quinta-feira, 10 de novembro de 2011

The Birthday Party (1968) de William Friedkin

Para se perceber, de facto, a mais recente "face" de Friedkin, é preciso recuar até à sua segunda longa-metragem, filme que resulta de uma colaboração estreita com o dramaturgo, prémio Nóbel, Harold Pinter. O Lisbon and Estoril Film Festival deu-nos esta prenda, escondida numa programação de luxo, que só podemos agradecer: um incrível raccord que liga 1968 a 2011, mais concretamente, "The Birthday Party" a "Killer Joe".

As semelhanças são extraordinárias: desde logo, são filmes espacialmente concentrados numa "casa familiar"; histórias de vários pequenos enigmas discursivos propiciados por personagens "típicas" ante a ameaça de alguém que vem de fora, alguém que "pensa" e "age" de outro modo; ajustes de contas entre o visitado e o visitante que condiciona cada respiração, em esforço e sufoco desde o início, debaixo do tecto familiar; enfim, dois filmes teatralizados baseados num jogo de palavras - e aparências - que, até ao fim, recusa qualquer moralismo linear. No caso de "Killer Joe" temos um trabalho de polimento dramático levado ao limite, correndo o risco de se oferecer como "estilo puro", como forma plana, sem saliências ou manchas, de tão limada está pela câmara e a caneta dos seus autores.

Temos também aqui, mas também em "The Birthday Party" - e essa é uma das grandes revelações neste double bill! -, uma série de diálogos ritmadamente burilados, verborreia por vezes que se auto-afirma como "gatafunho dramaticamente inútil", mas "ritmadamente" necessário. Exemplos? Bem, em "Killer Joe", por mais do que uma vez, as personagens dizem palavras ou frases saídas do contexto, como quem regurgita o verbo para não descompensar a mancha de texto. Dottie diz "babies", quando está semi-nua, nas costas de Joe. A montagem de "Killer Joe" responde com uma sintaxe semelhante - já acontecia isso em "Bug". Vemos flashes de trovões ou outras imagens dramaticamente "deslocadas", mas que, in toto, equilibram formalmente a obra. O que é que isto tem a ver com "The Birthday Party"? Neste filme, no final, face à indefinição do plot, as palavras - e as personagens que as dizem - começam a existir não apesar de mas precisamente para pontuar a superfície estilística do filme - sentimos a escrita de Pinter como "jogo" de associação de ideias, mas sobretudo, de associação de palavras foneticamente articuladas, mas semântica e dramaticamente "deslocadas".

Os dois "homens misteriosos" questionam a personagem paranóica de Robert Shaw em jeito de "pingue-pongue" linguístico que, em determinado momento, faz com que o diálogo (ou monólogo ou coreografia verborreica) se esvazie completamente de qualquer sentido. O significado deixa de ser resgatável pelo espectador, que, assim, mergulha num universo kafkiano onde as expectativas não batem com códigos que julgamos familiares. Este "estranhamento", esta "teatralização", é o que o brilhante filme de Friedkin/Pinter mais relevantemente traz a uma releitura de "Killer Joe". Releitura de toda uma obra - algo que só os grandes filmes conseguem motivar.

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