sábado, 8 de novembro de 2008

Pickup on South Street (1953) de Samuel Fuller

À boa maneira de Fuller, "Pickup on South Street" (1953) é um film noir feito com os tomates - e, vá lá, uns gramazitos de coração... Muitos, sobretudo os americanos, se incomodaram com o que viram na época: um thriller político que divide bem as águas entre os traidores da América (compatriotas ao serviço do inimigo soviético), os polícias que os procuram neutralizar e, entre os dois, um carteirista (pickpocket) pouco interessado tanto nuns como noutros.

Este último, interpretado pelo grande Richard Widmark (falecido este ano, RIP), é o anti-herói fulleriano com os sentimentos à flor da pele e pouco interessado em tudo aquilo que não envolva dólares (política incluída). Ele mexe-se para um (polícia) e outro (comunistas) lados com a mesma ligeireza com que põe a sua mão delicada nas carteiras de senhoras no metro.

Skip McCoy (é o seu nome) não está totalmente sozinho: tem ao seu lado Moe, uma informadora de rua que fez da delação uma profissão em full time. Trata-se de uma personagem moralmente ambígua (bem, não serão quase todas, aqui?) que se redime no fim, numa sequência de grande violência filmada com músculo e elegância. Aliás, antes de ser um filme com uma mensagem politicamente incorrecta sobre a guerra-fria - no que diz respeito a Skip, who gives a damn? -, "Pickup on South Street" é um exercício magistral de mise en scène, com uma câmara, lânguida e precisa, sempre em movimento.

A mise en scène de Fuller pode vir sobretudo de um muito treinado gut feeling - o próprio diz que "escreve, por instinto, com a câmara" -, mas dificilmente haverá trabalho mais completo sobre o espaço e a posição dos corpos como este. Há nele um equilíbrio quase perfeito entre uma visão pragmática e excitante do cinema e uma abordagem esteticizante e filosófica da imagem. Pensamos que terá sido este segundo aspecto que mais inspirou Robert Bresson na realização de "Pickpocket" (1959), filme que concentra toda a sua "violência" no interior atormentado das suas personagens.

Fuller era um homem de emoções fortes que gostava de fumar grandes charutos - vejam-no(s) em "Pierrot le fou" (1965) de Jean-Luc Godard. Por isso, num filme seu, um beijo é seguido quase sempre de uma estalada. Quando um homem e uma mulher se zangam, o cenário quase vai abaixo com a violência da pancadaria. Bresson consideraria "Pickup on South Street" excessivo e Fuller adormeceria a ver "Pickpocket". Esta é a diferença fundamental que, paradoxo dos paradoxos, junta estas duas obras-primas absolutas do cinema mundial.

Ler mais aqui: IMDB e DVDbeaver.

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