Com efeito, pode-se dizer que a sua arte nasce completamente em "Laura". As razões são várias e, sem ordem, importa enumerá-las: a música de Dave Raksin (nebulsa e enigmática como o filme); a direcção artística de Lyle Wheeler e Leland Muller (à maneira premingeriana, concentrada e minuciosa); a fotografia de Joseph LaShelle (clara-escura e "irreal", produz na imagem uma espécie de efeito sfumato que densifica o ambiente macabro e obcecante do filme); o trabalho do elenco, da dupla Gene Tierney (o gosto pelas mulheres estupidamente belas, e talentosas..., é outro atributo de Preminger) e Dana Andrews (o underacting e a inexpressividade facial, duas características que Preminger adorava num actor) e da outra dupla Vincent Price (aquela calma gélida...) e Clifton Webb (o intelectual snobe pródigo em mind games e não só...); e a câmara de Otto Preminger (na grua ou fora dela, ela realiza movimentos de uma fluidez inaudita, mas sempre mantendo-se distante da acção, sem nunca se substituir ao juízo do espectador).
Está visto: se há filme emblemático da estética premingeriana, esse é definitivamente "Laura", um dos film noirs mais densos (e perversos) que o cinema norte-americano nos deu. Veja-se o significado da figura de Laura (Gene Tierney), a mulher enigmática de que todos falam na primeira parte do filme e que o detective McPherson (Dana Andrews) transformou numa fantasia sexual – que se constrói a partir do olhos (que contemplam o seu retrato) e das mãos (que mexem na sua roupa interior). "Laura" é um filme sobre o desejo de possuir uma imagem e, por isso mesmo, uma das mais belas metáforas dedicadas ao Cinema, a arte onde a morte (de um instante) e o desejo (o de tocar e entrar nele com as mãos) se confundem. Ora, como em qualquer fantasia, o cinema vive da sua própria ilusão, tal como o amor de McPherson apenas existe enquanto Laura for uma imagem num quadro, a representação de alguém que já morreu e não volta mais.
Quando a Laura de carne e osso lhe aparece, a história deste amor no limiar da necrofilia como que cede ao thriller policial. Faz todo o sentido esta inflexão, porque um amor tão íntimo, quase inconfessável, não podia de modo algum sobreviver à sua própria realização. Até parece que Fritz Lang (“Woman in the Window”) e Alfred Hitchcock (“Vertigo”) vieram beber aqui - haverá maior elogio?
2 comentários:
Vi-o há pouco tempo e deixou-me completamente rendido. A história e a sua execução são magnificas e o rosto de Tierney neste filme é das coisas mais belas alguma vezes fotografadas em cinema.
Sem dúvida, concordo completamente: o rosto de Tierney é (ou está) luminoso!
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