constante em termos tácticos, mas é virtuoso e até empolgante quando está inspirado.
Médio defensivo: Ti West. É o box-to-box da equipa, aguenta magistralmente a bola a meio campo, raramente falhando o passe que balanceia a equipa para o ataque. Primoroso à defesa, West é o paradigma do jogador que parece uma coisa mas é outra - e quando se revela como é, tem o poder de deixar os adversários banzados com a precisão do seu jogo.
Médio esquerdo: Gus Van Sant. Jogador veloz e tecnicista, mas sempre solidário com a equipa. Perfeito no último passe e driblador nato mesmo sob pressão do adversário. Com ele, o jogo jogado flui em todo o campo.
Médio centro: Terrence Malick. Um criativo inexcedível que inventa soluções a meio campo que resolvem jogos. Tem um jogo aéreo melhor que a maioria dos jogadores que ocupam o seu lugar no campo. Quase invisível no campo, é o elo de união da equipa no balneário, amigo e confidente de todos os jogadores.
Médio direito: M. Night Shyamalan. É um risco pô-lo na equipa titular, mas se estiver no topo de forma pode fazer coisas que ninguém ousa fazer - e bem feitas! Exemplo disso foi aquele jogo - também realizado à porta fechada - em que marcou um golo a partir do meio campo, sempre a dar toques e com a cabeça!, sem que a bola tivesse tocado no chão.
Avançado (esquerdo): Jean-Luc Godard. É imprevisível, inconstante, mas na maior parte das vezes genial. Projecta-se no espaço vazio como ninguém: ele entra na grande área e posiciona-se onde os defesas adversários não se lembram de estar. Aparece para finalizar quando ninguém dava por ele. A idade pesa-lhe, mas não se fie muito nela...
Ponta-de-lança: Quentin Tarantino. De cabeça, de calcanhar, em exímios pontapés-de-bicicleta, Tarantino marca de todas as formas e feitios. É matreiro o suficiente para grandes simulações na grande área para provocar o penalty decisivo ou para grandes teatros, quando a equipa está vencer, para queimar o tempo que falta. Faz tudo para levar a sua equipa à vitória, mas na realidade só pensa numa coisa: a baliza. É muito polémico: um dia disse que preferia ser o melhor marcador do torneio do que ver a sua equipa ganhar.
Treinador: Sam Fuller*. Aqui não há "manáger" a dizer ao treinador o que deve fazer ou deixar de fazer... Fuller é o homem. Com preferência por "treinos sem bola" que transformam o campo de futebol num campo de batalha, o "big red one" (como é conhecido) lidera esta equipa com pulso forte. Se o outro pede "tranquilidade", este pede "acção!".
Aqui está o CINEdrio FC. Agora é a sua vez de ser mister e avançar com a "equipa de sonho" do seu blogue/site. Faça-o deixando na caixa de comentários deste post a sua selecção, com a devida fundamentação das suas escolhas (porque isto não é a selecção nacional de futebol). A sua equipa será publicada aqui e incluída depois no sorteio.
* - adenda desde este post, onde estabeleci: "para além dos jogadores, poderão, a título facultativo, indicar o treinador (que não terá de ser um "autor no activo") com o perfil mais indicado para pôr as vossos galácticos na ordem."
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domingo, 2 de dezembro de 2012
Ligação directa à pala de Walsh (V)
Um mês com muito pouca produção própria para lá da cobertura que realizei - não sozinho - ao último LEFFest. Da série de 6 posts, destaco aquela em que colaborei com o Ricardo Lisboa para produzir um grupo de críticas e observações que permanecessem bem para lá do mediatismo efémero deste evento: "LEFFest 2012: filmes (d)e Daney". Hoje, foi publicado um novo número da minha crónica Civic TV: "Quando o zapping pára em Timecode".
De resto, pus a minha colher na Sopa de Planos do mês, que, na realidade, foi nada mais nada menos que uma deliciosa sopa de olhos e entrei no Cadáver Esquisito que politizou o medo no cinema com uma perna atrás das costas. Também entrei no "falatório fílmico" a propósito de "Vengeance is Mine" de Shôhei Imamura.
Fora disso, tenho de destacar a estreia de João Araújo a escrever à pala de Walsh, que (coincidência?) fez um raccord quase perfeito com os primeiros capítulos da cobertura que a Sabrina Marques deu a esse evento dentro do evento que foi o ciclo do Doc Lisboa United We Stand, Divided We Fall.
Destaco ainda duas entrevistas exclusivas da Pala que foram publicadas este mês: a que Miguel Domingues fez ao director da Midas Filmes Pedro Borges e a que o João Lameira e o Ricardo Lisboa realizaram a Antonio Campos, realizador de "Afterschool".
Este mês quem edita é o Ricardo Lisboa.
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