quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Inglourious Basterds (2009) de Quentin Tarantino

Tarantino volta a fazer das suas, mas, desta vez, dimensionando como nunca antes as suas desbragadas celebrações do fim do cinema. Todos sabemos que este foi o filme que mais tempo habitou a mente irrequieta de Tarantino e isso ressente-se na forma lapidar como o argumento, a linguagem das palavras, estrutura a realização e a montagem, a linguagem das imagens. Com efeito, em cada cena parece haver uma luta pelo protagonismo entre a palavra e a imagem (puras); sentimos que o que se diz luta autonomamente com o que se mostra. Por isso, o diálogo pode-se fazer com uma troca alucinante, quase exaustiva, mais ou menos útil, de lines ou um sucessão alucinante, quase exaustiva, mais ou menos útil, de imagens.

Compare-se aquela dilatadíssima conversa na taberna com as balas que gritam palavras de um amor impossível entre Bruhl e Mélanie Laurent na sala de projecção. Ambas põem em confronto a palavra com a imagem; são excessivas, redundantes, quase histéricas, isto é, faíscam cinema. De facto, esta articulação/desarticulação que Tarantino opera na linguagem cinematográfica - entre a palavra e a imagem - é magnificamente ilustrada pelas legendagens expressionistas, quasi-caligaristas, que Tarantino sobrepõe à imagem ao longo da sua história dividida em capítulos - como um romance... - e, obviamente, pela adulteração da língua espelhada no seu título lexicalmente incorrecto.

Da mesma forma, a língua (um italiano terrivelmente macarrónico) é usada como passaporte de entrada da trupe de Aldo Raine no cinema transformado em baluarte nazi, acabando por a denunciar tal como aconteceu, por exemplo, com o impecável Michael Fassbender (falante de um alemão, aparentemente, não tão impecável) na taberna.

É também no uso da língua que se conta a primeira grande história de traições de "Inglourious Basterds": um ultra-calculista - e poliglota - coronel nazi, interpretado pelo actor do ano, Christoph Waltz, abre um filme passado na França militarmente ocupada a falar francês e inglês (dois idiomas dos "aliados"). "Inglourious Basterds" não é o primeiro filme em que Tarantino brinca com a plasticidade única da língua. De facto, se nos lembramos da conversa à volta da mesa que abre "Reservoir Dogs" ou da estrutura, para alguns, alfabeticamente ordenada - do tema Amesterdam à mítica frase pré-"Kill Bill" "Zed's Dead" - ou a (des)organização em capítulos de "Pulp Fiction" percebemos que as raízes daquilo que veio a seguir - de forma mais notável, o duelo final de "Kill Bill: Vol. 2" e todo o fabuloso "Death Proof" - não foi fruto do acaso ou de um puramente intuitivo labor criativo de Tarantino.

De facto, a sua montagem fragmentada, o seu estilo ecléctico, entre a mais devota homenagem cinematográfica (a Leone, sempre, mas também, aqui, aos clássicos de guerra, acima de tudo, ao sofrível "The Dirty Dozen") e a mais impiedosa iconoclastia (e, boom, dezenas de películas 35 mm. e toda uma sala de cinema vão pelo ar!) são coerentemente organizados por essa relação explosiva entre a imagem e a palavra - é na sua urdidura que a gramática Tarantinesca se vai corrigindo, ou melhor, a ordem deste caos sensorial e referencial vem precisamente de um trabalho meticuloso sobre a linguagem.

Veja-se o icónico desenlace deste "Inglourious Basterds": um filme "sabotado" entra em combustão por acção de outros tantos, servindo de ponto de ignição mais que perfeito para a implosão de uma sala de cinema. As chamas consomem os demiurgos da guerra e a paz alcança-se com a destruição do próprio cinema - que, assim, muito paradoxalmente, se regenera.

Tarantino parece querer dizer que o seu cinema, como todo o cinema que importa ou importará, far-se-á de estados perecíveis - o estilo é não haver um estilo - que se alimentem do seu passado e, depois, de estados anteriores. "Inglourious Basterds", um filme anti-histórico e amoral onde as palavras são tiros e os tiros são palavras, torna ainda mais clara a mensagem complexa e perversa que Tarantino começou a transmitir no seu primeiro filme: invocar o passado, nas suas várias faces, não é um modo de reviver (ou canibalizar) esse passado, mas sim a via mais rápida para o vencer. Absoluto e genial.

Ler mais aqui: IMDB.

1 comentário:

Álvaro Martins disse...

É toda a gente a dizer bem do filme. Tenho que ver!

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