segunda-feira, 31 de março de 2008
La Chinoise (1967) de Jean-Luc Godard
sexta-feira, 28 de março de 2008
All the King's Men (1949) de Robert Rossen
A actualidade de "All the King's Men" foi recentemente premiada (ou não) com um remake homónimo, protagonizado por Sean Penn, o novo Willie Stark, que em Portugal passou directamente para o mercado DVD, com o título "O Caminho do Poder" .
quinta-feira, 27 de março de 2008
terça-feira, 25 de março de 2008
Chikamatsu monogatari (1954) de Kenji Mizoguchi
Apesar de "Sanshô dayû" ser um duro retrato da escravatura no Japão medieval, a fazer lembrar, a espaços, o horror do Holocausto, e de "Ugetsu" falar da desintegração familiar num cenário de guerra, "Chikamatsu monogatari" consegue ser um dos mais amargurados filmes sobre um país e um tempo.
Em vez de termos uma história previsível de um amor adúltero entre um homem e uma mulher de classes sociais diferentes, que acabam vítimas de uma sociedade regida por leis desumanas, Migozuchi resolve complicar a equação, filmando a fatídica viagem de um homem e uma mulher que, depois de injustamente acusados de adultério, se rendem a uma paixão primordial provocada pela angustiante fuga a uma morte certa.
Tal como em "Ugetsu", a morte e o amor são elementos que se cruzam, produzindo a libido que une os protagonistas. De facto, só Mizoguchi tem a capacidade de imbuir de erotismo um filme trágico, "sem sexo", contra a vergonha e a opressão.
Por outro lado, ao mesmo tempo que o Estado aparece como uma figura castradora da liberdade de amar, é da repressão que nasce o amor imortal - "ela parece tão feliz e ele tão sereno", diz alguém que observa os dois amantes cativos a serem conduzidos ao crucifixo.
Como se Mizoguchi, num golpe cínico de génio, nos fizesse ver que não precisa de destruir o sistema, se consegue evidenciar a sua natureza degenerativa. Com efeito, no fim, para os dois amantes, a opressão significou libertação; a morte, eternidade.
sexta-feira, 21 de março de 2008
Young Mr. Lincoln (1939) de John Ford
A guerra não era, ainda, um problema que pusesse em causa a unidade interna do país, que apenas fora interrompida, entre 1861 e 1865, com o decurso da sangrenta guerra civil norte-americana; era, antes, o catalisador de um sentimento misto de culpa e insegurança que acometia a opinião pública norte-americana, a mesma que, no fim da I Guerra Mundial, decidiu pressionar o Congresso a chumbar o Tratado de Versalhes, isto é, a paz que ela própria ajudara a conquistar, aqui, na Europa. É que os Estados Unidos são uma democracia relativamente sólida desde Lincoln e do trauma fratricida e, nela, o povo, e o seu mood oscilante, determinam o curso da política externa.
Foi importante, para os criadores desse tempo, recuperar os grandes símbolos da mais velha democracia do mundo, reafirmando-a, como forma de resistência firme - ou contra-propaganda? -, em face da perversa mudança que operava no outro lado do Atlântico. Com "Young Mr. Lincoln", mas também com "Mr. Smith Goes to Washington", dois clássicos de 1939, ressuscitava-se Abraham Lincoln, o Presidente perseverante e humanista que lutou pela unidade do país durante a guerra civil e que, por isso, foi morto.
O filme de Ford centra-se nos primeiros anos de Abe Lincoln, já o de Frank Capra homenageia uma certa "ideia de Lincoln". No primeiro, encerra-se um gesto deificador do homem e político; no segundo, eleva-se tudo aquilo que a ideologia democrática representa e que, aos olhos do protagonista, se sintetiza na figura de Lincoln. Capra é um realizador que põe as suas personagens a sonhar - e nós com elas -, mas não filma com a sofreguidão de Ford.
Todavia, não nos equivoquemos, "Young Mr. Lincoln" é tão propagandístico como "The Great Dictator" (1940); é tão carregadamente simbólico (a analogia rio/passagem do tempo ou o anúncio trágico dos céus, nos últimos instantes) como os filmes de Sergei Eisenstein, realizador que um dia, sobre "Young Mr. Lincoln", disse: "de entre todas as obras que possuem uma harmonia quase clássica, esta ocupa o lugar de honra" – neste caso, não é a mensagem, mas a força intemporal da Arte que os une.
As imagens que produziram - e que, no caso de Ford, atingem o seu pico neste filme - são a expressão mais harmoniosa, radical para o seu tempo, de uma linguagem universal, capaz de esmagar qualquer opúsculo ideológico arcaizado pelo tempo.
No entanto, John Ford foi dos poucos cineastas a conquistar uma espécie de simplicidade divina, fazendo do plano fixo, por vezes distante, misterioso e perscrutador (exemplo da incrível sequência do homicídio), um canal privilegiado para o seu génio.
O Regresso ou a Ressurreição
quinta-feira, 20 de março de 2008
Tsubaki Sanjûrô (1962) de Akira Kurosawa
Na realidade, apesar de ambos serem autênticos cocktails cinematográficos (western + musical + filme de acção puro e duro), "Sanjuro" é assumidamente mais directo e acessível que "Yojimbo": a acção e a comédia consomem cada partícula do filme, não havendo tanta preocupação em retratar as personagens e o seu modus vivendi na sociedade japonesa de meados do século XIX.
O filme começa com um grupo de 9 jovens, e inexperientes, samurais dispostos a arriscar as suas vidas no combate contra a corrupção. A sua reunião é interrompida pela intromissão de Sanjuro, que, aparentemente de forma desinteressada, se junta ao grupo. O seu sangue-frio e argúcia tornam-no num líder incontestável no seio do movimento, mas, do lado dos "maus", haverá quem lhe faça frente. E é o duelo final, aquele que Kurosawa descreveu no seu argumento como sendo "inefável", o zénite de "Sanjuro": a simetria e a suspensão irrespirável que se estilhaçam num golpe relampejante.
Kurosawa não cedeu, mesmo após dois filmes, e manteve Sanjuro, ou o "homem sem nome", que vai e vem, deixando um rasto de sangue atrás, como um invencível Deus da guerra. Não me interpretem mal, Sanjuro é justo e bom, mas também é alguém que odeia a paz: enquanto esta subsistir, ele diz "See ya later".
quarta-feira, 19 de março de 2008
Sobre o racismo: diferentes registos, o mesmo problema
Cena de "25th Hour" (2002), de Spike Lee, em que o protagonista Monty (Edward Norton), um traficante de droga com apenas um dia de liberdade pela frente, tem um momento de esmagadora clarividência, quando confrontado com o seu próprio reflexo.
Discurso de Barack Obama, que teve lugar ontem, dia 18 de Março, e que poderá ficar na história como o grande discurso sobre o racismo depois de "I Have a Dream" de Martin Luther King. Esta pungente dissertação sobre o racismo nos Estados Unidos surge na sequência da divulgação de imagens nas quais aparece o pastor Jeremiah Wright, o amigo e conselheiro religioso que baptizou as filhas de Obama e oficializou o seu casamento com Michelle Obama, a proferir um raivoso sermão em que apelida a população branca de "inimiga", ao mesmo tempo que incita ao voto em Obama.
Sogni d'oro (1981) de Nanni Moretti
Está vista uma das mais brilhantes obras do cinema europeu moderno. Bravo Moretti!
terça-feira, 18 de março de 2008
O Poder da Imagem II: O Olhar em Un Chien Andalou e Film
1. O Olhar em Un chien andalou e Film
Logo nos primeiros instantes de Un chien andalou (1929), Luis Buñuel, na posição de actor sob a sua própria direcção, faz uma incisão no olho de Simone Mareuil. A câmara filma esta impressionável operação cirúrgica num plano rasgado, ampliando a imagem do olho e os efeitos da acção da lâmina de barbear, até que a retina se extravase sob a forma de pus. Antes da efectivação do corte, Buñuel refreia o grafismo chocante da cena, com uma imagem de contemplação quase metafísica da Lua (afinal, ao mesmo tempo que Buñuel executa impetuosamente a referida intervenção, a Lua é atravessada por uma nuvem fina e cortante). Se não fosse a sua enorme sugestibilidade, esta célebre cena de Un chien andalou não teria efeito. Não resultaria. (...)
O surrealismo é isto: a passagem de uma realidade para uma nova realidade, em que o pensamento humano se desembaraça dos ditames da razão, “alheio a qualquer preocupação de ordem estética ou moral” (Geada, 1985: 21). Da mesma forma, alicerça-se num certo automatismo psíquico; na recusa das barreiras psicológicas que se abatem sobre o inconsciente. (...)
O filme de Luis Buñuel não pretendia ser a transcrição do sonho, mas um simulacro deste; respeitava os “mecanismos estruturais do sonho”, mas não se entregava totalmente à espontaneidade da escrita automática. (...) Fiel a esta ideia, Buñuel recorre aos dispositivos convencionais de fazer cinema para “provocar e desorientar a capacidade racional e lógica do espectador” (Geada, 1985: 27) – o intuito é o de reproduzir virtualmente os efeitos do automatismo psíquico. (...)
Assim, retomando a cena do olho esquartejado de Simone Mareuil, por que Buñuel cega a rapariga, logo nos primeiros instantes do filme?
Entendendo a imagem na óptica de Edgar Morin (1997, 197-198), segundo a qual a “imagem (…) é simbólica por natureza, por função” e que “simbólico é tudo aquilo que sugere, contém ou revela outra coisa, ou algo mais que a si próprio”, a imagem-simbolo do olho rasgado merece mais do que uma simples análise descritiva; compele-nos à leitura do seu subtexto, onde, muito subjectivamente, jaz o esboço de uma resposta à pergunta acima formulada: talvez, simplesmente, porque o olho é supérfluo.
A vista é excedentária, e até potencialmente perigosa, para que o homem atinja a dita supra-realidade, ou surrealidade. Se a submersão no inconsciente libertará o Homem, a vista só poderá enfraquecer a percepção da realidade intrínseca ao ser. Sem olho, a rapariga podia, agora, ver-se melhor – “olhar para dentro” – e conhecer o “verdadeiro” mundo que a rodeia (...).
"Film" (1965) de Samuel Beckett e Alan Schneider (Parte III)
Algo semelhante se passa em Film (1965), obra conjunta de Samuel Beckett e Alan Schneider, em que Buster Keaton tapava os espelhos e os olhos que o rodeavam (os animais e a luminosidade intrusiva da janela) com o fito de evitar o seu próprio reflexo. Quando olhou para dentro, ou melhor, quando cerrou as pálpebras, Keaton viu-se a si mesmo e libertou um grito mudo de assombração.
Ora, esta interpretação, numa primeira análise, poderá contrastar com a metáfora oftalmológica de Theodor W. Adorno. Este, sendo um dos expoentes máximos do pensamento crítico de Frankfurt, advogava a existência de uma realidade externa ao homem, que, sem este o saber, o controlava – a indústria cultural, onde a cultura era mercadoria transaccionável, servia-se de uma bateria de estereótipos, impeditiva da desorganização mental, ou de qualquer esforço reflexivo por parte do espectador face a algo que, sem a predominância de certos estereótipos e clichés, seria alvo de incompreensão (Wolf, 2003: 91-92).
Adorno receava que os mass media, fenómeno recente e atordoante, tivessem “o efeito de produzir uma geral homologação da sociedade, permitindo e até favorecendo, por uma espécie de tendência demoníaca intrínseca, a formação de ditaduras e governos totalitários capazes, como o «Grande Irmão» de 1984 de George Orwell, de exercer um controle minucioso sobre os cidadãos (…)” (Vattimo, 1992: 11).
Os mass media assumiam, assim, um papel vital na manutenção do statu quo, que se traduziria na eternização hegemónica da classe burguesa, ideia também ela cara à imagética “de esquerda” buñueliana. Assim, segundo Adorno, “as pessoas podem não só ser privadas da verdadeira compreensão da realidade como também a sua capacidade de entenderem a experiência da vida pode ser fundamentalmente enfraquecida com uso constante de óculos fumados” (Wolf, 2003: 92). Isto é, a libertação só se dá no Homem clarividente, enquanto que aquele que “vê mal” continuará a sua via-sacra de submissão às ordens subliminarmente transmitidas pelos mass media.
Penso que, na metáfora oftalmológica, Buñuel inverte a situação: o cego vê mais que o clarividente. Porquê? Porque se “vê mais" a si mesmo (...). O primeiro, Adorno, pede às massas que abram os olhos e o segundo, Buñuel, numa perspectiva naturalmente diferenciada, e muito mais idiossincrática, pede ao Homem que feche os olhos para que se confronte com os medos e traumas que povoam o seu interior obscuro, ou seja, para que aceite o seu “eu” reflectido, segundo Beckett em Film.
(continua)
Bibliografia Citada:
- GEADA, Eduardo, O Poder do Cinema, Livros Horizonte, Lisboa, 1985;
- MORIN, Edgar, O Cinema ou o Homem Imaginário, Relógio d´Água, 1997;
- VATTIMO, Gianni, A Sociedade Transparente, Relógio de Água, 1992;
- WOLF, Mário, Teorias da Comunicação, Editorial Presença, 2003.
segunda-feira, 17 de março de 2008
Bianca (1984) de Nanni Moretti
Moretti é o novo professor de matemática da escola Marylin Monroe, um colégio com um método de ensino pouco ortodoxo e um corpo docente inusitado. Para o professor, a solidão é vivida com zelo e dedicação, preenchida por espreitadelas indiscretas aos vizinhos da frente e intromissões descaradas na vida amorosa dos amigos. Quando conhece Bianca, a outra "recente aquisição" do colégio, esse misantropo voyeur vê-se obrigado a rever a sua vida.
O cinema de Moretti prova, em "Bianca", que a comédia (negra) pode ser feita com base nas pequenas coisas da vida: as banalidades são a grande matéria-prima do realizador italiano, como se nuns sapatos de senhora estivesse escondida uma componente bigger than life que explicasse toda a existência humana.
domingo, 16 de março de 2008
Palombella Rossa (1989) de Nanni Moretti
"Palombella Rossa" é revolto, agitado e destrutivo, ao mesmo tempo que encantador e estranhamente comovente, mas revelando, agora mais do que nunca, um Moretti profundamente preocupado com o rumo político de Itália.
Não que se trate de uma espécie de epifania ideológica para o realizador: já antes Moretti revelava uma atitude política devastadora, lançando a dúvida, em forma de caos e violência, sobre o sistema político e, acima de tudo, sobre o dito "quarto poder". "Palombella Rossa" é mais literal: Moretti não é realizador ("Sogni d'oro"), não é professor ("Bianca"), não é padre ("La Messa è finita"); é, antes, um líder comunista em auto-questionamento.
Entre o musical político-filosófico e a crónica desportiva anti-heróica, "Palombella Rossa" é uma explosão furiosa agridoce, com alvos em todas as direcções. Veja-se o público que assiste à arena líquida: a massa que fermenta o sonho-pesadelo de Moretti.
Ler mais aqui: IMDB.
sexta-feira, 14 de março de 2008
Lola (1981) de Rainer Werner Fassbinder
Estamos nos anos 50, a década preferida de Fassbinder, e a Alemanha traumatizada vive um súbito período de graça no plano económico e financeiro. No entanto, o poder político, profundamente conotado com o seu trágico passado recente, mantém-se nas mãos daqueles que, mais ou menos oportunisticamente, deram o passo em frente para liderar a reconstrução da Alemanha. O poder aparece, tal como em "The Marriage of Maria Braun", como coisa intrinsecamente corruptora.
Lola (grande interpretação de Barbara Sukowa) é a principal atracção de um luxuriante lupanar, que serve de ponto de encontro dos homens poderosos (incluindo o presidente da Câmara) de uma localidade alemã. A chegada de Von Bohm (Armin Mueller-Stahl), o novo director de urbanismo, um homem da velha guarda com valores sólidos e uma visão para o país ("moderno e antiquado"), vem desorganizar o mundo de Lola e dos seus conspícuos clientes.
"Lola" é um filme dividido entre o glamour e o romantismo naive de Hollywood dos anos 50 (mais uma vez, Douglas Sirk, pese embora tenha como principal fonte de inspiração "Blue Angel" de Josef von Sternberg) e um ambiente histórico carregadamente político. É mais uma obra de Fassbinder que se constrói "entre extremos": num momento, é encantador, mágico e frenético; noutro, cruel, negro e intempestivo.
quinta-feira, 13 de março de 2008
terça-feira, 11 de março de 2008
Die Sehnsucht der Veronika Voss (1982) de Rainer Werner Fassbinder
Se Wilder não teve coragem de matar o sonho - Norma acaba por ter, no final, o seu "renascimento" -, Fassbinder fá-lo, sem remorsos, neste filme e revalida o jornalista, que, ao contrário da maior parte dos jornalistas de Wilder ("Ace in the Hole" e "The Front Page"), tem princípios fortes... salvo no amor.
Ler mais aqui: IMDB.
segunda-feira, 10 de março de 2008
Yojimbo (1961) de Akira Kurosawa
"Yojimbo" é um filme de acção, pincelado com um humor negro mordaz, ou um western tresloucado e, para o seu tempo, ultra-violento (membros decepados e algum sangue jorrado) desenrolado em pleno Japão do século XIX. O (anti-)herói desta trama é apresentado como sendo o mais consciencioso "homem de guerra", enriquecendo à custa dos autênticos massacres que executa. Mas até tem, vamos descobrindo, o coração no sítio...
Na senda de "Seven Samurai", Akira Kurosawa cria um objecto raro: visual e sonicamente assombroso, com a utilização magistral do widescreen e de efeitos sonoros inovadores (para além dos temas musicais desconcertantes, o som do esquartejar da espada e do vento empoeirado são elementos fulcrais nas cenas de acção) e exemplar na escrita, pejada de reviravoltas, jogos mentais e algumas deliciosas bizarrias (exemplo da buñueliana "mão de boas-vindas" que Sanjuro vê na boca de um cão vadio, mal entra na conturbada vila).
Para mais, "Yojimbo" vai beber ao carisma imenso do seu actor principal, o braço direito de Kurosawa: Toshirô Mifune. Ele reinventa o género do cowboy solitário, lacónico (falando, sem falar), cerebral e, acima de tudo, cool. Em certa medida, esta composição de Mifune esteve na origem da carreira de Clint Eastwood, já que "Per un pugno di dollari" de Sergio Leone, o seu primeiro grande sucesso, é um remake de "Yojimbo".
O círculo completou-se em 2006, quando Eastwood homenageou o legado Kurosawa-Mifune com uma obra colossal: "Letters From Iwo Jima".
Die Ehe der Maria Braun (1979) de Rainer Werner Fassbinder
O fim da II Guerra Mundial representou, para Maria Braun, o início de um casamento formalizado entre as ruínas da Alemanha nazi. Foi o começo, na realidade, de uma espécie de tragédia sentimental e política, que se constrói à medida que Braun sobe a escada do poder, por forma a conservar intacto o amor que sente pelo seu marido, um militar alemão preso por homicídio...
É um melodrama com os incontornáveis laivos "sirkianos" (o ídolo de Fassbinder), isto é, de fotografia radiosa a enformar uma realidade política e social contraditória. Trata-se de uma obra cruel, desencantada, fria à maneira alemã, sobre uma mulher que se serve de amantes para preservar o amor utópico ou um matrimónio adiado.
Claro que em Fassbinder também não há finais felizes, nem tão-pouco uma visão leve e optimista sobre a forma como a Alemanha lidou (e continua a lidar) com os fantasmas da II Grande Guerra. Ou não seria "The Marriage of Maria Braun" uma história de amor, em tempos de paz (?), que começa e acaba com uma explosão.
domingo, 9 de março de 2008
Pubblico di mmerda
"Sogni d'oro", de Nanni Moretti, é uma obra-prima violenta, colérica, quase terrorista, contra o cinema, a televisão, quem dela faz parte, dos realizadores, aos produtores... ao próprio público.
O filme data de 1981, mas lança uma pergunta, que ainda hoje carece de uma resposta clara: a quem devemos atribuir a responsabilidade pela mediocridade generalizada da televisão? Por regra, quem nela trabalha diz - e não duvido que acredite piamente nisso - que a televisão dá aquilo que o público quer, refugiando-se, ao mesmo tempo, na argumentação auto-vitimizante da "ditadura das audiências" ou de "os malefícios da concentração".
No fundo, como a televisão depende da publicidade e o investimento publicitário é directamente proporcional aos níveis de share, a forma mais segura que cada canal tem para ser visto é apostar em programas feitos à medida da sua audiência. Mas, do lado de fora, questionamo-nos se a televisão não deverá ter, afinal, uma função pedagógica, formadora, que eduque o seu público, fazendo-o evoluir - e será que assumir essa função torna a televisão num meio elitista, economicamente inviável?
Ao mesmo tempo, não se pode fugir a este facto: se a maioria da população portuguesa gosta de coisas como os "Malucos do Riso" foi porque, numa primeira instância, a televisão lhe tentou a ver coisas como os "Malucos do Riso".
Estamos a poucos (?) anos da implantação da Televisão Digital Terrestre (TDT) em Portugal e o poder de "fazer televisão" continua concentrado num conjunto restrito de pessoas, que pouco tem feito para evitar a perpetuação de uma "tele-socialização" estupidificante, alimentando os espectadores com programas enlatados, que exploram sucessivamente as mesmas fórmulas - aquelas que eles chamam "de sucesso".
Apesar das aparências, a TV Cabo não veio melhorar esta situação. Pelo contrário, actualmente, calam-se os chatos dos "intelectuais" com canais pagos, que não são mais do que arquivos desordenados de programas dispensados pelos canais de sinal aberto, e, no mainstream, insiste-se numa política de "engorda do porco".
Dir-me-ão que o público deve impor "as regras do jogo" e não ser passivo; que o público é uma merda e eu dir-vos-ei apenas isto: só em "Animal Farm", de George Orwell, os porcos tomam as rédeas do poder.
sábado, 8 de março de 2008
I just don't care
(Ver do minuto 1:54 a 2:51)
As suas experiências petrolíferas fracassavam umas atrás das outras e, caído na penúria, resolve forjar uma ligação fraterna com Daniel Plainview, que enriquecia a cada dia. Foi um golpe desesperado de um pobre solitário.
Anteontem, George W. Bush baptizou a vitória, que há uns meses ninguém previa - na realidade, a sua mera suposição era implacavelmente ridicularizada -, de John McCain. Foi o (re)encontro de dois co-partidários que, pese embora tenham algumas ideias em comum (por exemplo, a continuação das tropas no Iraque), estão longe de ter uma relação amigável. Na origem da zanga terão estado as artimanhas que fizeram com que a candidatura de George W. Bush, nas primárias de 2000, levasse a melhor sobre a de McCain. Desde aí, McCain tem-se destacado como um "independente" dentro do partido, criticando a administração Bush, nomeadamente em programas televisivos (de esquerda) como o "Daily Show com Jon Stewart". O encontro de há dois dias foi uma irrecusável oportunidade para Bush, que nunca foi tão impopular, beber um pouco do momentum de McCain. O pobre até dançava. McCain lá fez o frete.
sexta-feira, 7 de março de 2008
Bug (2006) de William Friedkin
É um realizador tão subvalorizado que poucos foram aqueles que levaram a sério o filme que precede este "Bug", de nome "The Hunted". Por acaso, filme de acção animal a fazer lembrar, a espaços, "French Connection", com o estilo frontal e ultra descarnado (sem um efeito CGI) próprio de Friedkin. "Bug" leva tudo isto a um novo extremo: desta vez, temos a câmara e pouco mais do que cinco personagens num único cenário (um motel isolado no deserto).
quinta-feira, 6 de março de 2008
Sorry, Bill
Hillary + Obama. Foi a própria Hillary que sugeriu a fórmula que poderá servir de consolação a Obama, e ao meio mundo que ele já conquistou. O facto de ser Hillary a propor esta coligação é decisivo. Se Obama ganhar a nomeação, a partir de agora, dificilmente Hillary impedirá a realização daquele que poderá ser o casamento político mais celebrado, e imbatível?, da História: Obama + Hillary. É que se ele tem a frescura e o arrebatamento, ela tem a experiência e a frieza intelectual. John McCain (+ Mike Huckabee ou... Condoleezza Rice?) que se cuide.
quarta-feira, 5 de março de 2008
Changing
Em “Zelig” (1983), um "falso-documentário" de Woody Allen, o protagonista Leonard Zelig, numa ânsia de querer permanentemente agradar, começa a assumir características não só físicas como psíquicas e intelectuais daqueles que o rodeiam.
Hillary Clinton reconquistou, ontem de madrugada, na "Super-Terça-Feira II", o momentum que perdera desde New Hampshire. Depois de doze derrotas consecutivas, ganhou nos importantes estados de Ohio e Texas, sendo que neste último, onde houve primárias e caucus, a luta com Obama foi renhida até ao último instante. O voto da população latina - "a que fala latim", disse uma vez George W. Bush - do Texas terá sido decisivo para a vitória da ex-primeira-dama de Bill Clinton, aquele que foi, diz-se com graça, "o primeiro Presidente negro dos Estados Unidos".
Barack Obama, por sua vez, parece estar a perder algum fôlego face à máquina eleitoral de Clinton, que tem mais dinheiro e gente influente ("lobistas"?) a apoiá-la. Obama, que já foi acusado de ser "pouco negro", deverá extremar, nos próximos tempos, os ataques contra Hillary, que já foi criticada por ser "pouco feminina", e tentar cativar finalmente o "coração" do eleitorado latino, ainda que o seu discurso de ontem, a insistir em assuntos como a educação ("pôr um livro na mão de uma criança, em vez de um videojogo"), a guerra no Iraque e a imagem da América no mundo, continue a ter como principal alvo o eleitorado jovem, qualificado e de classe média. Com um empate problemático no horizonte (que só será desfeito numa obrigatoriamente polémica Convenção Nacional Democrata, a realizar entre 25 e 28 de Agosto), os dois candidatos apressam-se a plasmar na sua imagem todos os micro-elementos que fazem da América um melting pot cultural.
terça-feira, 4 de março de 2008
Tyranny of oil
O carismático candidato democrata, Barack Obama, tem insistido no combate aos "lobistas", que, segundo este, estão a controlar, à distância, a governação dos Estados Unidos. É um candidato novo, refrescante e incómodo, tal como, em tempos, foi Bob Kennedy - talvez seja por isso que a nóbel Doris Lessing tenha referido que Obama está em risco de vida. Hoje, a América poderá decidir o seu futuro.
O Poder da Imagem I: Breve Antevisão
Pese embora não chegue a conclusões revolucionárias sobre nenhum dos filmes em análise ("They Live", "Videodrome", "Film", entre outros), procura sistematizar, de forma sustentada, um conjunto de leituras possíveis sobre alguns dos mais ricos, e pertinentes, universos estéticos da Sétima Arte.
Nos próximos meses, torná-lo-ei disponivel neste blog, em excertos e de forma faseada, com o único objectivo de fomentar a paixão pelo cinema.
Análise dos filmes Un chien andalou, Film, They Live e Videodrome, entre outros…
*
Breve Antevisão
Analisar a importância do olhar num mundo cada vez mais congestionado de imagens, ordens e sugestões, é um dos principais objectivos deste trabalho.
Numa primeira instância, irei interpretar a célebre cena do “olho cortado” em Un chien andalou, primeira colaboração entre Luis Buñuel e Salvador Dali, à luz dos pressupostos do “movimento” surrealista.
Em Film, de Alan Schneider e Samuel Beckett, a sugestão do olho “apagado” vem reforçar a perspectiva surrealista, que denunciava uma realidade distractiva e aditiva, que obliterava a imersão necessária no inconsciente.Já Theodor W. Adorno, com base numa certa ideia de indústria cultural, afirmava que o homem tinha uma percepção enfraquecida da realidade, se usasse constantemente óculos fumados.
Na parte 1. deste trabalho, deter-me-ei, então, numa interrogação basilar: será melhor “fechar os olhos” (Un chien andalou e Film) ou, ao invés, “saber abri-los” (Adorno)?
Na parte 2., encontramos o esboço de uma resposta: “saber abri-los”, mas “saber abri-los” não significa “abri-los demais” … Em They Live, de John Carpenter, o protagonista só se depara com o real, quando enverga uns aparentemente banalíssimos óculos escuros. Sem eles, a realidade regressa à sua forma original, esbatida e fantasmagórica, que insistentemente se reproduz nos mass media. Mencionarei, neste ponto, a teoria da “montagem das atracções” de Sergei M. Eisenstein.
Na parte 3., último segmento do trabalho, centrar-me-ei numa análise expedita do filme Videodrome, de David Cronenberg, “uma das mais fascinantes e inquietantes histórias do recente cinema fantástico” (António, s.d.: 67), onde a palavra vídeo se metamorfoseia num organismo vivo. A par disto, farei uma breve exposição da teoria da dessensibilização de Olivier Mongin, com base na qual procurarei desenvolver uma das interrogações-chave deste trabalho: a imagem é vírus?
(continua)
Bibliografia Citada:
- ANTÓNIO, Lauro, «Videodrome», in Cinema e Comunicação Social, Festival Internacional do Cinema de Portalegre, s.d., pp. 67-68.
segunda-feira, 3 de março de 2008
Cruising (1980) de William Friedkin
No Country for Old Men (2007) de Joel & Ethan Coen
(É assinalável a coragem, mas acima de tudo o árduo trabalho dos Coen, ao terem evitado o uso de qualquer tema musical, mas nem por isso enjeitando a existência de uma banda sonora, já que a engenhosa manipulação de sons supostamente "naturais" resulta na potenciação de um ambiente realista de tensão.) Tudo isto pode não ser totalmente novo nos Coen (veja-se, ou melhor, ouça-se de novo a ventoinha ou o "estorricador de moscas" em "Blood Simple"), mas não nos cansamos de sublinhar que em "No Country for Old Men" a montagem funciona como um relógio suíço: mecanicamente perfeita.
Na segunda metade do filme (sensivelmente depois da primeira “confrontação” entre Javier Bardem e Josh Brolin), parece que os irmãos Coen se recostam nas páginas do romance homónimo de Cormac McCarthy e param de nos assoberbar com momentos espantosos de acção muda, directa e narrativamente descomprometida. Se antes ouvíamos apenas os passos das personagens, e as suas movimentações rumorejantes, dia e noite, no deserto e na cidade (que parece abandonada), surge na segunda parte uma dimensão discursiva, algo circular e exibicionista, que denota um certo desespero, a meu ver, precipitado, em dar profundidade literária às personagens – a “caça” dá lugar a uma intelectualização, pontualmente interessante, mas pouco original, da violência.
Para mais, notamos que a personagem de Javier Bardem muda ligeiramente: mantém-se robótica, fria, com os estereótipos de um vilão de um qualquer slasher movie, mas, na segunda parte, mais apostada em fazer valer a sua "doutrina do mal", tão simplista quanto o seu joguinho de sorte e azar - que tem um volte-face "divino" no fim, numa espécie de cedência tímida, mal disfarçada, à típica redenção hollywoodiana.
Mas não tenhamos dúvida de uma coisa: quem mantém a fasquia elevada até ao derradeiro minuto é Tommy Lee Jones (a melhor interpretação do filme) que é o rosto, marcado de dor, de uma América imisericordiosa, animal, mas também desencantada, resignada e fisicamente fatigada.
Ler mais aqui: IMDB.
Il Conformista (1970) de Bernardo Bertolucci
"Il Conformista" foi o filme que lançou Bertolucci e o director de fotografia Vittorio Storaro. Não é de estranhar: trata-se de uma autêntica lufada de ar fresco, com montagem "à la nouvelle vague" e enredo de espionagem, mais ou menos "thrillesco", nas fronteiras do cinema de Jean-Pierre Melville, mais uma das mais perfeitas composições visuais na história da Sétima Arte levada a cabo pelo mestre Vittorio Storaro (a alegoria da caverna, a cena de sexo no comboio, a luz entrecortada que envolve o interior do apartamento são expressão do génio "precoce" de Storaro).
A câmara de Bertolucci, irrequieta, convulsa e extraordinariamente sensual, filma a história de um homem, assombrado pela memória perturbante de um abuso sexual de que foi vítima em criança, que recusa a sua propensão endémica para a diferença. Para combater o vírus subversivo - é, de facto, uma epidemia no quadro do regime fascista de "Il Duce" -, o "conformista" (brilhante Jean-Louis Trintignant) entrega-se de corpo e alma aos serviços secretos do regime. A missão que tem pela frente consiste em eliminar os opositores ao regime, nomeadamente, um seu antigo professor de faculdade anti-fascista, exilado em Paris.
"Il Conformista" constrói-se numa espiral doentia que mistura um cenário histórico localizado com os fantasmas interiores do protagonista. É uma obra de arte completa: voraz, brutal e sexual.
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I am a false prophet and God is a superstition
Paul Dano na pele de Eli Sunday, em "There Will Be Blood" (2007), o pastor da Igreja da Terceira Revelação, que se faz passar por profeta para saciar a inextricável fome de poder. O pecado é tal que, no fim, nem Deus o socorre do calvário.
Ei-lo. Mike Huckabee, um antigo pastor evangélico que concorre à presidência norte-americana, na representação dos conservadores religiosos do partido, e que estoicamente insiste numa candidatura já perdida para John McCain. Oremos para que siga a palavra do Senhor (leia-se, dos media) e ceda ao inevitável pecado de uma vice-presidência (leia-se, da gula).