domingo, 30 de janeiro de 2011

Os melhores de 2010

Demorei, porque tinha de ver mais alguns filmes. A maior parte que queria ver está vista e, por isso, sem mais delongas aponto os dez mais de 2010, uma selecção feita com base no universo dos cerca de 50 filmes que vi lançados em Portugal no ano transacto, em sala ou directamente em DVD. O maior destaque do ano vai, precisamente, para a qualidade dos direct-to-DVDs ou, se preferirem, para a falta de arrojo de muitas das distribuidoras que puseram fora de sala obras de Reichardt, Mendoza e Wes Anderson.


1. "Go Get Some Rosemary" de Ben & Josh Safdie

2. "Shirin" de Abbas Kiarostami

3. "O Tempo que Resta" de Elia Suleiman

4. "Mistérios de Lisboa" de Raoul Ruiz

5. "Old Joy" de Kelly Reichardt (DVD)

6. "Shutter Island" de Martin Scorsese

7. "Fantastic Mr. Fox" de Wes Anderson (DVD)

8. "Toy Story 3" de Lee Unkrich

9. "Yuki & Nina" de Nobuhiro Suwa e Hippolyte Girardot

10. "Noite e Dia" de Hong Sang-soo

sábado, 29 de janeiro de 2011

The House of the Devil (2009) de Ti West


Este extraordinário filme do realizador com o suspeito nome de Ti West provoca-me, assim de repente, duas reacções de espanto, sobretudo tendo-me eu como seguidor das tendências do cinema de terror norte-americano. Em primeiro lugar, este filme começa muito significativamente "entre muros", com a câmara a mover-se numa casa que poderá ser a, mas que acabará por se revelar numa antecâmara da "casa do diabo" que o título a(e)nuncia. O tradicional master shot é substituído por um plano de interior e é assim, preso à materialidade daquele tempo - que veremos ser decisivo na construção da atmosfera de todo o filme - que "The House of the Devil" nos apresenta a sua bela protagonista (Jocelin Donahue), uma jovem em busca de casa, em busca de dinheiro para pagar a renda, em busca de um emprego para arranjar dinheiro... que vai parar a outra casa.

No percurso até lá, a mesma câmara vai saboreando cada instante desse seu tempo incerto: não estamos no século XXI, nem tão-pouco nos anos 90... cenário a cenário, as roupas, os objectos vão-nos "deslocando" temporalmente para, no limite, meados dos anos 80; para, enfim, outra América e outros cinemas. É retro? É, mas sem grande deslumbramento. São os anos 80 filmados como se fossem 2011, mas num processo de degustação material muito lento, isto é, muito pouco contemporâneo - ou num ritmo que se impõe contemporaneamente, quando o melhor cinema de Carpenter, Argento, Hooper nos deixa nostálgicos? Enfim, a reflexão sobre o tempo, a capacidade (maturidade mesmo) que Ti West revela em não se prender ao filme-homenagem-de-um-tempo-em-que-os-filmes-de-terror-eram-assim é notável.

Outra coisa espantosa: como em "Halloween", os sinais gráficos do género tardam em chegar ao ecrã, fazendo reverter todos os códigos pr(é)escritos do genéro institucionalizado do filme de terror CONTRA as próprias expectativas do espectador. Isto é, a certa altura, "The House of the Devil" leva-nos a interrogar: será isto mesmo um filme de terror ou um filme de terror que apenas (pré-)existe na nossa cabeça? "Halloween" continua a ser o mais radical objecto cinematográfico a explorar esta fronteira entre o género e a sua impossível, ou desnecessária, concretização, mas "The House of the Devil" é, dos filmes de terror contemporâneos, o que leva mais longe esta ideia, ao ponto de a certa altura eu ter julgado possível ver, pela primeira vez, uma das minhas fantasias ganharem forma: um filme de terror sem sangue, um "quase" filme de terror, ou seja, um objecto propositadamente mal concebido - isto é, treslendo em toda a linha as receitas do género - que apenas explore a paranóia do espectador de cinema, ela em si mesma material de sobra para se aguentar hora e meia de suspense puro, de um "what if?" angustiante. Isto é, como seria "The House of the Devil" sem os seus minutos finais? Ainda melhor, estou certo.

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Recorte de falas (IV): The Hospital

"The Hospital" (1971), de Arthur Hiller, tinha tudo para ser um grande filme. Não é um grande filme - sobretudo porque nunca chega a perceber totalmente que não interessa para nada a "história dos crimes..." - mas é uma pequena ficção semi-documental interessante q.b., com grandes momentos protagonizados pelo grande George C. Scott, o médico impotente em sentido duplo: profissional e sexual. Estas duas forças entram em colisão no diálogo que este tem com a filha de um dos pacientes.

Dr. Bock: (...) If there is a despised, misunderstood minority in this country is us, poor impotent bastards. Well, I'm impotent and I'm proud of it. Impotence is beautiful, baby. Power to the impotent, right on, baby!
Barbara: Right on!
Dr. Bock: You know, when I say impotent, I don't say merely limp. Disagreable as it may be to a woman, a man may lust for other things. Something a little less transient than an erection. The sense of permanent worth, that's what medicine was to me (...).

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Recorte de falas (III): Death Proof

As coisas são muito simples, tão simples quanto isto. Na cine-escrita, há dois tipos de realizadores: os que são geniais como Tarantino e os que não são geniais como Tarantino (e há magníficos cine-escritores aqui). Digo: escrever com palavras, mas com palavras imagi(n)árias (= palavras com imagens lá dentro), o que não tem nada a ver com plot e coisas que tais. "Death Proof" é prova de génio que dispensa apresentações. (Ó Godard, espreita só o nível do jeu de paroles: car, scar, scared.)

Stuntman Mike: Do I frighten you?
[Arlene silently nods]
Stuntman Mike: Is it my scar?
Arlene: It's your car.

Recorte de falas (II): The Last Run

Último "dirty job" de Harry Games (George C. Scott) para se poder reformar e ir para o Algarve - é mesmo isso! - gozar uma rica reforma: transportar, no seu acarinhado veículo, o criminoso evadido Paul Rickard para local combinado. Com o desnaturado Paul, entra em cena a sua bela namorada - a girl means trouble - que vai aumentar a tensão entre os dois homens. Estas falas foram recortadas de uma cena passada no dito carro - a outra "she" para Games. O filme é "The Last Run" (1971) de Richard Fleischer, obra parcialmente rodada no sul de Portugal.

Paul Rickard: I never called anything a her in my life. It, a car is an it.
Harry Garmes: With you, Rickard, everything is an it.

Recorte de falas (I): Jaws 2

"Jaws 2" (1978) é um mau filme. Ponto. Mas tem um dos diálogos mais delirantes da história do cinema, entre Martin Brody (Roy Scheider) e o seu ajudante Hendricks. No barco de salvamento, o primeiro pede referências ao segundo sobre a localização em alto-mar dos seus filhos, que, naquele mesmo instante, estão à mercê dos humores sádicos do grande tubarão.

Martin Brody: Where the hell are they?
Hendricks: About ten degrees off the starboard bow. You take...
Martin Brody: Don't give me that shit! Just point!

sábado, 22 de janeiro de 2011

Falar de África, pensar África (em África)

"Come Back, Africa" (1959) de Lionel Rogosin

"La pyramide humaine" (1961) de Jean Rouch

(O Rouch americano? Ou é Rouch o Rogosin francês? Enfim, Cassavetes também dificilmente foi indiferente a este grande cineasta norte-americano, que precisa de ser mais divulgado - um obrigado à Carlotta por continuar a recuperar as pérolas mais escondidas do cinema independente norte-americano.)

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

O filme do ano (XIV): o trailer completo

Publiquei a parte, a única disponível na Internet na altura, pois agora publico o todo. Um "todo" cheio de imagens muito promissoras e uma ambiência claramente evocativa do Carpenter dos anos 70 ("Halloween" aparece como grande referência no trailer, o que me parece apropriado) com, porventura, uns toques de "In the Mouth of Madness". Enfim, talvez mais hitchcockiano (foras-de-campo) do que hawksiano, mas, ainda assim, o filme mais esperado de 2011.




terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Programação de cinema na RTP2 (XXXVI): a palavra "regular"

DOIS MIL QUINHENTOS E OITENTA E NOVE


A RTP2 aguentou duas semanas seguidas com cinema, todos os dias da semana, acrescendo à sua tradicional sessão dupla dois ciclos dedicados ao cinema europeu, um à nova geração de cineastas italianos (como Sorrentino, Luchetti e Di Gregorio) e outro ao cinema espanhol (com muito Almodóvar, talvez numa perspectiva algo redutora sobre os últimos anos, mais produtivos, do cinema espanhol). Defendi que esta opção de programação não teve nada a ver com a nossa iniciativa de reivindicar mais e melhor cinema na RTP2; defendi isso, mas comecei a duvidar quando vi a programação desta semana: uma semana dedicada ao western, nomeadamente, com o excelente "Johnny Guitar" a abrir e dois Peckinpahs.

Foi uma boa surpresa para este início de ano, mas o meu entusiasmo rapidamente diminuiu quando consultei não só a sessão dupla do próximo sábado - das mais esquizofrénicas dos últimos tempos, com a proposta incompreensível "All the President's Men" de Pakula seguido de "Election" de Johnnie To - mas acima de tudo quando verifiquei que, na semana que vem, a RTP2 volta a descartar o cinema de segunda a sexta. Toda esta "indecisão programática", que dificilmente fideliza quem quer que seja, fez-me lembrar da importância da palavra REGULAR no título da nossa petição.

Reformulamos a exigência: que se "horizontalize" um conteúdo/fim fundamental que é o cinema e a formação cinéfila!

Assine, se não assinou. Ajude-nos a crescer, se já assinou.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

O filme do ano (XIII): o trailer ou parte dele

Desde já, um grande obrigado ao meu camarada de petição João Palhares pela sua (wiki)leak do trailer, ou parte dele, de "o filme do ano", que andei a antecipar durante todo o ano de 2010 na expectativa de o ver nesse ano. Pronto, fica a ideia: 2010 fica marcado por ser o ano que antecede 2011, isto é, "o ano do regresso de Carpenter". Sem mais palavras, cá vão as primeiras imagens e sons que nos chegam de "The Ward".





domingo, 2 de janeiro de 2011

Janelas para se pensar o cinema na televisão pública

Na televisão portuguesa, a alternativa ao espaço razoável de João Lopes na SIC Notícias é o programa de Mário Augusto "Janela Indiscreta" na RTP. Mário Augusto esteve na SIC Notícias até há pouco tempo, tendo passado entretanto, sabe-se lá com que custos, para a televisão pública. Faz hoje magazines "enlatáveis" que alimentam RTPN, RTP1 e RTP2 em horários impróprios (respectivamente, 2h30, 2h00 e 13h45). O que é que mudou em relação àquilo que Mário Augusto fazia na SIC? Bem, mudou muito pouco, mas o que mudou mostra quão inacreditável foi esta contratação: mais promoção e divulgação do cinema português.

Lá impuseram as "quotas do serviço público" ao homem dos junkets e das festas loucas de Hollywood. Não tenho nada em particular contra o "jornalismo" - vêem-se as aspas? Mas vêem-se mesmo? Não será melhor pôr a bold? Ó mãe, vê lá, está mesmo bem? Ok, continuando... - praticado por Mário Augusto, homem simpático que já tive o prazer de conhecer, mas a RTP não conseguia fazer melhor? Teve de roubar da concorrência alguém para fazer, contra-natura, a promoção do malquisto cinema nacional, misturado com a pipocada-mor do boxoffice?

A título de exemplo, veja-se os créditos de abertura de "Janela Indiscreta", com frases célebres da Sétima Arte como "O meu nome é Bond, James Bond" e... "Até que a voz me doa" ("Amália"). Isto revela não só a ausência de uma programação (pensada) de cultura na televisão pública como, muito especificamente, a condução editorial do resto do programa: euforia incontida quando é para falar da última comédia de Nora Ephron interrompida a espaços com os malditos dos filmes portugueses... enfiados a martelo. É tudo tão artificial quanto pôr um Mário Jorge Torres a entrevistar Hugh Grant num junket sobre a sua última produção "Ouviste falar dos Morgan?".

Não está a RTP equipada para conceber, de raiz, uma coisa que não tem, que não há, de facto, na televisão nacional: uma programação cultural com espaços, vá, com UM espaço que produza reflexão/informação relevante sobre a actualidade cinematográfica, que promova a descoberta dos clássicos e não se limite a "vender blockbusters" como quem vende um creme para as rugas? Caramba, não consegue a RTP arranjar, até mais barato, uma pessoa minimamente telegénica para falar ou/e pôr gente a falar empenhada e seriamente sobre Cinema?

Bring Me the Head of Alfredo Garcia (1974) de Sam Peckinpah


O filme abre com uma mulher a ser esbofeteada. Estamos num filme de Peckinpah. Um poderoso patriarca mexicano dá a ordem: "tragam-me a cabeça de Alfredo Garcia" (várias vezes em castelhano e depois, sem pompa, em inglês). Al, como ficará conhecido, é o tipo que lhe engravidou a filha, provavelmente, sem pedir a mão a quem de direito. Portanto, a um neto bastardo responde-se com a lei das armas, ou de uma catana bem afiada... Estamos num filme de Peckinpah. Estamos tanto num filme de Peckinpah que não temos de esperar muitos minutos até que outra mulher, desta feita, uma prostituta - deixa estar, meu Deus, as mulheres putas são as menos putas do universo segundo Peckinpah - leve uma cotovelada certeira no rosto, caindo inconsciente.

Quem o administrou foi um hitman americano que contrata o herói, perdão, o anti-herói peckinpaniano de serviço, interpretado por Warren Oates, para limpar o sebo ao tal Alfredo Garcia, que aquele diz só conhecer de nome. "Dead or alive?", interroga o assassino acabado de contratar, fazendo uso do velho cliché do western. "No. Dead". Frase que acerta, como um chuto nas virilhas, no espectador mais incauto. Estamos em pleno ocaso do western clássico; aqui dizem-se palavrões, bate-se em mulheres, violam-se mulheres, cortam-se cabeças. Por isso, "dead or alive? Mas que pergunta estúpida: dead, claro". Estamos, definitivamente em território peckinpaniano. Depois, o nosso "herói" vai à caça, primeiro, de um amor antigo e, depois e através desta, do seu valioso alvo. Não revelo mais do plot, ou pelo menos, só revelo mais do plot a partir daqui - fica avisado o leitor que não viu o filme, ou seja, o leitor que não sabe o que perde...

Com avanços e recuos, lá se aclara o único plano possível para Oates: cortar a cabeça de Al, mas Al está morto, portanto cortar a cabeça de um morto. Entramos aqui na mitologia mexicana ou esta entra dentro de nós, mais concretamente: a culpa inerente à profanação sepulcral dos subsolos pelos vivos, o tipo de pecado que não se expia propriamente na paróquia ao virar da esquina, mas sim, provavelmente, antecipando a justiça divina e ceifando a vida do mandatário de tal bestialidade. Mas quem é este mandatário? Onde vive? Com quem vive? Por que e para que é que quer a cabeça deste tipo?, perguntas que a personagem de Oates faz a si mesma - solilóquio efervescente com os fantasmas...- enquanto guia o seu carro clássico, tipo banheira, amolgado por todos os lados e coberto de pó e morte.

A narrativa de "Bring Me The Head of Alfredo Garcia" vive deste jogo de "espanta espíritos" entre o aqui e o além, entre o amor e o ódio, a vingança e a redenção; é uma monumental tragédia RELIGIOSA sobre um tipo que está farto de viver, que está sujo, ensanguentado, sem mulher, e só com uma cabeça pútrida infestada de moscas a seu lado, no "lugar do morto". A solução para ele fica clara: vai muito para lá do dinheiro, vai muito para lá do terreno. Estamos num filme de Peckinpah? Estamos na última fronteira possível do seu cinema tipicamente "fronteiriço" com muchos cojones.

sábado, 1 de janeiro de 2011

2011 abre com um CINEdrio de cara (des)lavada


Farewell good old template negro profundo, que andei a raspar como quem raspa tinta velha da parede! Agora temos um CINEdrio com rosto mais clean e pronto, ou quase pronto - faltam só alguns ajustes... -, para mais um ano de produções - já é o seu terceiro...

Espero que esteja tudo do vosso agrado.

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