Foi aí, cidade de São Francisco, estado da Califórnia, que a América ganhou um dos seus mais bem sucedidos activistas gays; o primeiro a empossar num cargo público, para mais, tão importante como o de supervisor municipal. O filme de Van Sant começa com uma história de amor e não a abandona. Ela não é usada como um elemento humanizante, puramente circunstancial, numa não-ficção sobre os bastidores, muito escorregadios, do mundo da política e, à retaguarda, de tudo aquilo que significa ser norte-americano.
O amor é o elemento estruturante da ética, da política apetece dizer, de Harvey Milk. Na cena em que este fala ao telefone com Scotty, percebemos isto. Para chegar àquele "momento" em que finalmente é um pouco mais livre para sentir (e daí as lágrimas), Milk teve de percorrer a história mundial dos preconceitos; lutar contra os falsos-valores profundamente empedernidos numa sociedade tornada cativa de uma ideologia exclusivista e, ulteriormente, autofágica; e pedir a todos os gays para se confrontarem com os seus fantasmas interiores e saírem do armário.
Uma correcção: não foi "pedir", mas sim ordenar sob a forma do slogan com o qual costumava abrir os discursos: "Eu recruto-vos!". Mas Gus Van Sant não tenta fazer de "Milk" um panfleto a favor da causa homossexual ou da glorificação incondicional de Harvey Milk; o recrutamento que Milk faz dentro do filme, pelo coração, pela razão e pelas palavras, não é o mesmo que faz através da câmara-filtro de Van Sant, junto do espectador de hoje.
Uma correcção: não foi "pedir", mas sim ordenar sob a forma do slogan com o qual costumava abrir os discursos: "Eu recruto-vos!". Mas Gus Van Sant não tenta fazer de "Milk" um panfleto a favor da causa homossexual ou da glorificação incondicional de Harvey Milk; o recrutamento que Milk faz dentro do filme, pelo coração, pela razão e pelas palavras, não é o mesmo que faz através da câmara-filtro de Van Sant, junto do espectador de hoje.
Com efeito, este regresso do realizador de "Paranoid Park" ao mainstream faz total sentido: em "Milk" também recai o olhar crítico, distante e razoável, que era tão perturbante em "Elephant", o seu outro "filme político" que, numa grande elipse, abria o ventre de uma sociedade moralmente asfixiante. É que em 2003 a América estava entregue a si mesma, tal como os adolescentes eram filhos de pais ausentes ou problemáticos.
"Elephant" recriava Columbine mas tinha em mente a "América órfã" de George W. Bush. O mesmo acontece em "Milk": a América que muda em 1973-1978 é a mesma América que hoje, em 2009, se transforma aos nossos olhos. Harvey é a figura paterna que os gays americanos procuravam, tal como Barack "black Milk" Obama - "hope", "change", onde é que já ouvimos isto? - acaba de ser perfilhado como o pai da América e do mundo! O cinema de Van Sant não podia ficar indiferente a tudo isto.
E daí esta sua emigração para o mainstream, primeira linha de um novo capítulo na sua obra: a celebração dos bons homens e dos grande ideais. Fazendo aquilo que mais gosta - dirigir homens numa história política de amor -, Van Sant dá o grito que desperta finalmente a América (de "Elephant") do torpor em que estava mergulhada: é para lhe darmos eco que "Milk" (o filme, a personagem, um grande Sean Penn) nos recruta.
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