quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Burn After Reading (2008) de Joel & Ethan Coen

O sucesso de "No Country for Old Men" foi esmagador, o que poderia ter dado início a uma de duas coisas na carreira dos irmãos Coen: um bem-vindo reboot num cinema que estava pelas ruas da amargura, graças a filmes fracassados como "Intolerable Cruelty" (2003) e, acima de tudo, o histérico - e desonroso para o original - remake "The Ladykillers" (2004) ou fazer com que essa anunciada renovação fosse mais tarde vista como apenas uma miragem.

Podemos dizer que, não sendo uma desilusão como muitos o apontaram (sim, muita da crítica portuguesa que o viu na abertura da última edição do Festival de Veneza), "Burn After Reading" é um filme entalado entre essas duas possibilidades, que procurámos antever mal nos apercebemos que os irmãos Coen não se tinham acanhado com o Óscar e resolveram enfrentar, de peito aberto, um novo projecto. É que este ponto final na denominada "trilogia dos idiotas" comete a proeza de nos fazer lembrar o pior dos Coen, mas pelas melhores razões.

Estão lá quase todos os condimentos: uma narrativa aos ziguezagues protagonizada por mentecaptos e, muito especialmente, um George Clooney obcecado com qualquer coisa mais do que o seu cabelo pastoso ("O Brother, Where Art Thou?") ou os seus reluzentes e bem afiados dentes colgate ("Intolerable Cruelty"). O desconcertante Clooney de "Burn After Reading" regozija-se com soalhos de pinho, adora comida mas pensa que esta lhe pode fazer mal e tem como passatempo construir "máquinas de prazer" algo arcaicas que testa "nas" suas amantes. Como vemos, aqui o cocktail de taras é, sem dúvida, mais interessante do que a comédia autista, como quem se ri desengonçadamente das suas próprias piadas, que caracterizava os dois primeiros tomos da dita trilogia.

No entanto, aqui voltamos também ao universo de "The Big Lebowski" (1998); mais concretamente, a uma intriga multiplot que se vai construindo freneticamente, evitando olhar para trás. Sem querermos entrar em pormenores quanto à trama, diríamos que nesta obra dos irmãos Coen os acontecimentos sucedem-se como peças de dominó, que vão caindo umas sobre as outras até voltarem ao ponto de partida. É uma leitura apolítica de um "efeito borboleta" que reverbera nos corredores da CIA como os passos de Lee Marvin em "Point Blank" (1967): dois idiotas vão sair do anonimato para se tornarem numa dor de cabeça para aquele que é um dos mais poderosos serviços de inteligência a nível internacional (os planos de abertura e de conclusão, à la google earth, alertam-nos para a implicação planetária das suas acções). São eles que encabeçam este irreproduzível anti-"filme de espiões", que também é uma muito negra comédia sobre o tema da (in)fidelidade.

Nesse aspecto, apetece dizer que "Burn After Reading" também se poderia situar algures entre "Blood Simple" (1984) e "Intolerable Cruelty"; entre um retrato ardiloso da relação entre homem e mulher e o gozo sarcástico que dá constatar que, no jogo da vida, o amor não passa de um enorme bluff. No fim, quando um dos patrões da CIA (fabuloso J.K. Simmons) pergunta a um seu subordinado qual a lição a retirar deste caso, já nós extraímos a nossa: a fidelidade e o amor compensam... nem que seja de um modo particularmente perverso. Veja-se a forma trágica como a única personagem fiel em "Burn After Reading" realiza, qual Deus ex machina, a grande fantasia da mulher que ama (Frances McDormand). Mamas novas, ancas lipoaspiradas, rosto esticado e dossier encerrado. Lido e destruído. Nós, contra o título falamos, voltaríamos a lê-lo com muito agrado.

Ler mais aqui: IMDB.

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