segunda-feira, 30 de julho de 2012

domingo, 29 de julho de 2012

Ligação directa à pala de Walsh (I)


O novo site de cinema vai fazer quinze dias e, até ver, temos publicados 15 artigos. Da autoria deste redactor contam-se, para além das rubricas colectivas (das quais destaco o texto, escrito a várias mãos, "O que é a crítica de cinema?"), a minha primeira crónica Civic TV e análises a "In the Mouth of Madness" de John Carpenter (em Recuperados), "Cerveza Bud" de Rudy Burckhardt (em Raridades) e já hoje lancei "Straw Dogs" de Sam Peckinpah (em Noutras Salas).

Este mês, que ainda não está mesmo no fim para o À pala de Walsh, fui eu o editor. Em Agosto, o nobre trabalho ficará a cargo do João Lameira. Esperamos ir melhorando com os vossos comentários e críticas. Por favor, participe neste espaço aberto à reflexão cinematográfica.

sábado, 28 de julho de 2012

Às mulheres de 68: a revolução deve começar na cozinha (contra a electrodomesticação)

"Les contrebandières" (1968) de Luc Moullet

"Saute ma ville" (1968) de Chantal Akerman

(Uma ainda adolescente Akerman soube, na minha opinião, com este pequeno filme amador, que antecipa em certa medida o monumental "Jeanne Dielman", tornar o tom datado do filme de Moullet e de todo o contexto ideológico do Maio de 68 num sintoma "natural" da sua fresca jovialidade. A surpresa está nessa rapariga de rosto inocente que, a salvo de um discurso ideológico demasiado preparado e abstracto, escolhe o tema da escravatura silenciosa da mulher em sua própria casa como mensagem forte de um primeiro filme, por sinal, muito homemade. Às vezes o pequenino, o ingénuo e o "mal feito" resistem melhor, sobretudo politicamente!, à marca dos tempos.)

quarta-feira, 25 de julho de 2012

After Shyamalan (I)


Não estou muito entusiasmado com este projecto de M. Night Shyamalan, não só porque o passado recente do cineasta indiano é pouco estimulante - apesar de "The Last Airbender" não ser um mau filme, está muito longe da sua melhor forma - mas porque, neste momento, sob pena de se tornar num has been para a indústria, parece que aos seus olhos "tudo que vier à rede é peixe". Depois de ter estado associado a outros projectos do cinema fantástico, Shyamalan está de regresso. Contudo, na minha opinião, estará só parcialmente de regresso, já que este "After Earth" será o primeiro filme que realiza sem ter escrito o seu argumento.

Para um típico writer director esta "má novidade" soa a cedência comercial, eventual limitação à sua liberdade criativa (mesmo sendo ele produtor executivo), e tudo piora se vos disser que Will Smith será o protagonista desta mega-empreitada. O problema com esta super-estrela do boxoffice norte-americano é que os seus filmes recentes são meros veículos espectaculares para a manutenção da sua fama multimilionária, o que, face a um Shyamalan enfraquecido e a braços com um teste crucial para o seu futuro em Hollywood, só poderá constituir mau prenúncio para este "After Earth". Outra importante variante: Shaymalan filmará, pela primeira vez, em digital. Somando tudo isto, tanta novidade suspeita..., digo que o classicismo heteróclito shyamalaniano ameaça extinguir-se.

Estaria ainda mais céptico se não tivesse lido a sinopse e se não tivesse procurado animar-me a mim mesmo com o que vou percebendo nas suas entrelinhas. Percebe-se que Shyamalan se aventura, de novo pela primeira vez (raios, tantas "primeiras vezes" deixam-me apreensivo...), no universo sci-fi de acção, mas a estranheza deste projecto na obra do autor de "Lady in the Water" fica-se por aqui quando entrevejo, por trás do espectáculo CGI "from outer space" que se perspectiva, um drama (com toque pessoal? O "Shyamalan touch"?) entre filho e pai, entre um Will Smith em ponto pequeno (Jaden Smith, o já célebre filho do protagonista) e um pai ausente que admira (o próprio do Will)...

Será, portanto, um mergulho no cosmos que bate de chapa num microcosmos familiar muito caro ao realizador indiano. Receio, contudo, que os estúdios tenham exigido de Shyamalan aquilo que ele não pode nunca ser: um tarefeiro ao serviço da estrela da companhia. É que todos nós sabemos que os "Will Smith movies" tendem a tornar os dramas familiares (perfeitamente anónimos, do ponto de vista cinematográfico e não só) em pouco imaginativas historietas sentimentais cheias da boa moral pipoqueira.

Já anda a circular na Internet um teaser (pouco relevante) de "After Earth". O CINEdrio seguirá os passos a este filme até à sua estreia nacional. Estaremos no encalço (after de seguir) deste Shyamalan que poderá ser o princípio de um novo Shyamalan (after de seguinte).

segunda-feira, 23 de julho de 2012

A batata como símbolo da rotina doméstica (cozida ou em puré)

"Jeanne Dielman, 23 Quai du Commerce, 1080 Bruxelles" (1975) de Chantal Akerman

"A Torinói ló"/"O Cavalo de Turim" (2011) de Béla Tarr e Ágnes Hranitzky

(Analogia sacada da muito boa crítica de Luís Miguel Oliveira ao segundo filme em still. Ainda falando em batatas, também recomendo a leitura desta análise do Ricardo Lisboa ao filme de Tarr.)

sábado, 21 de julho de 2012

Filmes que (não) vou ver em sala (VI): V/H/S

Dos filmes que antecipei provavelmente não ir ver em sala, apenas dois chegaram a ter distribuição comercial no nosso país: "Bal" e "O Ilusionista". Dos restantes, só guardo uma réstia de esperança em relação a "The Innkeepers", obra-prima de Ti West que foi mostrada no festival Syfy Fest. No entanto, persiste este dado pouco animador no que à política de distribuição nacional de cinema diz respeito: Ti West ainda não mereceu qualquer estreia em sala no nosso país. Nem mesmo o justamente aclamado "The House of the Devil" teve essa "chance" no nosso mercado, em sala ou, imagine-se!, sequer em DVD!

Por isso, antecipo o filme colectivo "V/H/S" nesta rubrica, filme de terror que parte de uma premissa que me é cara: a procura de um filme...em VHS. Lembram-se de "Cigarette Burns"? Sim? Então agora ponham-no em modo "home cinema". A sinopse dita o seguinte: um grupo de criminosos tem em mãos o trabalho aparentemente muito fácil de encontrar uma cassete vídeo numa casa abandonada. Quando entram nessa casa, apercebem-se que pela frente terão horas e mais horas de visionamento de cassetes até conseguirem encontrar (se encontrarem...) a pretendida.

O filme desdobra-se naquilo que os protagonistas vão vendo: uma sucessão de episódios estranhos que competem entre si em matéria de horror. Entre a equipa de 9 realizadores que filmam "V/H/S", sendo que quatro (autodenominados Radio Silence) trabalham em conjunto tal como Joe Swanberg e Adam Wingard, conta-se o nome no qual se concentram todas as atenções: Ti West, claro está.

Será que esta "V/H/S" passará nas nossas salas? Estou céptico, caros leitores.

Trailer de "V/H/S" de Joe Swanberg, Adam Wingard, Radio Silence, Glenn McQuaid, David Bruckner e Ti West

Akerman vs. Benning (V): (in/out)door

Chantal Akerman está para


como James Benning está para

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Um ano depois, o cinema continua a tapar buracos na RTP2


Já passou mais de um ano sobre o debate Cinema na RTP2, no qual o director da estação, Jorge Wemans, surpreendeu todos quando assumiu a pouca atenção que tem dado ao cinema desde que assumiu a liderança do segundo canal (já lá vão 5 anos!). Recordo as suas palavras precisas: "E aceito que em relação ao cinema a memória destes anos não seja uma memória que acrescente, digamos, algum passo decisivo em frente". Palavras que recebi como um sinal positivo no sentido de ver respondidas as reivindicações constantes da nossa petição pelo regresso da exibição regular de cinema à RTP2.

Apesar de cumprimentar o director por ter aceite, nessa altura, o convite que lhe endereçámos e pela auto-crítica que fez, não consigo disfarçar a decepção, partilhada seguramente pelos mais de 3000 apoiantes desta causa (no facebook já são 3 289 amigos!), agora que passou um ano e três meses sobre esse encontro.

O "5 Noites, 5 Filmes" voltou aos nossos ecrãs, mas apenas foi recuperado como "marca" ao serviço da programação do canal em tempos de férias. Esta tímida e incompleta recuperação de um espaço mítico dedicado ao cinema também pouco ou nada acrescentou ao estado das coisas na estação, já que, nos seus mini-ciclos da Páscoa, detectámos um número excessivo de repetições de títulos exibidos no canal há pouco tempo ou "casamentos forçados" entre títulos escolhidos sem arrojo.

Em Agosto, como já fora prometido, o cinema volta a ocupar as emissões diárias do canal, mas a lógica mantém-se: logo na primeira semana, percebe-se que a RTP2 continua a tratar o cinema como tapa buracos, por isso, volta a passar títulos recentemente exibidos no espaço da sessão dupla de sábado. Este comeback não foi ainda anunciado como aconteceu na Páscoa, isto é, em comunicado da estação, de qualquer modo, desconfio dos critérios que presidiram à selecção de títulos tão diferentes e tão distantes estética, temática e historicamente entre si.

Ainda assim - já me começo a contentar com as migalhas da refeição que eu e, aliás, todos os contribuintes pagámos na íntegra - saúdo a estreia, penso que absoluta, no nosso país do filme "Pa Negre" do talentoso cineasta catalão Agustí Villaronga (lembram-se do seu intenso "El Mar"?). Também espero que, desta vez, a direcção da RTP2 perceba que o público quer o "5 Noites, 5 Filmes" em permanência na grelha do canal. Lamentavelmente, penso que isso só acontecerá se soubermos "mexer" com o indicador que rege a política desta estação dita "de serviço público": as audiências. Sugiro, então, que vejamos os filmes do regressado "5 Noites, 5 Filmes" para, dessa forma, relembrarmos a estação de Wemans das suas próprias obrigações.

Post Scriptum: Apesar de não vir na programação como fazendo parte do regressado "5 Noites, 5 Filmes", o meu camarada de petição Ricardo Lisboa fez bem em me apontar o seguinte: já nesta semana, a RTP2 passa durante 5 noites 5 filmes, todos sempre às 4 da madrugada. (E depois dizem que são regulares na sua programação de cinema...) Desta feira, o cinema serve não para tapar o buraco deixado aberto pelas séries da preferência de Jorge Wemans, mas para cobrir a falta do espaço Euronews na grelha. Posto isto, a dita selecção de filmes é a mais aleatória que nos poderia ocorrer: "Forget Paris" de Billy Crystal (segunda-feira), "O Atalho" de Kelly Reichardt (terça-feira), "As Praias de Varda" de Agnès Varda (quarta-feira), "Tetro" de Francis Ford Coppola (quinta-feira) e outra vez "The Fearless Vampire Killers" de Roman Polanski (sexta-feira). Que confusão e trapalhada de canal.

quinta-feira, 19 de julho de 2012

Henry Fonda, o olhar do "homem errado"*

"You Only Live Once" (1937) de Fritz Lang

"The Wrong Man" (1956) de Alfred Hitchcock

[Por duas vezes, pelo menos, lá foi Henry Fonda condenado pelo sistema judicial norte-americano por um crime que não cometeu. No filme de Lang, mostrou que a inocência não se prova por si mesma, ao contrário da falsa-culpabilidade; que a inocência é uma coisa que poucos homens alcançam no seio de uma sociedade tão moralista quanto corruptora, ao passo que a falsa-culpabilidade se pode realizar por meio de mecanismos judiciais. O problema não está na inocência do falso-culpado, mas na culpa do falso-inocente, pelo que se eu, mesmo estando inocente, me disser inocente de um crime, o leitor, olhando-se ao espelho, justamente desconfiará (ninguém poderá estar assim tão certo da sua inocência...), mas se o leitor me acusar de um crime, eu talvez consiga provar que estou a ser erradamente acusado (é que o leitor pode não ter sabido fundamentar tal acusação...). "You Only Live Once" é sobre isto, mais até que a obra-prima de Hitchcock. Contudo, nos dois filmes, Fonda é o rosto daquilo que um dia Serge Daney escreveu sobre outro filme americano e judicial de Lang, "Beyond a Reasonable Doubt": "A inocência é provisória, querer prová-la é ser-se já culpado."]

*- E, por isso, Leone teve um golpe de génio quando fez de Fonda "o mais errado dos homens certos".

Deus ex machina VII: muuuuuu


Ora bem, que montagem esquisita (no sentido duplo do termo) encontro eu aqui? Lendo à árabe, vejo o casal do amor discreto mas eterno e profundo ("Brief Encounter"), depois, o relacionamento tormentoso   assombrado pela morte de um filho ("Antichrist"), mais à esquerda, lá estão os patinhos feios que encontram o amor puro (e aproveito a oportunidade para deixar a minha homenagem a Ernest Borgnine, falecido há dias, e que fez filmes bem melhores que este "Marty") e, no último still, vejo... uma vaca - como aquela que ri e vende queijos ao mesmo tempo - que nos aparece tristemente só "no quadro", o que dentro desta montagem sine manu facta poderá querer dizer que está livre e "à procura de parceiro". "Muuuu liga, vai."

segunda-feira, 16 de julho de 2012

Novo site de cinema: À pala de Walsh


Dando as voltas ao título de um grande clássico de Cukor com Judy Garland, tenho o prazer de escrever aqui, em primeira mão, que "Assim nasce um site de cinema". À pala de Walsh é um projecto online que resulta de vários encontros, face a face (coisa deveras old school), entre quatro bloggers de cinema: Carlos Natálio (do Ordet.), João Lameira (do numa paragem do 28), Ricardo Lisboa (do Breath Away) e moi-même.

Temos como objectivo propor um olhar diferente sobre tudo aquilo que toca o cinema, mas, antes de mais, sobre tudo o que diz respeito ao "cinema propriamente dito". Queremos produzir reflexão fresca e fazer da opinião acção. Acreditamos que o olhar justo, mesmo que não veja, resiste bem a qualquer pala que o omita do confronto com o mundo.

Convidamos os apreciadores de imagens em movimento a irem acompanhando todas as incidência cinéfilo-reflexivas feitas à pala, como quem diz "à boleia", como quem diz "dedicadas à pala propriamente dita", de um clássico; logo, feitas na medida comum a todo e qualquer moderno digno desse nome.

domingo, 15 de julho de 2012

D'Est (1993) de Chantal Akerman


Há uma certa propensão dos povos de leste, sobretudo os nobres representantes da grande nação russa, para a estatuária. Não para fazerem estátuas, mas para se fazerem estátuas. A câmara de Akerman, nos anos gélidos de incerteza depois do desmembramento do império soviético, ratifica essa propensão que no cinema se demonstrara, primeiramente, com os filmes do grande cineasta ucraniano Alexander Dovzhenko e que, mais proximamente, veio a ganhar uma nova dimensão com Sokurov e a sua "Arca Russa". O que há de "documental" neste filme de Akerman que confere aquilo que a ficção tão eloquentemente traduz(ira)? De documental, puramente documental, há a viagem que a realizadora belga decidiu fazer pelo leste europeu, começando pela RDA, passando pela Polónia, os países do Báltico, e desfechando, claro, na Terra Mãe Russia.

Fora da viagem, fora "dessa ideia de travelling", encontramos um espectacular registo de formas, ambientes, luzes, espaços, corpos parados, imponentes, ou "desconsertados" a bailar... Esse registo é "ficcionalizado" pelo outro travelling, aquele que diria já não ser mais uma ideia mas um gesto - ia escrever "formal" mas a palavra certa é "formador", isto é, criador de formas que surgem da paisagem contra a qual Akerman "expõe" a sua câmara movente. Virada para a realidade, esta câmara "formadora" mostra-nos, em jeito de visita a um museu vivo (a tal "Arca Russa antes de Sokurov") e à guisa de um painel menos pictórico que estatual, o Homem de Leste. É, aliás, sabendo respeitar a imponência do silêncio e a imobilidade destes corpos filmados em plano médio, ligeiros contra-picados que são suficientes para "monumentalizar" a escala humana, que "D'Est" esboça algo mais do que um filme-postal sobre as viagens de uma estranha chamada Chantal Akerman pela terra das utopias recém devastadas. Estamos, aqui, na presença de um filme quase abstracto que, paradoxalmente, parece chegar mais perto que (quase) todos os outros da dimensão real e concreta de um império de pedra que se esboroa por dentro.

Este "esboroar por dentro", livre de qualquer tentativa de psicologizar o que se mostra, aparece-nos sob a forma das ideias (e aqui ideias em abstracto) de solidão (exemplo do homem que come a sua refeição sozinho), de euforia pré-disfórica (o casal que dança parece celebrar efusivamente o fim de qualquer coisa, sem olhar para a frente, como quem baila sobre o precipício...) e de espera (os "corpos de pedra" que se mostram "esperando" numa fila disforme, que recusa, aparentemente, a fusão e uniformidade entre os corpos). Apesar deste registo sobre o espírito convulso de um império decadente, as imagens do exterior (fora das ideias e ficando-nos nos corpos) são imperiosos e soberanos blocos de pedra, a quem a câmara (no movimento lânguido como na escala dos planos) presta a devida reverência. No sentido de uma poética (poiesis) das formas, "D'Est" sobe alto.

sábado, 14 de julho de 2012

Newsletter #17: Akerman


Chantal Akerman, cineasta belga. Começo de texto traiçoeiro, mesmo para um parágrafo breve sobre a nossa heroína do próximo mês (primeira mulher a nos dar a honra!). Akerman foi, antes de "belga", uma cineasta do mundo e para o mundo. Fez, aliás, da viagem (como do travelling) um dos princípios estéticos e emocionais de toda a sua obra, vogando sem pressas ou precipitações entre o experimentalismo avant-garde da escola do New American Cinema (sob influência de Warhol, Mekas, Snow e Brakhage, bem como, sob certo ponto de vista, em diálogo constante com James Benning) e a errância sentimental da Nouvelle Vague francesa (Rohmer e Godard poderão bem ter sido autores da sua preferência).

Viagem entre referências cinematográficas, mas também viagem (muito literal) "no mapa": notabilizou-se primeiro nos Estados Unidos, entre deambulações por recantos esquecidos de Nova Iorque ou exercícios de auto-exorcismo afectivo sobre os efeitos da "distância", e sedimentou o seu estilo conquistando paisagens europeias, não só da Bélgica ou da França, mas de toda a Europa... Agora, visitamos nós a sua filmografia - já perto de 50 títulos - na Newsletter de Agosto, antecipando assim a organização do DocLisboa que, na próxima edição do festival (18 a 28 de Outubro), irá convocar na capital toda a obra desta "cineasta belga do mundo".

Em matéria de home cinema, anunciaremos lançamentos importantes em DVD/Blu-ray, como, finalmente, uma caixa com parte substancial da obra de Jonas Mekas (!), o excelente último filme de Ferrara, um pack com duas obras-primas de John Carpenter, provas da nova vida do género francês do "polar", o mais amado filme de George A. Romero, um peplum de Vittorio Cottafavi e aquele que deverá ser o mais altamente reavaliado título em toda a história do cinema: "The Night of the Hunter", edição de coleccionador imperdível em zona 2/B! Também procuraremos cobrir as mais apetecíveis promoções, em filmes de Godard, Kurosawa, Marguerite Duras, George Pal, Raoul Walsh, Alain Resnais, etc.

Nos livros, fazemos eco de alguns descontos de Verão; damos a descobrir uma monumental enciclopédia dedicada ao cinema norte-americano, mas escrita por quem o compreendeu melhor - dois franceses -; espicaçamos a nossa curiosidade em relação à carreira literária da musa de Bresson e Godard, Anne Wiazemsky; folhearemos o recém-publicado catálogo da Cinemateca sobre a vida e obra do sui generis cineasta português António de Macedo; sugerimos uma releitura da história do cinema moderno com base na narrativa dos lunaparks norte-americanos; damos-lhe um curso de filosofia que durará pouco mais de seis horas e... bem, o resto - muitas mais páginas, é uma promessa! - guardamos para o dia da publicação.

A próxima edição da Newsletter do CINEdrio apresentará ainda novidades importantes no campo das rubricas: teremos, pela primeira vez, um espaço de destaques a revistas de cinema e, excepcionalmente este mês, publicaremos a rubrica da Livraria do Mês a par do inquérito a uma personalidade pública, desta feita, publicamos as sugestões do Professor José Bragança de Miranda, autor de várias obras na área da filosofia, estudos da cultura, arte e comunicação.

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Moonrise Kingdom (2012) de Wes Anderson


Parece-me óbvio que a animação foi a matéria ideal para Wes Anderson se recriar e para se recrear finalmente liberto da ameaça de cristalização de um estilo que começava a entrar em circuito viciado, nas suas neuras e depressões coloridas, com "The Darjeeling Limited". A sua mise en scène (que permanece) meticulosa mostra-se em longos tracking shots que deslizam sobre cenários em jeito de "casa de bonecas" ou traduz-se em planos que "emolduram" a imagem dos brinquedos favoritos das personagens, uns mais "mágicos" do que outros, objectos que quase sempre nos dizem mais do que aquilo que fazem. Aqui, finalmente, temos mais crianças e já menos "disfarces de criança psico-analisados", a tal "dor de crescer" que Wes Anderson tinha levado à exaustão no seu último filme "de carne e osso".

Antes, de facto, os adultos vestiam máscaras infantis, agora, sem que os adultos tenham sido "desmascarados" - e a fatiota ridícula de escuteiro assenta bem a um delirante Edward Norton -, as crianças mascaram-se... e, muito literalmente, no teatro do filme (tautologia curiosa: um teatro num filme que é todo ele expoente de mise en scène!), usam fantasias de animais, familiares distantes dos que "animavam" a obra-prima "Fantastic Mr. Fox", o que interpreto como assunção clara de que a experiência da animação é a nova bússola estilística e conceptual do cinema de Anderson. Um bem-haja a ele por isso!

Trata-se, portanto, de um carnaval controlado e renovado na sua "graça", não (ainda não? Jamais!) aquela para rir à gargalhada, mas aquele riso para dentro que se aprecia como um rebuçado de morango. E quando digo "rebuçado de morango" digo pequeno berlinde comestível, redondo, colorido e luzidio, porque, como sabemos, as crianças também comem com os olhos. Já não há disfarces de adulto que agora escondam a origem do fascínio de e por Wes Anderson: as crianças são crianças e os adultos são adultos ou, se preferirem, as crianças agem como adultos e os adultos um pouco como crianças (vide "a birra" de Bill Murray ou o romance "às escondidas" de Frances McDormand com Bruce Willis). De qualquer das maneiras, começamos sempre por dizer "de um lado, as crianças(-adultos) e, do outro, os adultos(-crianças)", variação significativa sobre a fórmula, explorada em "Royal Tenenbaums", das crianças "em comunhão" com e equivalendo-se aos adultos. Nunca, num filme de Anderson, os mais pequenos foram um problema tão grande para os maiores.

Como reza o tema de Françoise Hardy, este é um simples filme de namoro e aventuras, com duas histórias de "disfuncionalidade familiar" em pano de fundo, contra a qual duas crianças, sublinho, enamoradas e aventureiras, se decidem rebelar. A menina, com a sua mala cheia de livros infantis, parte de mãos dadas com o menino, que leva consigo um verdadeiro kit de sobrevivência para noites passadas ao relento na floresta e na praia. Ele vira-se para ela e diz: "o que trazes aí nessa mala? Posso fazer um inventário?". Ela responde que sim, o que é motivo de regozijo menos para o rapaz do que, imaginamos, para o próprio Wes Anderson, cineasta amante da "arrumação" e "classificação, em cada quadro, dos objectos, das pessoas ou dos bonecos que fazem, ou melhor, que são os seus filmes. Não nos custa imaginar uma mala azul claro que Anderson carrega sempre consigo, em todas as suas viagens, e na qual transporta, no devido lugar, bem limpinhos e aprumadinhos, os títulos que compõem a sua cada vez mais perfeita filmo-grafia.

sexta-feira, 6 de julho de 2012

La chambre (1972) de Chantal Akerman


Parece que o título é muito claro e aponta para isto: pequeno filme sobre uma mulher, a própria Akerman, rodeada pelas suas coisas (mais notavelmente, uma chaleira) num pitoresco quarto em Nova Iorque. As cores antecipam a marca do seu cinema - cores que os não conhecedores do cinema da cineasta belga diriam ser "rohmerianas" -, verdes, vermelhos, castanhos-cortiça, tons adormecidos, a tender ora para a escuridão total (sombra) ora para uma claridade incandescente (luz). Parece ser somente isso: inventário de coisas e inventário de/para uma pessoa, sofisticado auto-retrato da cineasta no quarto, na cidade, no país onde decidiu viver durante um ano (onde, aliás, aprendeu a métier indo beber aos cinemas de Mekas, Snow, Warhol, Brakhage, entre outros). Sofisticado pelo tal trabalho sobre a cor, mas, antes de tudo, repara de imediato o espectador, pelo trabalho de câmara. E é aqui que o título começa a trair o próprio filme.

Subtilmente, a panorâmica vai desenhando um círculo e depois outro e depois outro, um ângulo de 360º que só não perpetua a repetição (da imagem) porque, para lá da natureza morta (a chaleira, a mesa, com os pratos, a cadeira...), há Akerman (o corpo vivente). Mesmo ciente deste movimento de câmara (que dez anos depois, em "Trop tôt, trop tard", Straub e Huillet põem em "funcionamento" lá fora, ao ar livre, para com-preender a paisagem), o espectador poderá continuar a insistir no erro de pensar que o título não engana, que o título é o filme. Pois, a certa altura, com um golpe, ou, usando um termo caro a Jorge Jesus*, num "contra-golpe", a câmara que fazia o ângulo em sentido inverso aos ponteiros do relógio "acerta" para o outro lado, restringindo assim o seu "raio" de acção - como se a partir daquele momento tudo resultasse de uma escolha - e fazendo-se notar não como "um" mas como "o" grande efeito disruptivo/dramático/espectacular deste filme. O grande (e)feito digno de registo, logo, digno de todo um filme. Akerman e a chaleira deixaram de interessar. A "chambre" deixa de ser a "chambre" do quarto e passa a ser a "chambre" da câmara.

O título francês, dual, inexplicável - já que Akerman filma "na América para o mundo" - encerra a premissa "thrillesca": o objecto de desejo não é o que está à frente mas aquele ou aquilo que posiciona e manobra o desejo, ou melhor, aquilo que o enquadra (também não é o quadro!); o objecto (de desejo) é, enfim, o instrumento. "La chambre", isto é, "A câmara" de Akerman.

*- Ele que tem honras de epígrafe, fabulosa epígrafe aliás, a fazer "carga de ombro" sobre Nietzsche ou Leo Ferré, em texto recente do Mário Fernandes (torrencial, colérico, corrosivo, demencial e, contudo, bastante divertido), a ler no último número da revista Foco.

Esta coisa dos hotéis não se quererem habitados, esta coisa das câmaras que só querem habitar o inabitável (I)

"Hotel Monterey" (1972) de Chantal Akerman*

"The Innkeepers" (2011) de Ti West

*- Há um conceito estudado por Freud que "trabalha bem" esta aterradora obra-prima feita apenas de planos do interior de um hotel nova-iorquino frequentado, sobretudo, por pobres e marginais. Esse conceito chama-se unheimlich, traduzido normalmente por uncanny (em inglês) ou o estranho/sinistro (na nossa língua), o que é distante e familiar ao mesmo tempo, aquilo que, precisamente por ser familiar, desperta temores profundos - uma sensação de "estranheza" - que não conseguimos traduzir em palavras. Ao habitar o que recusa a habitação - entre paredes que nunca se habituarão a uma presença fixa - a câmara de Akerman não precisa de filmar mais do que aquilo que é universalmente familiar - o interior de um hotel - para agitar os fantasmas que nos habitam o espírito, esses sim, em permanência.

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