segunda-feira, 29 de novembro de 2010

O meu star-system

O outro dia falava sobre os meus critérios de gravação/aluguer de filmes na Box/vídeoclube. Tenho dois: primeiro, filmes de realizadores que aprecio, de realizadores "históricos" e de realizadores cujo trabalho conheço mal; segundo, filmes com actores que me enchem, quase sempre, ou sempre mesmo, as medidas.

Nesta última categoria incluo os seguintes nomes: Denzel Washington, Robert De Niro, Al Pacino, Gene Hackman, Gena Rowlands, John Cassavetes, Lee Marvin, Robert Mitchum, Sidney Poitier, Paul Newman, George C. Scott, Humphrey Bogart e Lauren Bacall. Gostava de ver (mais) nomes não-americanos nesta lista - e mais mulheres - mas há pouco espaço para eles na nossa televisão e nos nossos vídeoclubes. Uma pena, porque acho que há público para outros cinemas, para outras caras...

domingo, 28 de novembro de 2010

A selvajaria intelectual continua e continua


Salvo um ou outro comentador do futebol, como Luís Freitas Lobo ou o treinador Carlos Carvalhal, a maioria dos opinion makers do futebol é, no mínimo, execrável. Mesmo não fazendo mais nada na vida - e provavelmente só conseguindo mesmo descodificar o óbvio num jogo de futebol -, certos comentadores exibem, sem que ninguém faça caso, uma clamorosa ignorância em relação não só ao passado longínquo como, o que é mais indesculpável, aos factos recentes do futebol nacional. Ouço na TVI algo como isto: "neste jogo o Benfica não está a acertar com os cantos".

Mas, ó senhor comentador, você, que não deve fazer mais nada na vida que ver jogos de futebol - coisa complexa, como todos sabemos... -, não viu o jogo do Benfica contra o Hapoel de Tel Aviv? Não viu quantos cantos o Benfica desperdiçou? Não viu a permeabilidade da equipa a marcar e a sofrer cantos? Cantos e livres, meu caro comentador, são o calcanhar de Aquiles do Benfica deste ano. David Luiz e Roberto - sobre o qual pende, hoje, a mais humilhante condescendência jornalística - que o digam.

Enfim, ocupam-se horas diárias a discutir algo que só merecia, quanto muito, uns minutitos de conversa, para depois termos de levar com a opinião ou mau jornalismo destes ditos especialistas da bola que raiam a ignorância fascizante ou um histerismo sabujo de bradar os céus (vide tudo o que o senhor Nuno Luz faz).
Pronto, já me queixei. Agora vou ver o Rui Santos comentar a jornada antes do "Tempo Extra", espaço onde Rui Santos - a gralha aqui é a televisão que temos - comenta durante mais de uma hora, precisamente, a jornada que acabou há minutos... Uma televisão com Alzheimer.

sábado, 27 de novembro de 2010

Programação de cinema na RTP2 (XXXIII): na TSF de viva voz

DOIS MIL TREZENTOS E TRINTA

(clique na imagem)

Para quem percebe destas coisas do jornalismo, não é preciso eu dizer que uma estação como a TSF tem de citar Jorge Wemans no JN, porque este ignorou as suas chamadas.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

O declínio da aura

Abbas Kiarostami, "Copie conforme" (2010)

Este declínio [da aura] prende-se com duas circunstâncias, ambas correlativas à importância crescente das massas na vida actual. com efeito, encontramos actualmente nas massas duas tendências igualmente fortes: por um lado exigem que as coisas se lhes tornem espacial e humanamente "mais próximas", por outro tendem a colher as reproduções, depreciando aquilo que é único.

Walter Benjamin, "A Obra de Arte na Era da sua Reprodução Técnica" (1936), Parte III

(Sim, sou suficientemente pouco "original" para citar este texto. A razão é boa: o excelente último filme de Kiarostami, que está nas salas a partir de hoje.)

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Programação de cinema na RTP2 (XXXII): equívocos

DOIS MIL DUZENTOS E VINTE SEIS

Dois equívocos que tenho encontrado: 1. "não assino esta petição porque também falta teatro, música, literatura na RTP2"; 2. Uma fatia de pessoas parece considerar esta petição como coisa "pouco importante" (o cineasta António-Pedro Vasconcelos é uma delas).

Bem, quanto ao ponto 1, repito que as petições, como métodos democráticos que são, não podem ser EXCLUDENTES - a nossa não é excepção.

Quanto ao ponto 2, pergunto: num tempo em que estamos todos a apertar o cinto, não é importante denunciar aquilo que pode ser uma gestão irresponsável, danosa mesmo, de uma empresa 100% pública?

Como já disse, e repito, não podemos andar a brincar às televisões privadas no coração do serviço público. Não podemos.

Assine.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Vive Dreyer vive!

"The Village" (2004) de M. Night Shyamalan

"Stellet licht"/"Luz Silenciosa" (2007) de Carlos Reygadas

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Programação de cinema na RTP2 (XXXI): que RTP2?

DOIS MIL CENTO E CINQUENTA E DOIS

Jorge Wemans, director de programas da RTP2 destaca que a estação pública "é a única a emitir todas as semanas um filme às 22.30horas (mais nenhum canal emite cinema em prime-time)". "Emite em média 17 filmes portugueses por ano, além de dar atenção às cinematografias europeias - em média mais de 40 por ano", aponta, sustentando que a emissão cinematográfica na Dois se faz "dentro da contigência dos filmes disponíveis e das condições orçamentais".

Eu não sei como qualificar estas palavras do senhor Wemans. Só me ocorre dizer aquilo que acho que deve ser dito: absolutamente lamentáveis. Para além de fazer o auto-elogio absurdo de passar, em média, 17 filmes portugueses por ano - TANTOS! Não é? -, refere ainda que "dá atenção às cinematografias europeias", porque - lá vêm os números outra vez, qual empresário televiseiro - mostra, em média, 40 destes filmes por ano. Primeiro, este sistema de quotização, espécie de celebração acéfala da tecnocracia televisiva, é sintoma claríssimo da forma indigna como o cinema é tratado - é só mais um "conteúdo televisivo", não é verdade?

A retórica dos números funciona sempre bem, mas atendamos ao seguinte: senhor Wemans, 17 filmes portugueses por ano? Que filmes? senhor Wemans, 40 filmes europeus por ano? Que filmes? E, depois de me responder, pergunto-lhe logo a seguir: "E, senhor Wemans, de que forma os mostrou?". (Até foram buscar o Mário Augusto à "concorrência"... que, por sinal, lhe deve estar a sair muito barato... tendo em conta as "condições orçamentais"...)

Contrato de Concessão de Serviço Público - CCSP

Cláusula 10.ª
Segundo serviço de programas generalista de âmbito nacional

(...)

13. Tendo em conta o disposto nos números 1, 2 e 5 e nas alíneas b), d), c), g), h) e i) do n.º 2 da Cláusula 7.ª, o segundo serviço de programas generalista de âmbito nacional deve incluir, no mínimo:

(...)

c) Espaços regulares de divulgação de obras cinematográficas de longa-metragem do moderno cinema português, o que inclui produções dos vinte anos anteriores à transmissão;
d) Espaços regulares dedicados à cinefilia, com uma forte componente pedagógica, que contextualizem as obras difundidas na história do cinema;
e) Espaços regulares dedicados ao cinema europeu e a cinematografias menos representadas no circuito comercial de exibição;
f) Espaços regulares dedicados a curtas-metragens e ao cinema de animação
;


Ah, foi em "prime-time", num sábado à noite... Vejam só: "nenhuma estação passa em prime-time cinema". Pois claro, mas isso não evita que a RTP2, à luz do seu passado riquíssimo e à luz das exigências da LEI, seja hoje um canal descaracterizado, que é público, mas tem estratégia de um privado... de cabo. Não podemos andar a brincar às televisões privadas no coração do serviço público. Não podemos.

CCSP

Cláusula 6.ª
Objectivos do serviço público

Para além da sua vinculação aos fins da actividade de televisão a que se refere o artigo 9.º da Lei da Televisão, a Concessionária tem como objectivos específicos:

(...)

b) Promover, com a sua programação, o acesso ao conhecimento e a aquisição de saberes, assim como o fortalecimento do sentido crítico do público;
c) Combater a uniformização da oferta televisiva, através de programação efectivamente diversificada, alternativa, criativa e não determinada por objectivos comerciais;


Questões orçamentais, senhor Wemans? Não posso acreditar que invoque tal razão neste caso: é caro passar uns Tarkovskys e fazer uns "Filme da Minha Vida" versão século XXI? Não é gratuito, mas não consta que sejam gratuitos os talk shows nocturnos que produz, o único formato de talk show que conheço que tem uma equipa diferente por cada dia da semana - nem nos EUA isto acontece!

E, já agora, onde encaixa "5 para a Meia-Noite" e as séries todas que passa, duplicadas com vários outros canais do cabo, nas obrigações do canal? Passam 17 filmes portugueses, em média, por ano? E quantas séries americanas, das que também passam em Foxs e outros canais especializados, passa por ano? Não sei, mas 17 filmes portugueses, 40 europeus ou, que seja, os 98 que a Sessão Dupla passa por ano (segundo o JN) ao pé de mais de 300 "5 para a Meia-Noite" e muitos mais episódios de séries americanas estafadamente divulgadas e conhecidas do grande público por ano é, quanto a mim, mais do que suficiente para expor - se é preciso expor... - o absurdo desta argumentação, de novo, auto-vimitizante e pequenina.

sábado, 13 de novembro de 2010

Nova trilha (XXV): Streep e Ferré

Meryl Streep (e Clint Eastwood) em "The Bridges of Madison County" (1995) de Clint Eastwood


A versão de Carlos do Carmo e Bernardo Sassetti - com um ending diferente - é magnífica e pode ser ouvida aqui.

Ruhr (2009) de James Benning


Nós estamos de tal modo "envenenados" com narrativas - dos jornais, dos filmes, da publicidade...- que me pergunto se um filme como "Ruhr" é o último degrau do cinema ficcional antes mesmo que o primeiro degrau do documentário. Olho para o plano da pequena rua na cidade alemã. Sou obrigado a olhar, a olhar mesmo, face à duração do plano. Cada pequeno objecto - um carro, uma pessoa, uma folha de uma árvore - que se mexe é um verdadeiro acontecimento, leva-nos a ver nele uma espécie de patético dramático do real, que ainda não tinha sido levado a ver noutros filmes.

A estase do plano fixo - fotográfico - é arrepiado por movimentos pontuais do objecto filmado. Quando tal acontece, parece que descobrimos pela primeira vez o cinema. Uma espécie de retorno primitivo à experiência da Sétima Arte: quando o cinema ainda era classificado como "fotografia em movimento". Num plano, Benning faz-nos viajar no tempo muito além do quadro apresentado. No fora de campo está, enfim, o Cinema quando a Fotografia entra em cena ou a Fotografia quando o contrário acontece. Isto parece-me, de facto, extraoardinário.

Por outro lado, Benning é um verdadeiro artista avant-garde. Os seus filmes questionam os limites do medium como poucos. A sua insistência num modelo formal rígido, que pouco ou nada mudou desde os anos 70, é uma postura eminentemente política, uma espécie de militância contra os "ritmos" das imagens do mainstream. E, de facto, Benning é um cineasta político tanto quanto é um cineasta "que filma paisagens perdidas" como "realidades de outra dimensão" ou "ângulos mortos da mente" (na acepção de Kracauer). Actualmente, voltando à nossa existência sobrecarregada de narrativas, pergunto quantos de nós perdemos alguns minutos a contemplar a rua a partir da nossa janela? Eu pergunto quem se atreveria, hoje, a procurar uma narrativa NÃO mediada; a parar, observar e encontrar no que vemos e tocamos uma forma de comunicação? A mediocracia é interrogada por Benning, quando este nos põe a pensar e nos leva, a mim levou, a concluir: eu só ACEITARIA ver a minha rua, a partir da janela do meu quarto, se alguém ma filmasse por mim daquele sítio; se alguém ma mediasse. "Olá, o meu nome é Luís Mendonça e sou mediadependente. Olááá Luís."

Os efeitos da mediação tecnológica são, assim, QUESTIONADOS por estas experiências avant-gardes. Curioso também que o avant-garde esteja hoje virado para a conservação do tempo, a diminuição ao mínimo desse ruído mediático e mediatizado, quando, nos primórdios do cinema, junto dos cineastas experimentais do surrealismo por exemplo ou depois junto dos cineastas beat (tão importantes para a estética do vídeoclipe dos anos 80), o que era motivo de desafio era precisamente romper com a barreira do tempo; o tempo era prisão. O tempo é, hoje, libertação - e um luxo. O espaço, por sua vez, parece surgir, finalmente como sujeito/assunto, na sequência dessa libertação.

E, com tudo isto, quero também dizer que estou a pensar escrever um filme baseado no plano de Ruhr que destaco acima. Se tiver dinheiro, um tio rico ou um produtor à mão, entre em contacto comigo. Tenha a bondade de auxiliar...

Texturas da pele e a sua geografia em close-up

Alain Resnais, "Hiroshima mon amour" (1959)

Any huge close-up reveals new and unsuspected formations of the matter; skin textures are reminiscent of aerial photographs, eyes turn into lakes or vulcanic craters.

Siegfried Kracauer, in Theory of Film: The Redemption of Physical Reality (1960), Princeton, p. 48

Etc.

pusssplimpluuumb brrruumplumplimm plummmmm vazuummm*

"Chappaqua" (1966) de Conrad Rooks

"The Trip" (1967) de Roger Corman

*- E assim sucessivamente...

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Os limites patéticos e convencionados do womanly feeling [Kurokawa's (un)fortunate man]

Kôji Wakamatsu, Kyatapirâ/Caterpillar (2010)

At last Aurelia is in serious perplexity as to what she ought to do. She still loves her Breckinridge, she writes, with truly womanly feeling--she still loves what is left of him but her parents are bitterly opposed to the match, because he has no property and is disabled from working, and she has not sufficient means to support both comfortably. "Now, what should she do?" she asked with painful and anxious solicitude.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Rio Bravo (1959) de Howard Hawks (II)

Como prometido, passo de seguida a palavra a quem sabe. Ao grande hawksiano do cinema contemporâneo: John Carpenter. Os excertos que apresento de seguida foram retirados do comentário áudio que este fez ao filme, para uma das suas mais recente edições DVD da Warner Brothers.

Dois apontamentos prévios são necessários: primeiro, o comentário áudio da edição supracitada é partilhado entre Carpenter e um teórico de Hawks, Richard Schickel, com especial enfoque para as palavras deste último, o que lamentavelmente retira espaço ao realizador de "The Thing"; segundo, a tradução que faço aqui é muito livre, face à dificuldade natural de estar a escrever e a ouvir ao mesmo tempo - atente-se mais às ideias que à forma, mas se procura precisão, então recomendo que adquire a dita edição.

Hawks coloca sempre as personagens à frente. O seu cinema é sobre personagens, gestos, troca de cigarros, troca de adereços.

Os seus filmes de aventuras são sobre homens profissionais em perigo. Eles definem-se pela forma como trabalham.

Aqui está John Wayne no seu traje típico de xerife. John T. Chance é o seu nome. Chance era o nome de uma namorada que Hawks teve nos anos 50.

Tudo é geograficamente simples e directo. O filme não sai da cidade, hotéis, prisão... só no fim, na cena do tiroteio, o filme se alarga geograficamente.

Como em To Have and Have Not, o romance acontece num hotel. Aqui também acontece num hotel. Algumas cenas e diálogos são iguais. Hawks faz isso muito; recicla as suas próprias ideias. Como ele dizia, "I like to steal from myself".

Chance and Stumpy. O amor entre homens é outro grande tema dos seus filmes.

Neste filme, o ritmo é lento. Hawks não tem qualquer pressa em contar as suas histórias.

Esta sequência é uma das minhas favoritas. Os dois homens fazem a patrulha na cidade, um paralelo ao outro. É uma sequência filmada com enorme simplicidade, mas resulta quase num ballet entre dois homens.

Os cenários não são muito trabalhados, autênticos, como num filme de Sergio Leone. Hawks filma as suas personagens em sets algo standardizados de Hollywood.

Como em To Have and Have Not, a ligação entre a personagem masculina e feminina acontece com base numa desconfiança da primeira em relação à segunda, que se revela infundada.

Angie Dickinson, uma das grandes actrizes de Hawks, junto com Lauren Bacall. Penso que ela tinha 19 anos nesta altura. John Wayne tinha 50 anos. É estranho pensar que aceitamos o romance, tendo em conta a diferença de idades.

Hawks era um engenheiro, ele abordava os filmes como um engenheiro. Um trabalho de câmara simples e straightforward. Tudo é pensado, não há excessos. Ele não sente qualquer necessidade de acelerar o seu ritmo nesta altura.

Chegamos a uma das maiores cenas de Rio Bravo. Dean Martin fere o criminoso perseguido, este esconde-se no bar. Wayne pergunta a Dean Martin se ele é "good enough", se tem confiança para fazer o que tem de fazer.

Aqui não sabemos o que acontecerá. É uma cena cinematicamente genial. Dean entra pela frente e Wayne por trás. Dean Martin faz as perguntas... Tudo muito funcional.

Lá está o homem que eles procuram. Hawks mostra-nos a nós, mas Dean Martin e John Wayne não sabem que ele está ali.

Toda a sequência é sobre reclamar a dignidade. Reclamar-se a si próprio... este é o apontamento moral que Hawks faz.

Temos a música de Dimitri Tiomkin, com um toque de jazz. Agora repete-se a sequência de To Have and Have Not, em que Bacall beija Bogart.
Começamos aqui com uma das sequências mais conhecidas. Replicando um gesto em Red River, Ricky Nelson atira a riffle a John Wayne.

Aqui temos uma das melhores cenas entre Dean Martin e Wayne. A sequência anda à volta de dois temas hawksianos: profissionalismo e competência.


Aqui temos a cena da redenção de Dude. É tudo feito sem palavras. É um momento magnífico.

Aqui começa uma sequência, que Hawks usa noutros filmes. Em Only Angels Have Wings, por exemplo. Quando uma personagem é admitida no grupo, num filme de Hawks, normalmente as personagens cantam e tocam. Em El Dorado Hawks volta a filmar uma sequência com as personagens a cantar. Mas o filho de Hawks disse "pai, um xerife não canta". E, por isso, Hawks tirou essa sequência.

Hawks odiava High Noon, porque nenhum xerife profissional anda para aí a pedinchar ajuda. Rio Bravo é como que uma reacção a isto.

Hawks costumava chamar os seus actores ao set e discutia com eles, "à volta de uma mesa", as falas desse dia. Parece-me um modo muito humano de trabalho.

Rio Bravo está a terminar. É Hawks e Tiomkin no seu melhor. É muito simples: são apenas homens a descer a rua. Mas a música é fabulosa, dá-lhe heroísmo. Não sei se não será influenciada por Yojimbo, não sei ao certo. Agora vamos para uma gloriosa sequência de acção: excitante, divertida... Agora o grupo reúne-se.

Hawks coreografa tudo. Sabe onde cada actor deve estar, mostra-nos a localização, mapeando o espaço para o espectador. É como olhar de cima para um mapa.

Hawks realizava com graciosidade e simplicidade. Como Clint Eastwood, a sua câmara está sempre na posição certa, sem chamar a atenção sobre si mesma.
Isto é um replay de To Have and Have Not. Wayne não quer que vejam Feathers vestida daquela maneira. Eles cimentam o seu amor aqui.

Rio Bravo é um filme cheio de humor, divertido, old fashion, vai beber aos anos 30 e 40, mas também tem as cores dos anos 60. Tem acção... tem tudo. Para mim, este é um dos grandes westerns de sempre. A performance de Wayne não estará ao nível de um The Searchers, mas é seguramente mais real.

É curioso: este filme reflecte o que há de melhor em Hollywood. Um filme divertido de ver, popular no seu tempo e ainda hoje. É lento e elegante, como um pedaço de música clássica.

Aproveito esta oportunidade para publicar na íntegra a análise que fiz a "Hatari!" (1962) para a revista Red Carpet há dois anos. Nela elenco muitas das características do universo Hawks já bem presentes em "Rio Bravo".

domingo, 7 de novembro de 2010

Não me esquecerei ou obrigado Manuel Cintra Ferreira


Nunca o conheci pessoalmente, mas sempre o admirei, pelo seu profissionalismo e dedicação à Sétima Arte. É o mais antigo e respeitado crítico de cinema nacional, mas isto é dizer pouco. Pelo menos, para mim.

Manuel Cintra Ferreira deu, muito recentemente e por mail, um contributo fundamental para a minha tese de mestrado. Foi exemplar a forma solicita e aberta com que o fez. Era um respeitado grande profissional da crítica e da programação cinematográficas? Sim, mas também era, estou certo disso, um grande homem. Gostava de o ter conhecido pessoalmente...

Não sou ninguém, mas quero dedicar-lhe, do fundo do coração, estas palavras.

Rio Bravo (1959) de Howard Hawks (I)


Sempre adorei "Rio Bravo", mas revê-lo hoje, passados alguns anos sobre o primeiro visionamento, é uma experiência superior. De facto, não só estamos num dos pontos mais altos da carreira de Hawks como temos um filme a provar uma coisa que parece escapar a muita gente: Hawks é um cineasta moderno. Fez, naturalmente, alguns dos melhores filmes clássicos, nomeadamente, fundando o género da screwball, mas é em 1959, quando o modelo clássico (griffithiano) de Hollywood retraía-se face às novas vagas europeias e a um novo cinema independente que, dentro de casa, a contra-atacava, dizíamos, é em 1959 que Hawks faz a sua obra-prima. Não quero comparar o feito alcançado com um "A bout de souffle"? Quero. Não quero comparar o feito alcançado com um "Shadows"? Também quero.

"Rio Bravo" sintetiza duas ideias, a meu ver, inovadoras para a época: primeiro, uma desarrumação da ideia de plot em três actos provinda da Hollywood clássica e, segundo, complementarmente, um filme construído todo a partir das suas personagens - para quê um Monument Valley, muitos índios e cowboys, se se tem para filmar a beleza inefável de Angie Dickinson? Não há um plot visível em mais de 2 horas de filme: que diferença substancial há entre o primeiro minuto e o último? Digamos que aquilo que Ford contaria em 10 minutos de filme, Hawks conta em 2 horas, seguindo a ideia de um cinema em continuum, quase em tempo real, sem compromissos com qualquer género pré-estabelecido ou receita popular.

Há um cerco e há personagens sitiadas que têm de viver com ele até à chegada do US Marshal que leve o encarcerado tão cobiçado (aqui há um deadline claramente hollywoodesco, mas não é usado para efeitos de suspense ou last-minute rescues hiperdramáticos, leia-se, hipermorais, no final). O que se passa entre o início (in media res) e o fim é personagens em co-habitação. Elas não deixam de dormir (assunto 1), não deixam de comer e beber (assunto 2), não deixam de sofrer com o passado e amar no presente (assunto 1+2).

Tudo isto já estava em potência, por exemplo, no Hawks de "Only Angels Have Wings", mas nunca atingiu este grau de pureza e ousadia - ei, quem diz que "A bout de souffle" é o primeiro filme da Nouvelle Vague ou que "Shadows" é o primeiro filme do novo cinema independente norte-americano? Se diz você, permita-me que discorde (vide "La pointe-courte" ou "Little Fugitive", para o efeito). Hawks faz da decadência de um sistema em que estava inserido, e onde era orgulhosamente apenas mais um "tarefeiro", o pico da sua força: um cinema Do tempo e Do espaço, no fundo, Das personagens.

Como diz Luc Moullet, este é um cinema "da estagnação", característica que o próprio atribui à ideia de cinema moderno, na medida em que Hawks está muito menos preocupado com o plot do que com a exposição das personagens. É isso: "Rio Bravo" é mais de 2 horas de exposição. Claro que os vapores do cinema clássico estão aqui, mas é mesmo só isso: vapor. O corpo é sólido e inerte. Hawks não hesita nem mexe um dedo no modelo estilístico que o rege desde os primeiros minutos. É uma espécie de estado zen do cinema pós-clássico norte-americano, que é radical na sua absoluta falta de radicalismo.

Na parte II deste comentário passo a palavra a quem sabe.

Programação de cinema na RTP2 (XXX): triple X ou post sobre a aprendizagem do amor

MIL OITOCENTOS E SETENTA E QUATRO

Já se escreveu muito no nosso blogue e página no Facebook sobre a evolução desta iniciativa, os seus ganhos diários em matéria de apoio popular - que agradecemos - e também as pequenas reflexões, nossas e dos nossos subscritores, que temos promovido.

Desde já, queria agradecer ao Knoxville pela nomeação do blogue da petição para os Blog Awards. Agradecemos a nomeação e, acima de tudo, as palavras que nos dirige, que só nos dão força para continuar. Mas, face a elas, tenho um statement a fazer: só considerarei esta iniciativa um sucesso se esta trouxer alguma consequência visível na programação de cinema na RTP2. Uma consequência que se quer, naturalmente, para melhor - para pior também é difícil, não é verdade?

É que a RTP2 tem-se especializado numa espécie de exposição enfadada do cinema, quase como se fosse uma injecção que a "gentalha" cinéfila tem de levar ao sábado... num sítio que eu cá sei. É indigna a forma como a Sétima Arte é tratada no segundo canal e espanta-me que tanta comunicação social tenha feito pouco ou nada para denunciar este claro atropelo ao conceito de serviço público, aos valores da promoção e divulgação culturais. Como nos disse João Milagre em entrevista, parafraseando Nietzsche, "é preciso aprender a amar". Acho que um canal como a RTP2 pode (voltar a) ter como função ensinar as pessoas a "aprender a amar", coisa que tem sido totalmente descurada pelo actual director de programas.

O seu discurso atabalhoado e pesporrente, numa conferência que se realizou (curiosamente) na minha faculdade, FCSH-UNL, e na presença de Inês de Medeiros (ver vídeos abaixo), é denunciador de um fechamento de ideias, de uma espécie de auto-desculpabilização/vitimização que paralisa. Um vazio caótico que tem imperado no segundo canal há cerca de 5 anos, sem contestação de relevo por parte da comunicação social e, diga-se, da própria sociedade civil.

Inês de Medeiros, como também é evidente num dos vídeos, parece remar no sentido dessa aprendizagem, pela televisão, de modos de ver o mundo diferentes daqueles que a programação "para as massas" oferece. A RTP2 tem remado no sentido de uma aproximação pouco imaginativa ao modelo das demais televisões generalistas, numa tentativa de ser Panda durante o dia, FOX no prime time e SIC Radical mais à noite - e no meio lá enfiam os programas religiosos e da sociedade civil. Isto faz algum sentido, face ao que é hoje a televisão?

Não precisamos de um canal público, com dever de promover A DIFERENÇA, a duplicar programações de estações privadas com fins lucrativos. Isto é, quanto a mim, ultrajante. Por isso, volto a dirigir-me a quem me lê: se não assinou, assine, pois esta é uma questão que toca a todos, um princípio de uma batalha pelo saneamento (no sentido que Jon Stewart já deu ao termo nos EUA ou no sentido que o nosso dicionário lhe dá, porquanto sanear é "tornar apto para a cultura") da nossa televisão, no fundo, do nosso país. E, com certeza, sem diabolizações...

Já agora: estes vídeos NÃO foram realizados pelo Kiarostami. Claramente NÃO.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

The Sin of Harold Diddlebock (1947) de Preston Sturges


Cá está um case study algo esquecido na história do cinema: "The Sin of Harold Diddlebock" ou "Mad Wednesday". Dois títulos pelo qual é conhecido o último filme com Harold Lloyd, realizado e escrito por Preston Sturges. Como dizem os créditos de abertura: "An Original Screenplay Written and Directed by Preston Sturges". O rol de ironias começa aqui e apercebemo-nos disso logo a seguir: "Mad Wednesday" abre com... "The Fresman", longa-metragem realizada em 1925 com o célebre slapstick comedian do mudo, Harold Lloyd.

No seu tempo, Lloyd foi tão ou mais popular que Keaton, enchia salas com os seus filmes repletos de stunts tão arriscados - aqui não há CGI, meus pequeninos... - quanto arrojados, mas frequentemente mais delirantes que arriscados e arrojados. Ver a obra de Lloyd é um regalo para os olhos: o efeito especial aqui é o corpo de Lloyd, os mal-entendidos e o caos que aquele gera. "Girl Shy", "Safety Last" e, claro, "The Freshman" são algumas das suas maiores obras-primas. Sturges pega na última para começar um filme, mas não um qualquer. É o último filme de Lloyd e, estou certo, este sabia-o. Apesar de ainda ser novo em 1947 - tinha 52 anos - o actor saberia que não voltaria ao cinema, face à forma como o sonoro proscreveu as suas maiores estrelas - Keaton e Stroheim, só para dizer dois nomes.

Mas, voltando a este filme de Sturges, o realizador de "Sullivan's Travels" e "The Palm Beach Story" resolveu recuperar Lloyd e a memória do seu cinema; abriu o seu filme com as últimas imagens de "The Freshman", sendo que a nestas introduziu um conjunto de subtis reedições, por forma a conduzir um clássico mudo do burlesco para o presente, mais de 20 anos depois... Para o efeito, Sturges repegou na sequência antológica do jogo de futebol americano em que o "águas" Harold Lloyd, um caloiro ridicularizado por todo o campus universitário, se revela um feroz avançado que ultrapassa os seus adversários com uma técnica assaz sui generis.




Excerto de "The Freshman" (1925) de Fred C. Newmeyer & Sam Taylor


O mesmo excerto de "The Freshman" remontado por Sturges em "The Sin of Harold Diddlebock" (1947). ATENÇÂO: o presente excerto está sonorizado (música e som de fundo do público), contudo, não consegui incluir a banda de som na transcrição para a Internet. Apesar disso, este mal pode ter vindo por bem, já que esta sequência é muda "de raiz". A parte falada (perto do fim) está legendada. O excerto foi extraído do DVD da BACH FILMS.

É absolutamente obrigatório ver os dois vídeos em simultâneo


Comparando a sequência de 1925 com a de 1947, constatam-se algumas diferenças curiosas: Sturges, agora com a possibilidade do som, descarta intertítulos, usando pequenos artíficios (como um insert) para conferir clareza à narrativa. Altera um ou outro gag (nomeadamente o que diz respeito a um som que a personagem de Lloyd confunde com o apito do árbitro) e, muito importante, inclui uma personagem nova, um homem forte da publicidade que entregará a Lloyd, no final do jogo, o seu cartão, prometendo-lhe trabalho.

Já estamos aqui fora do universo do filme de 1925, do cinema mudo, do tempo em que Lloyd era uma Estrela planetária. Passamos, a partir daqui, como em "Sullivan's Travells", para a realidade dura num registo desencantado: Lloyd vai ter com o dito publicitário, para lhe reclamar o emprego prometido, mas bate com a cabeça na porta ou quase... O homem diz-lhe, cinicamente, que tem reservado para si um trabalho que lhe dará a gratificação de poder progredir na empresa. Lloyd, ou melhor, Diddlebock - é esse o nome do nosso protagonista - fica numa profissão precária e pouco estimulante de secretário durante vários anos.

O seu envelhecimento, sem glamour ou delírio, longe dos tempos de "The Freshman", culmina com o despedimento. A partir daqui, este homem bondoso começa a beber, não muito, na realidade, basta-lhe um copo para soltar a fera que estava adormecida dentro de si. Uma "quarta-feira louca", à custa de um copito de um cocktail de bar, transforma Diddlebock no freshman de outros tempos. Enérgico, tempestuoso, caótico, histriónico, desastrado, mas sempre com coração quente, Diddlebock envolve-se numa série de trapalhadas à volta de um circo que adquiriu quando estava ébrio.

"Safety Last!" (1923) de Fred C. Newmeyer & Sam Taylor


"The Sin of Harold Diddlebock" (1947) de Preston Sturges


O Lloyd acrobata, na corda bamba, regressa em pleno na cena vertiginosa do edifício, citação clara a "Safety Last!", filme que, como este, ironizava muito com o mundo cínico dos negócios e do marketing. O seu jeito com animais ferozes - um leão domesticado - é proporcionalmente inverso ao seu jeito com as mulheres, sobretudo, uma das mulheres que ama - as outras eram suas irmãs, "eu amo a mesma mulher, mas em vários corpos", aponta a certa altura Diddlebock. Aqui sentimos o "Girl Shy" de 1924 a descer sobre si: uma misoginia benigna que também podemos encontrar na screwball comedy de Hawks "Bringing Up Baby", onde as feras são um tigre - aqui é o tal leão - e a personagem feminina - por intimidarem a masculina... "Mad Wednesday" é, portanto, um dos mais inspirados filmes-filmes, um olhar terno - sem mágoa, mas muita ironia - sobre um grande homem que fez rir às gargalhadas - e continua a fazer rir! - gerações e gerações de espectadores.

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