"Invasion of the Body Snatchers" (1956) é um filme que enceta a carreira de Don Siegel; mostra um Sam Peckinpah imberbe, num pequeno cameo; e, por fim, adapta, pela primeira vez, ao cinema o conto sci-fi de Jack Finney. Este série B, filmado em poucas semanas, gerou um culto tal que, em 1978, Philip Kaufman realizou um primeiro remake, com o mesmo título, a que se seguiram mais dois: "Body Snatchers" (1997) de Abel Ferrara e, recentemente, "The Invasion" (2007) de Oliver Hirschbiegel/James McTeigue (quem o realizou mesmo? um dó li tá cara de amendoa...).
Apesar das qualidades do filme de Kaufman, a verdade é que a aura da obra "original" manteve-se intacta: um dos exercícios mais interessantes sobre o clima de paranóia que se abateu sobre os Estados Unidos, durante a perseguição anti-comunista levada a cabo pelo senador McCarthy na década de 50. A premissa poderá parecer básica, mas, no substrato, este filme de Siegel carrega uma curiosa ambiguidade política, que ora se balança para um propagandístico tom anti-comunista, ora denuncia, indirectamente, a infame política persecutória perfilhada pela administração norte-americana na época.
As sementes que lançaram o caos e substituíram os humanos por duplos sem emoções, autómatos ao serviço de uma grande conspiração que procura instituir um regime informe a nível planetário, fizeram com que, subitamente, até o next door neighbor, o típico all time american, sucumbisse a uma espécie de síndroma igualitarista, intolerante à diferença. Numa primeira parte, Siegel filma a inescapável "conversão" dos humanos em alienígenas. Contudo, pensamos que a mensagem do filme muda quando o protagonista, o médico Dr. Miles (Kevin McCarthy), se torna numa verdadeira dor de cabeça para as forças invasoras.
Com efeito, no começo do filme parecemos estar na presença de um vírus, de origem incerta..., que atacou o coração do bloco capitalista, em tempos de guerra-fria contra a ubíqua ameaça comunista. Miles recorre ao método científico para explicar o inexplicável... pelo menos, até se aperceber de que está em posição minoritária na própria terra onde nasceu. Nessa altura, o "vírus no sistema" passa a ser Miles e o amor da sua vida, a senhora Becky Driscoll (Dana Wynter). Estes recusam abdicar do seu romance a favor de um projecto não-humano com contornos obscuros: a afirmação do que sentem um pelo outro transforma-se, na segunda metade do filme, numa espécie de programa político pelo qual irão batalhar até às últimas consequências.
A partir daqui, quem parece personificar a verdadeira ameaça ao statu quo são os protagonistas; a mensagem que outrora era anti-comunista, transforma-se outrossim numa espécie de ataque subtil à fanática política McCarthista. São iguais contra iguais, numa luta surda pelo poder: "You're next!", avisa Miles, desesperado, no meio da estrada, entre carros que passam indiferentes em direcção à comunidade contaminada...
Não resultando tanto como objecto de terror, "Invasion of the Body Snatchers" mantém-se ainda (ou sobretudo!) hoje como uma muito desafiante alegoria política sobre um tempo de grandes contradições políticas, éticas e morais na sociedade norte-americana. Siegel revela uma maturidade surpreendente, usando planos arrojados para ampliar o clima de tensão: o contra-picado que nos mostra os dois amantes escondidos num closet, ao mesmo tempo que um polícia vasculha a casa à sua procura; na cena do jardim, a câmara posiciona-se em oblíquo, precisamente a partir do local onde Miles vai descobrir as sementes (seed pods), o que produz um efeito de deslocamento estranho e inquietante; na sequência em que o protagonista foge para a estrada, vociferando esbaforido o fim da humanidade, Siegel enfrenta com a câmara o fácies transmutado do antigo médico calmo e afável, agora, um corpo exausto ao qual apenas resta, como linha de acção, anunciar o Apocalipse.
Não foi fácil a Siegel fazer chegar o filme às salas. De facto, o realizador terá visto uma primeira versão da montagem chumbada pelos estúdios: em entrevista, Kevin McCarthy conta que, no primeiro test screening, a história não era contada em flashback e terminava com essa terrível sequência. A impotência final de Miles era excessivamente violenta para o público dos anos 50; logo, Siegel foi obrigado, por razões comerciais, a incluir um happy ending. Resulta forçado, mas nem por isso nos faz esquecer aqueles gritos...
1 comentário:
é um clássico filme moderno - e Don Siegel parece ser um diretor não muito lembrado. Ótima resenha, a sua. A relação entre os chamados "filmes B", ou aqueles de suspense, sci-fi, e o contexto político de perseguição anti-comunista nos EUA é algo a ser bem enfatizado mesmo.
abraços!
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