quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Someone's Watching Me! (1978) de John Carpenter


Foi a pensar em Hitchcock que Carpenter fez o telefilme "Someone's Watching Me!". Fez, nos anos 70, aquilo que Brian De Palma experimentou fazer no subvalorizado pastiche quase algorítmico "Body Double": tranformar o filme em espaço de convocações hitchcockianas ("Blackmail" + "North by Northwest" + "Rear Window" + "Vertigo" +...), postas "em abismo" em cada sequência, décor, adereço, sugestão de câmara...

O "fora de campo" é, naturalmente, rei aqui - já o era, entenda-se, no ultra-conceptual, mais ainda que "Birds", "Halloween". Uma mulher é assediada por um peeping tom invisível. Saber que está a ser vigiada por um vizinho de um dos prédios da frente não a ajuda na captura do "assediador", porque estamos em L.A., numa paisagem formada por grandes blocos de betão e vidro. Janelas defronte a janelas, janelas que convidam ao voyeurismo mais primário que corre nas veias de qualquer (?) homem solitário.

Incrível como Carpenter, num projecto para televisão, vai mais longe que De Palma em "Body Double". Leigh Michaels, a personagem feminina, é uma realizadora de televisão - profissão nada inocente, como veremos - que é perseguida pelo olhar indiscreto de um homem anónimo, que lhe envia presentes e cartas com o carimbo de uma agência de viagens-fantasma. A tensão vai-se avolumando à medida que Leigh vai colando os fragmentos, isto é, tomando nota da insistência compulsiva do remetente anónimo e das chamadas estranhas que tem recebido. Em suma, estamos aqui na presença de uma espécie de "Janela Indiscreta" invertida, visto que a perspectiva que o filme adopta é a de "quem é visto" e não a do voyeur.

Outro elemento fundamental na intriga é a personalidade de Leigh: não é a típica barbie histérica dos slashers da praxe; Leigh (excelente Lauren Hutton) é uma mulher independente, "de iniciativa", com um sentido de humor muito próprio, que esta tem como pouco atraente para os homens - talvez se tenha habituado a seduzir e não a ser seduzida. É uma "mulher à Carpenter", portanto; ou seja, é uma mulher que tem pouco a ver com o cinema americano, ainda menos, com o cinema americano de terror. Por isso, perante a inoperância das autoridades, tomamos como natural a iniciativa que Leigh toma de ir de faca em punho acertar contas com o assediador - e também tomamos como natural que o seu namorada e amiga não procurem demovê-la de tão incauta inciativa.

O que alimenta este filme de Carpenter é então o jogo de forças entre vítima (mulher activa e temerária) e agressor (passivo na agressão, um cobarde como todos os peeping toms...); ou melhor, é "a forma como este jogo é jogado". É quase um "gato-rato" entre quem vê e quem é visto, situação incómoda, tão ameaçadora quanto aviltante, para uma mulher, para uma realizadora... A violação é dupla, portanto, apesar de, mesmo sendo dupla, nunca se consumar fisicamente, nem consta que se "queira" consumada dessa forma pelo agressor.

Quem realiza este filme é o agressor (o homem invisível, que grava a acção da vítima, toma nota de cada uma das suas movimentações e a "dirige" virtualmente até ao seu encontro... tal como um realizador?) até que a vítima reclame a posição que é sua por direito próprio. A certa altura Leigh diz: "por estes dias até me esqueço que sou realizadora". A partir daí o caldo está entornado para o assediador; Leigh quer a sua vida íntima, mas acima de tudo a sua vida profissional DE VOLTA. Leigh está farta e, por isso, está mais do que disposta a assumir daí em diante a condução deste filme. Soberanamente.

Sem comentários:

LinkWithin

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...