domingo, 15 de agosto de 2010

Seconds (1966) de John Frankenheimer


As problemáticas da aparência (o exterior) e da identidade (o interior) estão presentes em variadíssimas obras da Sétima Arte. Normalmente, a mudança de visual - que poderá ter consequências mais profundas e imprevisíveis - nasce de uma urgência absolutamente legítima: a correcção de uma deformidade provocada por um qualquer acidente. Nesta categoria encontramos títulos tão emblemáticos como "Les yeux sans visage" de Franju e "The Face of Another" de Teshigahara, passando pelo recente (e outrossim brilhante) "Darkman" de Raimi.

Tudo filmes que, arrisco dizer, se centram mais nas questões do corpo e menos na questão da identidade que este não suficientemente divulgado filme de Frankenheimer. Contudo, todas essas pontes são pertinentes, nem que num domínio puramente visual, que, aqui, se consubstancia numa espécie de subjectivização hiper-expressionista do espaço fílmico, com a opção (radical, no seu tempo) por uma trepidante câmara solta, muitos planos apertados, subjectivos e curtos, muitas vezes, distorcidos por uma grande angular, que parece esticar até ao limite a diagonal da imagem (a sua pele...), desempenhando, bem a propósito, uma espécie de amplificação artificial do espaço. Dito de outro modo: o filme, propriamente dito, ainda que seja sobre, é mais uma plástica cirúrgica - de câmara - do que uma metafórica cirurgia plástica...

Frankenheimer vivia, nos anos 60, aquele que terá sido o período mais brilhante da sua carreira, tendo realizado, quatro anos antes deste "Seconds", o clássico "The Manchurian Candidate". Nesse filme, o realizador mostrava já alguns destes elementos; uma espécie de esteticização da paranóia securitária da guerra fria, mediante a criação de um ambiente visual e sonoro sufocante. "Seconds" vai mais longe quando revela não só o mesmo apetite surrealizante de Teshigahara na sua obra-prima lançada precisamente nesse ano como quando não manifesta qualquer pejo em absorver o (mau?) exemplo que recentemente Fuller dera, ao deixar as suas personagens à solta na história, livres para exporem os seus podres, os seus arrependimentos e bestialidades - falo do "em si mesmo" catatónico "Shock Corridor". Ao mesmo tempo, Frankenheimer faz da câmara instável elemento fundamental ao envolvimento atmosférico da história. Uma espécie de update do que Polanski fizera com a banal história do tenebroso "Repulsion".

Nestes filmes de Polanski e Fuller, a redenção poderá ou não poderá acontecer; o "happy ending" não está - pode bem não estar, aliás... - prescristo. Ou seja, seguindo os conselhos desviantes dos seus colegas, Frankenheimer parece libertar-se com "Seconds" da moldura clássica e, logo nos primeiros minutos alucinantes e alucinados, lança a ameaça de conduzir o mais incauto espectador por territórios desconhecidos sem retorno.

Com efeito, o começo da narrativa de "Seconds" apresenta algumas semelhanças com a contextualização da personagem de Michael Douglas em "The Game" de Fincher: um homem, bem instalado na vida, com uma mulher, filha e casa modelares, mas que, APESAR DE TUDO, não é feliz. Qual a solução? Começar a viver a vida que sempre desejou ter, o que quer dizer que o velho eu daquele quadro perfeito do american dream terá de desaparecer. Uma empresa entra "em jogo" para concretizar o desejo que lhe ferve o inconsciente. Rapidamente, através da tal (miraculosa) cirurgia plástica, o velho amargurado transforma-se num Rock Hudson (ainda) atlético e garboso. Cá está a premissa-base de um thriller distópico transformado por Frankenheimer num ensaio cinematográfico sobre a identidade e os seus (im)possíveis metabolismos.

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