sábado, 11 de outubro de 2008

Léon Morin, prêtre (1961) de Jean-Pierre Melville

Para aquelas que pensam que Melville só sabia fazer um tipo de filmes, começamos por dizer que "Léon Morin, prêtre" (1961) não é um polar, não há criminosos com chapéus e gabardinas que parecem saídos de um noir norte-americano nem uma fotografia profusamente estilizada ou uma aparatosa (?) gestão de silêncios a pontuar a narrativa. Em "Léon Morin, prêtre", Melville usa um assombroso preto-e-branco para filmar uma história de amor que acontece entre as ruínas da França ocupada pelas forças do Eixo (Alemanha e Itália).

Uma obra atípica de Melville, também porque raramente vimos um filme seu tão centrado numa personagem feminina: parece uma condição que o próprio contexto histórico da narrativa impôs à assumida dificuldade do realizador em escrever diálogos para mulheres, na medida em que a maior parte dos homens havia partido para a guerra. Melville fez este filme bressoniano para falar sobre Barny (Emmanuelle Riva), uma viúva que vive com a sua pequena filha France e que é militante do partido comunista. Seguindo a linha filosófica que esboçara em "Les enfants terribles" (1950), Melville aborda também a questão do amor proibido: não entre irmã e irmão, mas entre uma ateia e um padre.

Um dia, Barny decide dirigir-se à paróquia e confrontar um padre com a ideia da inexistência de Deus (Ele é "o ópio do povo"). Contudo, a reacção do padre não era aquela que Barny antevera. Léon Morin é um "padre moderno", que se mostra disposto a ajudar a solitária viúva a sarar as feridas profundas que lhe afligem o espírito. Morin torna-se numa espécie de consultor da alma para Barny, emprestando livros e discutindo a fé de forma transparente e honesta. A relação entre os dois vai alterando a percepção que Barny tem do mundo, acalentando a tentação da conversão. E não empregamos a palavra "tentação" por mero acaso.

Neste filme de Melville, a descoberta de Deus é acompanhada pela redescoberta do sexo: Barny apercebe-se disso tardiamente, mais concretamente, quando nota, espantando-se, que Morin é um "homem bonito" (estamos a falar de Jean-Paul Belmondo). Quando a viúva pergunta a Morin se se casaria com ela caso pudesse, este último tem um gesto brusco, que resulta de uma conclusão fatal: afinal, não era Deus que Barny procurava em Morin, mas o "remédio santo" para um aceso desejo sexual (o mesmo que crescia pela sua patroa, no início do filme). A atracção que cimentava a relação com o padre era mais física e emocional do que intelectual ou espiritual.

Mas, sublinhamos, não há nada de desrespeitoso ou anti-clerical na história de Melville. Este apenas equipara um vazio moral com outro de índole sexual e, ulteriormente, sentimental. Os dois andam de mãos dadas, mas anulam-se mutuamente devido às "regras dos homens". Morin é um indefectível seguidor da moral da Igreja e, por isso, diz a Barny que a sua história de amor terá de ficar para o "outro mundo". Estamos nos últimos instantes deste comovente filme de Melville e neles sentimos uma aproximação àquelas infinitamente belas imagens finais de "The Ghost and Mrs. Muir" (1947), de Joseph L. Mankiewicz: um amor adiado para a perpetuidade da morte. Em suma, um gesto de pura devoção religiosa que transcende o mundo terreno.

Ler mais aqui: IMDB e DVDbeaver.

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