sexta-feira, 31 de maio de 2013

Abram alas para o dossier 'Raoul Walsh, Herói Esquecido' (IX)


Estamos próximos do fim do dossier e, por isso mesmo, recuamos até ao início de tudo, quando Walsh era jovem, quando Walsh era actor, quando Walsh era realizador e ainda tinha dois olhos. Tinha dois olhos, mas o seu cinema não tinha voz. A viagem que João Lameira nos propõe será uma revelação para muita gente, já que pouco se celebram os seus poucos filmes que sobreviveram à transição para o sonoro. "Raoul Walsh: o nascimento de um cineasta" é um texto imprescindível para se compreender "de onde vem" a fulgurante carreira de um dos mais visionários cineastas de sempre. Leia tudo aqui.

quinta-feira, 30 de maio de 2013

Da-reun na-ra-e-seo (2012) de Hong Sang-soo


Belíssimo boy meets girl sobre uma "estrangeira" francesa e um nadador salvador coreano ou, indo à literalidade da expressão inglesa, "life guard" ("guardador de vida"). Ela busca um farol, uma espécie de orientação numa terreola coreana onde não há nada para fazer ou para ver para além do tal "pequeno farol". Ele procura uma fonte de inspiração, para uma canção, para uma troca de palavras "perdidas na tradução", para um mergulho no mar, para uma noite (noite e dia, claro) de amor na sua tenda. Os dois procuram o mesmo, para lá de qualquer barreira temporal. O primeiro elemento desconcertante em "Noutro País" prende-se com o facto de Huppert se desdobrar em personagens que obrigam o filme a sucessivas reencenações burlescas, onde cada gesto fora do previsto, que introduza a diferença na repetição, se converte num novo e refrescante acto de comunicação.

Este é um traço que o espectador português não encontrara no marvilhosamente rohmeriano "Noite e Dia". Não se pode dizer que a influência francófona, a tal aragem leve e o registo de conto sentimental, se tenha perdido, contudo, o jogo com o tempo, na repetição e na diferença que dela sobressai, radiosa, desbrava novos territórios no cinema de Hong. Esta "mudança" justifica-se, desde logo, pela pobreza da paisagem: num local onde nada há para ver e em histórias dominadas pela ideia de "espera", é preciso preencher vazios. E esses vazios são colmatados com a tal fractura temporal, o "eterno retorno" da mesma história (inconcretizada? Inconcretizável?) de amor. Em toda(s) esta(s) história(s) o toque desajeitado, deslocado, das acções é o mais imediato ingrediente de desconcerto, tendo este, enfim, esse poder de "transformar a paisagem", de tornar o farol sempre diferente (mesmo quando não se vê, mesmo quando é só "uma palavra") e a tenda (onde vive o "guardador de vida") num baluarte de infinitas possibilidades.

As mais ou menos subtis reconfigurações do que já é familiar fazem de uma paisagem vazia, desinteressante, um espaço poliédrico, tão efectivamente finito quanto virtualmente ilimitado. Sem nunca sobrecarregar a narrativa com este dispositivo - e o primeiro mérito do filme é esse -, Hong vai-se deliciando e vai-nos deliciando com a introdução de pequenos erros - erros que se traduzem em novas ideias de cinema, em novas soluções de mise en scène - que desconformam a efectiva repetição dos lugares e reconfiguram os laços entre as personagens, sobretudo entre as mesmas "figuras". Aliás, pese embora todas as "variações" (quase musicais) da sua narrativa em loop, "Noutro País" é sempre e só, essencialmente, a história de um homem e de uma mulher, o que só demonstra que o grande gesto estético conseguido aqui se sintetiza numa "constância na diversidade" que, num movimento solto e descomplicado, preenche o vazio da realidade que a narradora (no filme) nos oferece sempre como um dado. Quanto ao farol, ele, sem esforço e muito naturalmente, aparecerá à sua frente.

terça-feira, 28 de maio de 2013

domingo, 26 de maio de 2013

Abram alas para o dossier 'Raoul Walsh, Herói Esquecido' (VII)


Neste texto do nosso convidado especial Paulo Ferrero (do blogue Cine-Australopitecus) recuamos no tempo, mais concretamente, até aos dias em que Walsh tinha dois olhos, mas, para (des)compensar, o seu cinema era mudo ou, sendo exacto, surdo. "The Thief of Bagdad" lança o mote para uma viagem pelas memórias cinéfilas, por filmes e salas de cinema, deste blogger amigo. Leia tudo aqui.

sábado, 25 de maio de 2013

Abram alas para o dossier 'Raoul Walsh, Herói Esquecido' (VI)


Ricardo Vieira Lisboa escreve sobre "mulheres, moedas, mercadorias e munições" no cinema de Raoul Walsh. Trata-se de uma detalhadíssima análise de parte substancial da extensa obra do realizador de "Colorado Territory". De Lupino a Jane Russell, passando obviamente pela estonteantemente bela Virginia Mayo - uma favorita minha. Leia tudo aqui.

quarta-feira, 22 de maio de 2013

Abram alas para o dossier 'Raoul Walsh, Herói Esquecido' (V)


"Por bares, speakeasies, clip-joints e honky-tonks…" começa em "The Naked and the Dead" e termina em completa rebaldaria. O texto de João Palhares, exclusivo do dossier "Raoul Walsh, Herói Esquecido", é uma viagem à borga feita à pala de Walsh: mulheres de belas pernas, danças provocadoras, cantorias e muito álcool. Mais um momento saborosíssimo - na realidade, o mais tentador deles todos, até agora - no nosso dossier. Leia o texto aqui.

terça-feira, 21 de maio de 2013

La fille de nulle part (2012) de Jean-Claude Brisseau


No final da sessão, fui atingido por um momento aparentemente irrelevante situado perto do fim, quando a personagem de Brisseau diz à rapariga do título, a pequena loirinha que veio de nenhuma parte, que não gosta de andar na rua sem dinheiro, que isso o faz sentir despido. Não me pareceu imediato o porquê desta reincidência minha logo após a assombrosa sessão. Mas, de facto, pensando bem, "La fille de nulle part" é um filme frágil, feito com poucos meios, quase denunciada ou desavergonhadamente pobre, mas ao mesmo tempo revelador (revelador no sentido freudiano) de uma nudez rara e riquíssima. O íntimo de Brisseau é posto a nu como todo o filme é uma busca pelo oculto, pelo invisível, por aquilo que se esconde...

Aliás, a impossibilidade de um interior é desde logo ensaiada no espaço da sua casa, povoada por livros, DVDs, cassetes, fotos antigas de actores e actrizes. Como pode haver interiores se tudo remete para fora, para uma memória intensa que forra, em altura, aquelas paredes? Em certo sentido, este é um filme de paisagens, de "abismos" constantes, que se desvelam não só na superfície diegética, por exemplo, na tese sobre a fé, o mito, a ciência, o desconhecido, mas desde logo aí, nessa arqueologia da memória e do tempo que decora - de modo nada decorativo... - a casa. Por mais que uma vez, em instantes nucleares, vemos na estante o DVD de "Vertigo", filme de aparições, reencarnações, mas sobretudo obra sobre o amor, o desejo e a morte. Não será esta a grande trilogia deste filme - ou será de todos? - de Brisseau?

A economia de imagens deste filme - a tal pobreza que esconde uma riqueza constantemente em revelação - parece um traço de amadorismo no pior dos sentidos, mas será por ela que iremos melhor aceder ao íntimo do protagonista, ao mesmo tempo que nos espantaremos renovadamente com truques mélièsianos, geradores de fantasmagorias absurdas e antiquadas. O tempo está cansado, saturado de passado, e o cinema ressente-se, quebra, entorpece... Eis o filme menos ágil do mundo e, neste ano de 2013, dos mais significativos, intensos ou, justamente, românticos. (Também foi graças a ele que nasceu o texto de cinema mais belo do ano, pelo menos até agora.)

segunda-feira, 20 de maio de 2013

Abram alas para o dossier 'Raoul Walsh, Herói Esquecido' (IV)


Aqui está o meu texto, produzido em exclusivo para o dossier "Raoul Walsh, Herói Esquecido". Mac-mahonismo e política de autores, mise en scène, ecrã, Michel Mourlet, muito Michel Mourlet..., André Bazin, realismo e ética, o "map movie", Dave Kehr, muito Dave Kehr..., as várias "peles" de Walsh, dinheiro e mobilidade social, o "desvio" feminino, o corpo e o fetiche por pés e o remake ou o "problema" de "Os Nus e os Mortos". Isto e muito mais num longo trabalho que agora o site À pala de Walsh torna público aqui.

sábado, 18 de maio de 2013

Cinemateca Portuguesa: por uma direcção mais efectiva


O requerimento elaborado pelo grupo parlamentar do PCP sobre a "Situação da Cinemateca" parece ter tudo lá dentro, até conta com frases de algibeira tão habituais como "reais intenções da política de direita". Não duvido da seriedade de quem elencou o que está em falta e o que deve ser feito, mas não posso deixar de notar a ausência aqui de um objectivo fundamental, que é garantir que, mesmo com o dinheiro pedido, a Cinemateca não volte a cair, ou melhor, a decair na sua missão e na sua imagem. É que - como adiantei aqui - o início da derrocada remonta pelo menos aos tempos do governo anterior, cujas reais intenções tinham supostamente sinal político contrário...

Na minha opinião, só repensando o modelo de sustentabilidade da Cinemateca é que se pode assegurar o futuro desta magnífica instituição. Para tal, quanto menos Estado e mais autonomia, melhor. A negociação com o Estado deveria talvez ir por aí - e o documento do PCP aborda já esta questão, quando refere formas alternativas de obtenção de receita -, face até à monstruosa quantidade de problemas acumulados ao longo do mandato desta direcção, problemas que neste momento fragilizam enormemente, ainda para mais na actual conjuntura político-económica, a imagem pública da instituição. Aliás, assiste-se hoje não à indignação geral, mas à quase total apatia da sociedade civil, começando logo pelos utentes e amigos da Cinemateca. Despejam-se uns comentários levianos - como "bandidos" ou "gatunos" - no Facebook, diaboliza-se a governança - quando a situação vem já do governo anterior e quando já vamos no segundo secretário de Estado da Cultura - e segue-se alegremente, dançando e cantando.

Penso que para haver uma mudança de facto consequente, que retire de vez a Cinemateca desta morte lenta, essa restruturação tem de ser iniciada para lá da actual direcção. Na realidade, e isto pode parecer paradoxal, as funções da direcção deveriam ser mais escrutinadas e, logo, politizadas. Sabemos que a sua nomeação é política - efectuada directamente pelo executivo - mas no exercício das suas funções eu, enquanto utente e amigo da Cinemateca, não encontro qualquer forma de responsabilização ou, usando uma palavras mais cara, accountability, até porque não sei - ou não posso concretizar - que valores e critérios presidem a tal nomeação ou o que move o nomeador nessa escolha - podemos nem saber ao certo quais as "ideias de cinema" que irão nortear o(a) director(a) que aí vem.

Face à crise identitária que assola a Cinemateca desde o desaparecimento de João Bénard da Costa, talvez se justifique voltar a pegar na proposta avançada por João Mário Grilo pouco tempo antes da escolha da actual directora. A futura direcção deverá ser escolhida por concurso público, onde se discutam não só pessoas e ideias de cinema, mas também projectos de viabilização político-económica da instituição. Claro que, para tal, seria necessário provocar, desde já, o debate político e, sem medos, antecipar a dissolução da actual direcção.

sexta-feira, 17 de maio de 2013

Abram alas para o dossier 'Raoul Walsh, Herói Esquecido' (III)


Mais um enorme prazer. O À pala de Walsh acaba de pôr a circular, pela primeira vez na Internet, uma minuciosa e densa análise a "The Roaring Twenties", filme que em português ganhou o título "Heróis Esquecidos", fonte de inspiração para o nome que acabámos por dar ao nosso dossier. A autoria é do Professor João Mário Grilo e a transcrição foi feita por mim, com uns microscópicos ajustes. Fechamos o primeiro capítulo deste dossier com esta (re)publicação de um texto que consta da obra "A Ordem no Cinema", publicada pela Relógio D'Água em 1997. A partir de agora, publicaremos apenas originais, exclusivíssimas reaproximações ao extenso e intenso universo de Raoul Walsh.

(...)

The Roaring Twenties não se limita, portanto, a rever o género, acomodando-se às exigências da censura política e moral dos novos tempos; o engenho da construção de Walsh e Hellinger - a começar pela projecção no passado da história do gangster Eddie Bartlett (James Cagney) - faz dele um filme retrospectivo, uma verdadeira peça de teoria, se não do género, pelo menos de um estilo particular de narrativa, de formas e de personagens.

(...)

Ao colocar a história de Eddie Bartlett no passado, Walsh tem a oportunidade única de fazer o derradeiro filme desse estilo, antes que um outro cinema lhe venha ocupar o lugar, como justamente Eddie diz a George Halley (Humphrey Bogart), no confronto final que os opõe, e os conduzirá à morte: «There's a new kind of cinema you don't understand».

(...)

A guerra tem, de facto, em The Roaring Twenties, uma importância dramática decisiva, a ponto de ser ela que, em última análise, acaba por estruturar a visão de Walsh sobre a América, na transição da década de 20 para a de 30. O retorno a casa dos três soldados - e, em especial, o retorno a casa de Eddie Bartlett, que é quem nos conduz nesse trajecto - é também o retorno a um teatro de guerra urbana, onde a corrupção, os negócios escuros e o submundo do crime ditam as suas leis sobre um país esfacelado pela crise económica e a depravação social.

(...)

A guerra originária - a dos campos de batalha franceses - ecoa, portanto, em The Roaring Twenties como um fantasma avassalador e unificante. Bartlett e George são personagens de uma morte adiada ou - o que não é, precisamente, o mesmo - de uma morte que o filme adia (porque - não o esqueçamos - a enunciação lhe conhece o destino).

(...)

The Roaring Twenties é também um filme habitado por uma estranha e amarga nostalgia. É qua se Walsh parece saber muito bem de onde o género saiu - de personagens (de criaturas) e de um cinema que emerge dos «ruidosos» anos 20 -, parece saber muito melhor onde ele termina: na legalidade optimista e higiénica dos anos 30, que não só coloca no desemprego, na prisão, ou numa reciclagem improvavelmente regeneradora, os verdadeiros «bandidos» que construíram a fama e a fortuna numa América predominantemente ilegal, como ameaça expulsar do cinema (pela censura, pelas leis do mercado) as figuras que outrora lhes deram corpo e substância: personagens, actores, histórias, modos de filmar. É por isso - por esse paralelismo constante e surpreendente - que a já citada fala de Cagney para Bogart, na cena final, assume uma tão grande importância: «there's a new kind of cinema you don't understand». A guerra que estes homens travem é, sobretudo, uma guerra contra o tempo.

(...)

Esta curta sequência - em que Eddie, na sua condição de motorista, conduz Jean a casa - é das mais belas e das mais bem estruturas de todo o filme, porque condensa - muito menos no diálogo do que no modo de filmar - tudo o que o filme não cessa de mostrar desde as primeiras imagens: a projecção temporal das histórias de cada personagem - a cada um, uma história e um tempo -, como a chave de todas as dissensões e rupturas, de todas as proximidades e distâncias.

Walsh serve-se, aqui, do táxi, como uma curiosa máquina do tempo, apoiando-se na dicotomia interior-exterior. Jean está sentada no banco de trás, recortando-se no limite da janela traseira do automóvel (através da qual vemos o exterior) e reflectindo-se, simultaneamente, no retrovisor de Eddie.

(...)

O plano é curto, mas inscreve na topologia da imagem o logro fatal de Eddie, assaltado por uma verdadeira miragem temporal, que não reproduz - e este pormenor é interessante e decisivo - uma qualquer subjectividade psicológica (uma visão), mas o modo realmente físico (óptico) como o personagem se inscreve no espaço e (porque é essa colagem que o filme nunca deixa de promover) se posiciona no tempo: o que vemos que Eddie vê é, portanto, exactamente, tudo aquilo que ele (não) pode (deixar de) ver.

(...)

À excepção desta tomada de vistas - que nos diz que tudo aquilo se passa dentro de um carro em andamento -, Eddie e Jean são personagens que, de facto, experimentam a história de maneiras diferentes e opostas, lembrando muito o que Claudel dizia das viagens de comboio: o passageiro que vai sentado no sentido da marcha olha para o futuro, enquanto o que lhe está à frente é forçado a olhar para o passado.

Leia tudo aqui.

Figuras na paisagem: a fuga essencial (quase sem passado, quase sem futuro)

"Figures in a Landscape" (1970) de Joseph Losey

"Essential Killing" (2010) de Jerzy Skolimowski

Recorte de falas (XXVIII): Jack Reacher

"Jack Reacher" (2012) de Christopher McQuarrie é a adaptação de um best seller ao grande ecrã, mas esta é, literária e literalmente, a história de um detective cool que anda de transportes públicos e está farto de tudo, até de gajas. Tom Cruise interpreta este Dirty Harry da nova geração, exibe os seus abdominais numa cena ridícula, mas também não disfarça nada bem as rugas que lhe "desfiguram" a "carinha laroca" de outros tempos. Posto isto, o recorte que aqui trago não é "de bom tom", até porque sugere que... sim, que todas as mulheres são "hookers". Mas não irei, obviamente, por aí. O que me interessa aqui, neste bate papo de bar, flirt que se revelará nada inocente, é que chega um momento em que tudo se converte em dólares ou em euros. A rapariga é bonita - muito bonita até - mas o nosso herói anda de transportes públicos e ainda não renovou o passe. Algo que - o leitor compreenderá - tira logo "a pica" a qualquer um.

Sandy: It's kind of loud in here. Do you wanna, maybe, go someplace quieter? I have a car.
Jack Reacher: Are you old enough to drive?
Sandy: I'm old enough to do a lot of things.
Jack Reacher: I'm on a budget, Sandy.
Sandy: [perplexed] What?
Jack Reacher: I can't afford you.
Sandy: I'm not a hooker.
Jack Reacher: Oh, then I *really* can't afford you.

É de Deus a última colheita do lavrador

"Zemlya"/"Earth" (1930) de Aleksandr Dovzhenko

"The Southerner" (1945) de Jean Renoir

(Quando se diz que a Cinemateca Portuguesa é um espaço de conservação também se pode estar a ser profundamente ideológico. É que sempre que lá vou me torno um bocadinho mais conservador: tinha visto "The Southerner" no YouTube, por razões profissionais, e agora vê-lo no grande ecrã é descobrir verdadeiramente um outro filme e é confirmar, com estes olhos que a terra há de comer, aquilo que maravilhou, num dos seus textos mais belos, o crítico norte-americano James Agee, por sinal, um dos grandes defensores e amantes do cinema de Dovzhenko. E, atenção, quem vos escreve não é um indefectível de Renoir.)

quarta-feira, 15 de maio de 2013

Abram alas para o dossier 'Raoul Walsh, Herói Esquecido' (II)


Não vale a pena dizer que gosto muito deste texto, porque - suspeito que sou - gosto muito de todos os textos que vão sair neste dossier. Sobretudo aqueles que republicamos agora, pela primeira vez em português. Foi um prazer traduzir «Crise, Compulsão e Criação: o Cinema do Indivíduo de Raoul Walsh» e entrar em contacto com o seu autor, Dave Kehr. Aliás, mesmo que não fale ou leia português (ainda assim, foi um dos primeiros norte-americanos a pôr o cinema de Manoel de Oliveira no mapa), registei com satisfação a sua reacção ao nosso espaço: "your remarkable site. It isn't every day that you see pieces on Ray Enright!"

Abaixo transcrevo algumas passagens, com o intuito de incentivar o leitor à descoberta do texto completo.

(...)

Porventura parte do problema com Walsh é que o seu estilo e valores estão ligados de forma tão apertada com o género – acção-aventura – no qual ele trabalhou que é difícil dizer onde a forma sai fora e o realizador começa. Falar de um filme de guerra de Walsh é, de uma certa maneira, falar de todos os filmes de guerra, falar de um western de Walsh é falar de todos os westerns - no sentido em que o principal impulso temático dos seus filmes, o poder redentor da acção, é também o impulso temático dos seus géneros nos seus estados mais puros. (...)

Flynn era o trepador social, Cagney era o desordenador social – mas ambos agiram a partir da mesma compulsão interior, uma compulsão para criarem-se a si mesmos através das suas acções, para arrancar uma identidade do mundo. Em Walsh, os mitos americanos do sucesso e da mobilidade encontram uma ressonância profundamente psicológica e talvez existencial: ao produzirem-na, o herói de Walsh está a fazer-se a si mesmo. (...)

Os heróis dos filmes biográficos movem-se no tempo, ao passo que os dos “map movies” movem-se no espaço, mas ambos enfrentam o mesmo tipo de desafio – não um de punição ou purgação, mas de aprendizagem e provação. As personagens retiram algo dos seus confrontos: elas crescem em força e identidade. (...)

Mas a celebração da liberdade em Walsh só vai até aí: existe um lado negro também, um sentido de anarquia, e muitos dos seus melhores filmes têm a ver com a procura por uma linha – o ponto a partir do qual a liberdade vira caos, quando o impulso interior do herói se torna destrutivo, demencial. (...)

O plano favorito de Walsh é o plano americano, com os seus actores cortados entre a cintura e os joelhos. Através da composição os actores são tornados parte do espaço contínuo, a sua própria fixidez nele parece ténue. Eles raras vezes se plantam firmes, completamente nele; ao invés, eles habitam um primeiro plano indefinido, desconfortavelmente suspendido, instável, ante o mundo atrás deles. (...)

As personagens de Walsh movem-se com liberdade através do mundo, mas o mundo não se rende a elas: ele permanece um desafio constante, sólido e ligeiramente à parte. (...)


Leia tudo aqui.

terça-feira, 14 de maio de 2013

Amostra pública da Newsletter #21


Esta amostra da Newsletter #21, dedicada ao realizador Werner Herzog, serve para divulgação nas redes sociais desta publicação feita apenas de amor à arte. Para a sua concretização, agradeço especialmente à Lusomundo o envio do material destacado.

Clique sobre a imagem ou siga este link para consultar esta versão tornada pública da Newsletter do CINEdrio.

segunda-feira, 13 de maio de 2013

Abram alas para o dossier 'Raoul Walsh, Herói Esquecido' (I)


Ao longo dos próximos dias, irei transcrever para o CINEdrio algumas das ideias mais interessantes que serão dadas a ler no À pala de Walsh durante o que resta deste mês de Maio e começos de Junho. O dossier "Raoul Walsh, Herói Esquecido" colige textos de prestigiados convidados, bloggers vizinhos, colaboradores e fundadores do site. O tema é simples e não engana ninguém: Raoul Walsh, grande clássico, grande moderno!

Para abrir, «Raoul Walsh e eu» de Louis Skorecki. Tradução (autorizada pelo autor) realizada por Carlos Natálio, com o apoio inestimável de António Rodrigues, programador da Cinemateca Portuguesa - Museu do Cinema. Aqui vão alguns excertos:

(...)

-Num primeiro momento, era preciso acreditar na ideia de que o autor de um filme era o cineasta. E num segundo momento, fazer a divulgação de outra ideia – Godard reconheceu-o mais tarde – a saber que o autor, o verdadeiro, não era tanto o cineasta mas o jornalista que o tinha inventado, este disparate da política de autores.

- É freudiana essa ideia. O autor não seria Walsh, desprezado à época por toda a crítica de cinema mas um crítico mutante, Godard por exemplo, prestes a inventar Walsh aos olhos do mundo e que diz: “Sou eu, o autor, o cineasta que há-de vir, vocês vão ver o que hão-de ver”. Claire, é brilhante a tua ideia.


(...)

Na sala de aula espalhou-se um frio à chegada do professor. Importa dizer que este professor não era um qualquer. À época, em Abril de 1957, Henri Agel reinava enquanto filósofo cristão e sobretudo enquanto único professor de cinema em todo o mundo. E sim, é assim mesmo, jovens. Os tempos mudam, vocês falam nos corredores, sonham com grandes mamas, e a lua, essa, faz o seu cinema. Ele não espera por vocês, a lua. Agel estava irritado. Ele rabiscava a giz um assunto impossível para os borbulhentos dos fifties: “A relação entre o cinema de Raoul Walsh e o sentido do sagrado, visto sob o ângulo da tragédia shakespeariana e da noção de potlatch”. O problema é que os Walshes não os tínhamos visto. Vagas recordações de Errol Flynn em Gentleman Jim, uma noite no cineclube na escola de Voltaire, e é quase só isso. Nada, não sabíamos nada.

(...)

-Um filme como Gentleman Jim ajuda-nos a quê?

-Esse é ainda mais fácil de compreender e amar hoje em dia. Scorsese, estás a ver quem é?

-O baixote ítalo-americano? O drogado? O maluco por cinema?

-Sim, esse. Viste o Raging Bull?

-Aquele em que o Robert De Niro engordou 800 quilos?

-Sim, sim. A câmara com os ralentis, toda essa masturbação sentimental e maneirista que conduz directamente aos piores legoismos de Wong Kar Wai (hei-de explicar-te um dia em detalhe essa hipertrofia da textura e da superfície, esse efeito infantil, esse efeito Lego que contamina tudo o que ainda chamamos de “cinema”, do Chéreau londrino a esse filme de culto para costureirinhas apaixonadas que é Requiem for a Dream).

-Já não estamos na época da crença, estamos na época da cultura, é isso? Isso é para os ricos, é isso? Então já não há nada a fazer.

-O “cinema”, sim, acabou. Olha para Silver River, por exemplo, ele nem sequer é a cores como as peças da Lego. E contudo o efeito lego está lá.

- Saturas-me com a tua “legoização”, meu amor. E Walsh? Tinhas prometido explicar-me.

Falar-lhe de jovens proletários, de rapazes jovens, a ela, à rapariga, isso tinha-a excitado. Ela viu as suas pálpebras crescerem. Ela não gostava disso, aliás mesmo nada. Ela já não precisava de fazer perguntas, de qualquer forma já tinha compreendido tudo. Não era nada parva a pequena. O legoismo ela percebia. Ela tinha crescido com os Lego, agora… O legoismo é como ver a gélida fotografia que Sid Hickox fez para Errol Flynn em Silver River, uma fotografia menos sonhadora que a de Gentleman Jim, mas vê-la com o declive colorido e o brilho das melhores peças da Lego. O cinema hoje é suporte/superfície e toda essa confusão. Para o sonho, tenta mais tarde.

(...)

-E Walsh achas que se excitava com a Marlene?

-Sim e não. A Marlene é excitante mas para um pederasta. E Walsh não era homossexual. Ele não reprimia nem sublimava isso; os gajos não eram a sua cena. Ele teve a bela ideia de lançar nos braços da Marlene aquela bichona do George Raft. É bizarro, barroco mas funciona.

-O melhor é quando ela pinta os lábios para ele à saída da prisão.

-Não digas nada Claire, estou a ficar excitado.


Leia tudo aqui.

quarta-feira, 8 de maio de 2013

Ligação directa à pala de Walsh (IX)


Devido à cobertura ao IndieLisboa, atrasei-me na já tradicional ligação de fim do mês ao vizinho À pala de Walsh. Por falar em Indie, destaco desde já os textos que eu, o João Lameira (sobretudo ele) e o Ricardo Vieira Lisboa produzimos durante os 11 dias de festival. No seguimento deste evento, publiquei a minha crítica ao filme "Spring Breakers" de Harmony Korine. Foi aliás o "assunto Korine" que aqueceu o filme falado deste mês, que pode ser ouvido aqui.

A título mais pessoal ou individual, deixo ligação à minha crítica (mais desenvolvida do que é habitual... afinal, esta é uma passagem fora do habitual...) ao regressado "Taxi Driver" e à crónica Civic TV de Abril, onde promovi, entre amigos no estrangeiro, uma experiência com resultados surpreendentes - leia aqui. No contra-campo, confeccionámos em conjunto uma sopa religiosa e revisitámos os principais acontecimentos do mês de Abril com igual sentido de devoção... à actualidade.

Fora do meu domínio de produção, vou destacar uma feliz concubinagem em torno do cinema clássico nipónico. Duas raridades, uma de Naruse por Helena Ferreira e outra de Makino por David Barros.

Mês produtivo (muito "conteúdo" interessante fica por destacar, como é já hábito...) que findou com a passagem da pasta de edição do Carlos Natálio para a minha pessoa. O mês de Maio já corre rápido, seguindo o passo da programação do festival Panorama (cobertura por Carlos Natálio e Ricardo Vieira Lisboa) e tem já em carteira um fresquíssimo - e, prometo, muito desafiante - dossier dedicado ao senhor, grande mestre de um olho só!, que baptiza o nosso espaço.

À conversa com o realizador de "Leviathan" (II)


Segunda parte da entrevista a Lucien Castaing-Taylor muito marcada pelo "elemento de horror" nos seus filmes, "Leviathan" e "Sweetgrass" (como também no menos conhecido "Foreign Parts"). Leia aqui.

LinkWithin

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...