sábado, 3 de dezembro de 2011

A Dangerous Method (2011) de David Cronenberg


Cronenberg diz que agora é ele que se adapta ao material que tem em mãos e não o contrário. É uma ideia com o seu quê de desconcertante para quem viu nele um dos universos autorais mais personalizados dos últimos tempos. O que se passa é que Cronenberg mudou de estratégia e essa estratégia é que agora Cronenberg, o realizador que jogava sempre no limite, é um "realizador estratégico". E pensa os filmes de dentro para fora e não de fora para dentro.

O que é que isso diz a um fã de "Videodrome" ou "Crash"? Bem, recorrendo ao senhor Freud, diz-me que o diagnóstico é simples: Cronenberg parece estar a reprimir Cronenberg; à procura de uma espécie de aceitação mais abrangente por parte de um público que este idealizou, diria, neuroticamente, como o seu "verdadeiro público". A mudança acontece sensivelmente desde "Spider", último filme onde senti que a psique tinha carne, onde senti que os fantasmas de Cronenberg passeavam, invisíveis mas não menos palpáveis, pelas "histórias feitas" que decidira adaptar ao ecrã. O que noto, desde "A History of Violence", é que o realizador canadiano parece estar "concentradíssimo" em realizar o seu "american dream fora do prazo": virou-se para o anonimato controlado, cirúrgico, impecalmente inafectado e inafectante afecto - e infecto - à ideia defunta de uma "gramática do cinema de género". O resultado é que, "A Dangerous Method"- falemos dele, já que ele não se cala - não é, como era "Spider", uma "mente" feita carne, mas sim uma mente esvaziada de qualquer corporalidade; uma mente, no limite, esvaziada de si mesma. O que resta é o vácuo existencial, a que Cronenberg se verga como um "velho funcionário de Hollywood", sonhando um sonho anacrónico, quase auto-flagelador por ser tão fina - quase inexistente - a sua consciência crítica.

Cronenberg virou as costas a Cronenberg. Viggo Mortensen, actor limitadíssimo, é o rosto mais visível do fracasso - voilá! algo visível neste novo Cronenberg ao serviço de Sua Majestade "A Indústria-das-suas-fantasias"! Neste "A Dangerous Method" - até o título, cheio de ironia fina, parece uma graçola espirituosa de mau gosto -, Viggo Mortensen interpreta um Freud dual, subtilmente revanchista e caricaturalmente básico, que, entre todo o falatório - textualmente muito didáctico, mas esteticamente liso e, de novo, sempre controladamente "entediante" -, até parece que se safa como uma verdadeira personagem. Mas, vejamos bem, a câmara só quer saber das neuroses do outro figurino, o senhor Jung, as suas taras amorosas pela paciente "irresistível" e as suas diatribes pequeno-burguesas com o mestre incompreendido. Na parte final do filme, ficamos conversados quanto ao louco desgosto amoroso que se vivia naquelas trocas de correspondência e relatórios (para)científicos entre médicos e dos médicos connosco espectadores - até porque, como fica patente, o diferendo entre Jung e Freud era coisa de classe, de raça ou de coração ou, ainda, de dor de cotovelo. O espectador foi enganado, mas nada de muito sério: ainda há lágrimas a derramar pelo amor proibido entre paciente e médico.

O plot básico, a que Cronenberg, o autor, nunca se poderia vender - ai jesus! tanto "ai jesus! não te partas!" que, do outro lado do ecrã, se ouve a ser mexido nervosamente com pinças! -, é prontamente "corrigido" pelo rosto e lágrimas finais de Jung, lágrimas que não comovem, lágrimas secas que celebram, vitoriosamente, a indiferença que provocam - ao que parece, para Cronenberg, a indiferença virou objectivo número um. O plot básico diria que esta é a história de um triângulo sentimental entre os pais da psicanálise e uma paciente, mas a coisa está tão escondida, tão controladamente recalcada que até parece ser mais alguma coisa do que isso - será? Cronenberg, realizador que agora joga xadrez com a banalidade, põe-se a jeito para ser elogiado por ter mudado sem ter, de facto, mudado! Que subtileza, que delicadeza, que mente! Eu, tal como não celebro a existência de qualquer coisa como chocolante-laxante (e cito um psicanalista), lamento, mas recuso-me a celebrar "Cronenberg, o anti-Cronenberg"!

Cronenberg vende, agora, a frustração do seu próprio cinema, porque isto não é cinema nenhum, quero dizer, é um "cinema de ninguém". O autor de "The Fly", outrora - e sublinho o outrora - grande leitor de McLuhan, transformou a viscosidade (protuberante, isto, é perturbada, leia-se, irregular e sulcada "na pele") numa acomodada assepcia estética (lisa, oca e reluzente). Como a história do pássaro no filme, Cronenberg precisa de se libertar de si mesmo, desesperadamente. Nem que, para isso, tenha de trocar todas as suas "velhas" obsessões por uma e apenas uma nova: a obsessão pelo vazio. Eu cá detesto o vazio e gosto do risco.

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