Sei que o vou ver mais vezes e dá-lo a ver às pessoas que gosto. Sei que todas as minhas palavras são fracas nesta altura para poder fazer jus à graciosidade de "Old Joy", um pequeno filme de uma fragilidade comovente que vem das suas duas personagens e da forma como comunicam, entre si e com a paisagem verdejante, isolada da cidade (quanto baste). É um Cassavetes sem as convulsões e massacres psicológicos, é um Sayles sem o reticulado político-sociológico, é uma Loden sem o grão pessimista, é tudo isto, certo, mas Kelly Reichardt é ela mesma. Ao pé de Courtney Hunt, autora do magnífico "Frozen River", não há realizador(a) mais interessante na cena (DE FACTO) indie norte-americana. "Wendy and Lucy", filme que se seguiu a "Old Joy", mostra boa continuidade, mas aqui está a sua obra-prima até agora.
sábado, 20 de março de 2010
Old Joy (2006) de Kelly Reichardt
Sei que o vou ver mais vezes e dá-lo a ver às pessoas que gosto. Sei que todas as minhas palavras são fracas nesta altura para poder fazer jus à graciosidade de "Old Joy", um pequeno filme de uma fragilidade comovente que vem das suas duas personagens e da forma como comunicam, entre si e com a paisagem verdejante, isolada da cidade (quanto baste). É um Cassavetes sem as convulsões e massacres psicológicos, é um Sayles sem o reticulado político-sociológico, é uma Loden sem o grão pessimista, é tudo isto, certo, mas Kelly Reichardt é ela mesma. Ao pé de Courtney Hunt, autora do magnífico "Frozen River", não há realizador(a) mais interessante na cena (DE FACTO) indie norte-americana. "Wendy and Lucy", filme que se seguiu a "Old Joy", mostra boa continuidade, mas aqui está a sua obra-prima até agora.
sábado, 13 de março de 2010
O fenómeno Avatar sem Cameron mas perto dele
"Surrogates" (2009) de Jonathan Mostow
Os melhores de 2009
3. "Les plages d'Agnès" de Agnès Varda
4. "Ne Change Rien" de Pedro Costa
6. "The Limits of Control" de Jim Jarmusch
7. "It's a Free World..." de Ken Loach (DVD)
8. "The Strangers" de Bryan Bertino
9. "The Wrestler" de Darren Aronofsky
10. "Avatar" de James Cameron/"Três Macacos" de Nuri Bilge Ceylan
Podíamos fazer o balanço desta década fingindo que as anteriores não aconteceram, analisar os pontos altos e baixos dos filmes que tivemos oportunidade de ver. Apetece-nos, ao invés, e porque este top surge neste espaço com um atraso tão grande, começar por falar de 2009 por comparação a 2008.
Em 2008, foi da França que vieram alguns dos filmes mais marcantes, ao passo que em 2009 apenas a veterana Agnès Varda aparece na sua representação com o comovente "As Praias de Varda". Olhando para o resto da lista, vejo também uma subrepresentação portuguesa, ainda que Pedro Costa tenha feito o seu melhor filme desde "No Quarto da Vanda": um elogio a Murnau e à arte como doloroso processo de criação (em camadas palimpsésticas de significação ou as músicas por trás da música...). James Gray é o único que aparece repetido nos dois tops e perfila-se como um dos mais interessantes cinemas da actualidade.
2009 foi um bom ano para os veteranos de língua inglesa. Tarantino fez a obra-prima da década, "Inglourious Basterds"; Van Sant fez um comovente filme político de amor; Jim Jarmusch levou ao limite a abstracção em "Limits of Control" - isto é, tornou-a concreta como um... edifício -; Ken Loach redimiu-se da desilusão que foi a sua Palma de Ouro e fez o retrato mais duro, anti-moralista, que conhecemos sobre o flagelo do tráfico humano e da imigração ilegal...
Da mesma forma, James Cameron renasceu das cinzas do deplorável "Titanic" para fazer o filme mais caro e visto de sempre que também é uma impiedosa sátira ao autofágico discurso de guerra à la "axis of evil" (quem são os bons e os maus? O homem ou o avatar ou não se confundem os dois, a certa altura, na mesma carne? Ou melhor, quem é o "terrorista" aqui? O nativo ou o invasor? Ei, o "ambiente" é politics, ponto final, dirá Cameron) e uma negra visão sobre um certo estado de espírito colectivo pós-11 de Setembro (o escape, a droga é ser-se Na'vi, é ser-se projectado, como num second life, no mundo Pandora).
Por outro lado, Aronofsky fez um trabalho espantoso de realização em "The Wrestler", o que é, aos nossos olhos, a reabilitação do século - é que detestámos praticamente tudo o que este senhor fez para trás. Bertino, apoiando-se em Carpenter e Shyamalan (falo da elaboração conceptual sobre o movimento e a inércia), faz um dos mais corajosos filmes de terror dos últimos anos. Dentro de um experimentalismo, no caso, tanto de som como de imagem, "Três Macacos" também é uma aterradora experiência audio-visual, destacando o nome de Ceylan entre os mais interessantes do actual cinema europeu.
terça-feira, 9 de março de 2010
Alice in Wonderland (2010) de Tim Burton
A "alicemania" fervilha e, depois de ter arrasado o Box Office na primeira semana e na sequência da péssima prestação de "Avatar" nos Óscares, o filme de Burton parece ter obliterado de vez com a "Na'vimania". Burton enche salas como nunca e a crítica continua a olhá-lo como um auteur. Apesar deste hype em torno de um dos mais interessantes realizadores norte-americanos, o último filme de Burton só vem confirmar para nós aquela que é uma das fases menos inspiradas do realizador.
Faça-se a comparação com a amarga visão da América de um "Eduardo Mãos de Tesoura" ou com o auto-irónico exercício de género (politicamente picante) "Mars Attacks!" e tirem-se as devidas conclusões: no entretanto, o que se perdeu e o que se ganhou? Burton em "Charlie e a Fábrica de Chocolate" dá espaço a Johnny Depp para dar forma a uma das suas mais delirantes interpretações, a fazer lembrar um Michael Jackson retro-pop on acids, e em "Sweeney Todd" testemunhamos o negrume burtoniano levado ao extremo do gore, uma ópera sanguinolenta que aproveita bem aquela que poderá ser uma das grandes virtudes da estética CGI: os planos longos e vertiginosos que não conhecem os limites do cinema de cenários (e pessoas) reais. Burton usou bem a alta tecnologia na moda para potenciar no terreno do cinema a unidade espaço-tempo típica do teatro. Mas a ameaça instalou-se na nossa cabeça quando soubemos do seu projecto seguinte: uma versão em 3D de "Alice no País das Maravilhas". Primeiro, a escolha da história parece-nos completamente redundante numa obra que, de forma arrojada e por vezes corajosa, sempre soube "brincar" com o imaginário do clássico de Lewis Carroll.
É que em "Sweeney Todd" o CGI estava ao serviço da realização, aqui é um gadget de feira que surge requentado depois da riqueza e sentido do espectáculo visual que é "Avatar". Comparem-se os "bichinhos levitantes" nos dois filmes: no de Burton, é "efeito" de cosmética para sublinhar a "tridimensionalidade"; em Cameron, são "seres" que dão vida a um mundo que se assume como virtual (não será "Avatar" um grande filme sobre o fenómeno dos videojogos ou da projecção-identificação do espectador no que se passa no ecrã de cinema? Ou uma metáfora sobre um desejo de escape tão recalcado no homem do pós-11 de Setembro?). Burton quis conceber uma ride em underland, onde vemos aqui e ali um previsível Johnny Depp com figura e trejeitos à Beetljuice que, como os "bichinhos levitantes", é efeito estéril para nos lembrar (não da tridimensionalidade mas) de uma das figuras bidimensionais habituais no universo Burton: homem excêntrico em luta com traumas antigos que o conduziram ao isolamento e à misantropia. Um piscar de olho, auto-indulgente, para fã ver.
Toda a história em torno da predestinação de Alice e da metafórica alusão à dor de crescer revestem como um invólucro esta ride com marca Disney, que se refugia nuns copy pastes burtonianos para receber o aval da crítica. Lamentavelmente, a fórmula resulta no pior filme de Tim Burton até à data.