"Scarlet Street" volta a mostrar um Edward G. Robinson deprimido com a sua vida - emprego e mulher - e com sede de aventura. A sua vida sofre um estrondoso revés, quando, numa noite igual às outras, acorre aos gritos de um jovem morenaça, vítima de mais uma tareia do seu namorado. A sua intervenção desajeitada acaba por sortir efeito: a pancadaria termina, o agressor foge e Christopher Cross, nome da personagem de Robinson, apaixona-se pela mulher que salvou, que gosta de ser tratada por "kitty" (Joan Bennett). Cross gosta de pintar, quando não está no seu fastidioso emprego enquanto banqueiro. Da sua vontade de eternizar num quadro a sua mais recente conquista amorosa resulta uma pintura cujo título será, por força de um esquema doloso que tem Cross como vítima, "Auto-Retrato".
"Woman in the Window" e "Scarlet Street" são faces da mesma moeda. Os dois filmes contam a história de um homem desgraçado manipulado por uma mulher que o deslumbra com a ilusão de uma juventude reconquistada. O retrato da mulher dos sonhos para o protagonista é o começo do pesadelo para este, no primeiro filme, e o produto da sua tragédia pessoal, no segundo. São ambos films noirs terrivelmente pessimistas, ainda que "Woman in the Window" tenha uma espécie de falsa redenção no final: o despertar do pesadelo significa que a vida enfadonha do protagonista pouco mudará...
Fritz Lang torna-se ainda mais implacável em "Scarlet Street", filmando a história de um "homem bom" - Cross é um artista sensível e com visão, bom marido, dedicado trabalhador - que assiste, passivo, à lenta desfiguração da sua própria natureza. Para que não se pense que tudo isto não passa de uma enorme coincidência, Lang escolhe exactamente os mesmos actores para desempenharem papéis muito semelhantes: um acossado Edward G. Robinson e uma deslumbrantemente venenosa Joan Bennett.
Em certo sentido, "Woman in the Window" funciona como esboço da experiência-limite que é "Scarlet Street". Lang aposta aqui, mais uma vez, numa imagética forte, que produz uma atmosfera carregada e mortificante. Veja-se a ligação icónica entre a imagem da faca com a qual Cross prepara o peixe ou o picador que usa para penetrar - pela primeira vez... - "Kitty" e os fantasmáticos, ou mabusianos, instantes finais do filme. Também a imagem do "Auto-Retrato" - a imagem da imagem - parece resultar de um acto profano que não passará sem castigo. Ao mesmo tempo, a câmara de Lang filma de forma tão obsessiva o quadro com a imagem do marido desaparecido da mulher de Cross que, num twist, acaba por exorcizar o retratado.
"Scarlet Street" é, por tudo isto, uma amostra excelente de um universo cinematográfico singular. Espécie de aprofundamento do pesadelo quase tangível que já era "Woman in the Window". E a confirmação de que a escuridão é viciante, em Fritz Lang.
1 comentário:
Uma das grandes obras de Fritz Lang, com uma Joan Bennett fascinante.
Abraço cinéfilo
Paula e Rui Lima
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