Depois de percorrermos todos os corredores de um sistema corrompido, onde a polícia abdica da sua ética para obter mais e melhor publicidade, partimos para outros voos: em que medida a própria verdade não será sempre uma fraca convenção no quadro de uma realidade caucionada pelos jornais e pelo poder político? Esta interrogação, terrível e brutal, é-nos colocada na cena em que John Malkovich tenta convencer Angelina Jolie da morte do seu filho. As suas palavras soam-nos tão "preparadas" como as que são usadas pelo "polícia corrupto" na primeira parte do filme - o pesadelo ainda não terminou. É um dos poucos momentos em que Clint Eastwood mistura os planos entre "quem está com Angelina Jolie" (o bem) e o resto (o mal).
Salvo naquele momento, esta divisão é levada ao extremo neste filme de Eastwood; chega mesmo a tornar "Changeling" numa estafante jornada de sentimentos antagónicos (amor, desespero, revolta e redenção...). Angelina Jolie tem um dos seus mais exigentes papéis, mas esgota-se - e esgota-nos - com tanto choro. Ela está no centro de um dos filmes mais condensados a nível emocional; ela é o ponto de equilíbrio de uma construção dramática algo dual que, em certos momentos, até nos seduz pela sua transparência: pelo seu excesso dramático e despretensioso espectáculo sentimental, as cenas no tribunal parecem tiradas de um filme de John Ford.
A partir daqui, os sentimentos prevalecem claramente sobre a mensagem política ("a vingança de Jolie"...). Quer dizer, pelo menos, até à tremenda cena do enforcamento: uma violência, um abuso (pela sua fria teatralidade e pelo seu aproveitamento plástico), mas também (se virmos melhor e se nos lembrarmos do magnífico "True Crime") mais um ataque de Eastwood à pena de morte. Uma barbárie tanto nos anos 20 e 30 como ainda hoje.
De facto, "Changeling" é um peso pesado na filmografia de Eastwood, mais ainda que "Flags of Our Fathers", filme que acaba por encontrar um equilíbrio (propositadamente) instável entre política e sentimentos. "Changeling" desequilibra quase sempre de forma abrupta para um ou outro lado. Veja-se o comovente plano de pormenor que sucede às imagens terríveis do enforcamento (contra a pena capital): a mão de Angelina Jolie agarra com força a mão de uma outra mãe que perdeu o seu filho... De qualquer modo, este é um filme vários furos abaixo do Eastwood normal (isto é, sublime), ainda que tenha o mérito de ser um filme de época que sabe como agitar os espíritos de hoje.
Ler mais aqui: IMDB.
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4 comentários:
Boa crítica. Mas premite-me uma correcção: Clint ja filmou essa época no sublime Honkytonk Man.
Abraço cinéfilo
Ah, obrigado Luís pelo elogio e, sobretudo, pela correcção. Vou já modificar o comentário: confesso que ainda não vi "Honkytonk Man" e basiei-me na minha memória para escrever o que escrevi. As minhas desculpas.
Abraço,
Sei que é "arriscado" dizer isto, mas cá vai: melhor filme de Clint desde Unforgiven. Tocou-me mesmo. Cinema total, em que tudo conta. Não há uma nota falhada. E Angelina é fenomenal.
O quê? Eu acho que é o filme mais desequilibrado de Eastwood desde "Unforgiven" e o seu filme mais pesado (na narrativa, montagem e, nalguns momentos, nas interpretações). Falta-lhe a leveza de "Million Dollar Baby" ou "Letters From Iwo Jima". E, caramba, maior que "As Pontes de Madison County"? Gostava de também o achar, porque, como já disse, "odeio não adorar um filme do Eastwood" (e, torno claro já, nem sou totalmente imparcial a analisá-lo).
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