quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Centennial Summer (1946) de Otto Preminger

Aquela fantasia que praticamente todos os realizadores têm de fazer um musical não deveria ser tão forte em Otto Preminger. Ele próprio assumia-se como alguém com "mau ouvido", mas não podia negar o facto de ter bom gosto musical (Duke Ellington em "Anatomy of a Murder") ou de saber como escolher os compositores para os seus filmes (por exemplo, Dave Raksin e Dimitri Tiomkin). Também não podia negar outra coisa: a música está no modo como filma, na forma como usa a grua ou se movimenta no compasso dos actores. O bailado está sublimado em cada gesto, cada passo das suas personagens. Mas, atenção, tudo leve e invisível, ou melhor, sem a pompa onanista de um Max Ophuls ("Madame de...").

E isto para dizer o quê? Bem, se calhar para apresentar "Centennial Summer" (1946), o seu primeiro musical produzido para a 20th Century Fox, que marca uma interrupção na sua bem lançada carreira no noir. Depois do genial (em cada frame) "Fallen Angel", nasce este projecto e, depois, o filme que Otto Preminger mais odiou fazer: "Forever Amber", iniciado por John M. Stahl e continuado, em completo contra-gosto, pelo realizador austríaco. Falemos aqui do primeiro.

A história situa-se na segunda metade do século XIX, em Filadélfia, durante as comemorações do centenário do Tio Sam. Ao mesmo tempo que a cidade se prepara para a grande festa, a família Rogers recebe a tia Zania Lascalles e o francês Philippe Lascalles vindos de Paris. Estas duas personagens vêm desorganizar a vida, sobretudo, os amores no seio do agregado: a tia intromete-se entre o casal mais velho, sendo o pai de família interpretado magnificamente por Walter Brennan, e o jovem parisiense (Cornel Wilde) mete-se entre as duas filhas, sendo que uma delas (Linda Darnell) já estava comprometida com um dos primeiros obstetras do país.

A música ocupa um lugar muito específico, nada supérfluo, na narrativa; aliás, Preminger acaba por conter o espírito delirante do musical clássico, quando integra a música na própria condução da história e não como um inútil "efeito extra-diegético". É, por isso, um musical levado ao seu mínimo, sem grandes canções ou monumentais coreografias. Na realidade, estas últimas são apenas executadas pela câmara, que na grua sobrevoa a multidão envolvendo o espectador num bailado metafísico com as imagens.

Para além disso, "Centennial Summer" é um regresso feliz de Preminger à comédia, lugar onde iniciou a sua carreira em Hollywood (pela mão de Lubitsch). O humor está sobretudo em Walter Brennan e na forma como os vários triângulos amorosos se vão enredando, mas este é um Preminger de estúdio, bem comportado ou politicamente correcto: nele, o amor é um jogo naive, isto é, de "consumo rápido" para as adolescentes de 1946. Por outro lado, como "filme histórico", "Centennial Summer" não consegue fugir da pedagogia que esconde mal a moral puritana da época: no século XIX como no século XX, o trabalho não é coisa para mulheres e a estas apenas se pede que encontrem (a qualquer custo, como se vê no desfecho da história de Linda Darnell) o seu "princípe encantado".

Ou seja, e em suma, enquanto comédia, "Centennial Summer" deve tudo a Walter Brennan; enquanto musical, deve tudo à câmara de Preminger e, enquanto filme histórico banal e "instrutivo", deve tudo a todos, especialmente ao establishment de Hollywood (Darryl Zanuck à cabeça) e à moral dominante dos anos 40. A ver com tudo isto em mente.

Ler mais aqui: IMDB.

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