sábado, 5 de julho de 2008

The Asphalt Jungle (1950) de John Huston

Publico aqui a primeira parte (com adaptações) do artigo que escrevi para a revista de Junho e site da Red Carpet

“The Asphalt Jungle” (1950) é o filme perfeito para sintetizar a dureza, o músculo e o pessimismo do cinema de John Huston. Rotulá-lo de um mero heist movie (filme de golpe), é ficarmo-nos pela superfície na leitura desta destemida reflexão sobre a ganância e avareza humanas. Em “The Treasure of Sierra Madre” (1948), história trágica sobre três vagabundos que se canibalizam mutuamente na procura insana de ouro, Huston esticava a corda no retrato que fazia da condição humana: dizia-nos que os valores da honestidade, lealdade e bondade são pura retórica (bullshit) quando o que está em jogo é o poder do ouro e do dinheiro – o tal “vil metal” que cega o protagonista (Humphrey Bogart) e o leva à loucura.

“The Asphalt Jungle”, film noir sobre as sempre turbulentas relações humanas, não vai tão longe, mas é capaz de nos dizer que, no fundo, somos iguais aos seus protagonistas: o que nos move nesta vida não são os sentimentos puros, mas a satisfação egoísta dos nossos vícios. Num vídeo introdutório ao filme, o próprio John Huston, dirigindo-se ao espectador, alerta: “as personagens de “The Asphalt Jungle” não são admiráveis, mas penso que poderão fasciná-lo”. O mesmo é dizer: “prepare-se, a identificação com as personagens deste filme, ainda que imoral, é possível”.

Não tinham passado 24 horas sobre a sua libertação da prisão e o experiente “doutor” Erwin Riedenschneider (Sam Jaffe), um ultra-astuto assaltante de origem alemã, já estava pronto para negociar outro “golpe”. Dirigiu-se para uma das zonas mais obscuras da cidade – “eu não andava aqui com uma mala”, avisa o taxista que o conduziu - e fez a sua primeira proposta a um instável cobrador de apostas chamado Coddy (Marc Lawrence): “apenas” por 50 mil, garantia o sucesso de um assalto a uma joalharia, cujo tesouro escondido lhes valeria uma fortuna incalculável. A quantia, excessiva para Coddy, haveria de ser assegurada por um poderoso investidor aparentemente à procura de “dinheiro fácil”: o advogado Alonzo D. Emmerich (Louis Calhern).

Dix Handley (Sterling Hayden), aquele que faz o trabalho sujo, dando uso à sua tremenda força de braços, Gus Minissi (James Whitmore), homem de confiança (um defeito que lhe saiu tão caro quanto a corcunda que “carrega às costas”) e que é um condutor exímio, e Louis Ciavelli (Anthony Caruso), perito em mandar cofres pelo ar, vão constituir a equipa que, sob a liderança de Riedenschneider, irá levar a cabo o assalto. Mas o que motiva esse homem, no fim da sua vida e ainda por cima acabado de sair da prisão, a envolver-se em mais um “trabalho arriscado”? Simples: a vida e os seus pequenos prazeres. Afinal, como o próprio diz, “todos trabalhamos para os nossos vícios”.

(...)

Não será ousadia dizer-se que “The Asphalt Jungle” inspirou o recentemente falecido Jules Dassin a filmar o heist de “Rififi” (1955) e que, provavelmente, terá levado Stanley Kubrick a escolher Sterling Hayden para protagonizar o seu genial noir, cuja acção gira em torno de um assalto a um hipódromo, intitulado “The Killing” (1956). Mas a prova mais notável do seu legado encontra-se disseminada ao longo de uma das mais revigorantes cinematografias do cinema europeu: a do francês Jean-Pierre Melville, autor de várias obras-primas, entre elas, “Le Samourai” (1967) e “Le Cercle Rouge” (1970). O primeiro herda o cuidado na escolha das roupas e o investimento rigoroso no décor (compare-se as cenas do reconhecimento policial nos dois filmes), já o segundo é um caso à parte.

Reza a história que Melville terá escrito uma cena sobre um assalto a uma joalharia em 1950, mas depois de “The Asphalt Jungle” e “Rififi” terem sido lançados, o “realizador mais americano da Europa” resolveu pô-la na gaveta até… “Le Cercle Rouge”. É um polar (thriller francês) realizado no pináculo de uma carreira: planos plasticamente soberbos, mise en scène meticulosa e acção esfuziante implícita em gestos silenciosos e ritualizados. Os protagonistas são Alain Delon (actor delicado e gracioso, que é uma espécie de antítese de Sterling Hayden na obra-prima de Huston) e Yves Montand (versão decadente do “doutor alemão”): o primeiro sai da prisão no início do filme para se envolver, com a ajuda do segundo, num assalto a uma joalharia, que resulta numa espectacular coreografia sem som.

Ler mais aqui: IMDB e DVDbeaver.

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