sábado, 13 de agosto de 2011

Blu-ray ou a "alta-indefinição" (I)

"Early Summer", segunda parte da Trilogia de Noriko de Yasujiro Ozu... e o meu primeiro Blu-ray


Neste meu post número 600 resolvi escrever algumas impressões quanto ao novo formato de visionamento caseiro de filmes: o Blu-ray. Algumas coisas têm sido escritas sobre as qualidades técnicas, umas valorizando, outras desvalorizando, desta nova tecnologia. Não sendo propriamente um especialista, remeto este comentário à minha experiência pessoal e a alguns apontamentos críticos que já tenho deixado noutros espaços sobre o assunto Blu-ray vs. DVD.

Vi o meu primeiro Blu-ray recentemente e, desde já, devo dizer que foi uma experiência comovente. Não tanto por ser - que não é... - um salto qualitativo tão grande como aquele que aconteceu com o DVD em relação ao VHS, mas pelo facto do Full HD emprestar a filmes com uma certa idade uma definição em profundidade tal que nos dá a ilusão de que o tempo não as castigou tanto quanto pensado - e, especialmente no cinema clássico japonês, nós sabemos como tanta obra-prima chega hoje até nós em condições lastimosas.

Ao mesmo tempo, ver o filme que vi, "Early Summer" de Ozu, é testemunhar a "reposição" de algumas das características originais da imagem, numa viagem de mais de cinquenta anos pela história, restaurando - e dando-me a ver, de forma plena, pela primeira vez - a riqueza visual dos planos de um cineasta tão subtil como o grande mestre nipónico.

Se este não é um "contra" do Blu-ray, apetece, no entanto, acrescentar, em jeito de crítica à indústria, a seguinte observação: a quem quer continuar a ver os blockbusters saídos recentemente ou as pipocadas que por aí andam, não creio que seja muito vantajoso se precipitar na compra do Blu-ray. É por isso que me espanto que o Blu-ray esteja a ser vendido, cá em Portugal, como de resto, em todo o lado, primeiramente como uma tecnologia "para as massas", um substituto (não confundir com "alternativa") mainstream do home cinema tradicional. Eu diria que o Blu-ray, em termos cinematográficos, veio para ficar, mas, ao contrário do que se possa pensar, penso que só "ficará" se souber "vender" todas as suas potencialidades aos cinéfilos exigentes, que procuram as transcrições mais cristalinas dos grandes clássicos do cinema. O Blu-ray poderá ser, a médio prazo, o grande instrumento de revisitação estética da história do cinema - de "reescrita" mesmo dessa história - mas como "atestador" das qualidades e defeitos das grandes produções dos nossos dias, aquelas de que é feito o boxoffice mundial, não passa de um "novo-riquismo" sem relevância.

Uma das críticas que eu, enquanto cinéfilo, sempre coloquei à perspectiva da imposição de um formato substituto do DVD - e não "alternativo" - é o facto de, com essa substituição, por apenas um capricho "novo-riquista" das massas sedentas por novos gadgets inconsequentes, se dar um grave passo atrás num processo, que considero muito importante, de escavação da história do cinema.



A corrente arqueologia audiovisual, feita com o maior dos cuidados por marcas como The Criterion Collection, Second Run, BFI, Masters of Cinema, Carlotta, )intermedio(, MIDAS, etc., arrisca-se a regredir violentamente, a mando das novas exigências de conversão à alta-definição. A Criterion, por exemplo, tem-se apressado a descatalogar algumas edições antigas - em DVD -, ao mesmo tempo que lança filmes (primeiras edições mas muitas reedições) nos dois formatos, separadamente. Já a BFI arranjou a solução - muito expedita - de vender edições em dual format, sem que isso afecte sobremaneira o preço das mesmas - "Early Summer" foi dos primeiros a ser lançado neste modo.

Se estas editoras têm feito a conversão de forma inteligente, sabendo nomeadamente como "revisitar" de modo quase irresistível alguns grandes clássicos - veja-se a edição de "The Red Shoes" pela Criterion, um trabalho fenomenal de restauro cinematográfico -, também é certo que têm ocupado mais tempo a "olhar para trás" no seu catálogo, do que a proprocionar novas e mais arrojadas ofertas. O mercado transborda de "reedições", os filmes - nalguns casos, os "filmes de sempre" - são revendidos no novo formato como se estivessem a ser dados a ver ao público pela primeira vez - e, como já disse, em muitos casos, tecnicamente, as novas cópias não são merecedoras de grande euforia...

Dir-me-ão: ah, mas isto agora é mais simples, tendo um catálogo rico de DVDs, é só fazer a conversão dos mesmos para Blu-ray e reduzir ligeiramente o ritmo de lançamentos totalmente novos. Pode ser que sim, mas se virmos o caso da passagem do VHS para o DVD, constatamos que muitos filmes, por exemplo, constantes do catálogo VHS da Artificial Eye não foram lançados sequer em formato DVD (penso, nomeadamente, em "A Mãe e a Puta" de Jean Eustache, mas há vários). O mesmo se poderia dizer dos VHS da New Yorker Films, marca que, quando transitou para o DVD, esteve poucos anos em actividade. Naturalmente que o Blu-ray também implicará uma reestruturação do mercado, isto é, algumas editoras não resistirão a este período (com avanços e recuos, muita precipitação e muita hesitação... ) de transição.



De qualquer modo, também me parece que o Blu-ray não será o novo "laser disc". Digo isto, porque o mercado, sobretudo americano, começa gradualmente a abandonar o DVD mas sem "sentenças de morte" definitivas (exemplo dos tais "dual formats") e, factor essencial, os preços dos leitores estão já em valores bastante acessíveis. Na realidade, tanto os aparelhos como os discos Blu-ray têm visto descidas de preço tais que, neste momento, nalguns (excelentes) casos, é mais vantajoso comprar no novo formato que em DVD. Basta espreitar os pré-lançamentos Blu-ray nos Estados Unidos para vermos sonantes edições de filmes, nomeadamente, de Tarantino a preços que rondam os 10 dólares, bem abaixo dos pré-lançamentos típicos em DVD - ou, se quiserem, atente-se ao preço da ainda mais impressionante edição de 4 discos de "Donnie Darko", na celebração dos seus dez anos. Também os Criterions em alta-definição têm merecido várias promoções nas lojas americanas, estando, muitas vezes, a preços mais acessíveis que a sua versão em DVD - caso do já citado "The Red Shoes". (Muitas outras promoções Blu-ray serão referidas na próxima Newsletter.)

Claro que, ao mesmo tempo, também os DVDs nunca estiveram tão baratos, logo, a tentação de os comprar nunca foi tão grande. Penso que estas tendências - tentativa de afirmação do Blu-ray versus embaratecimento dos DVDs - se resolvem na nova tecnologia com a capacidade que esta tem de ler DVDs - daí eu pensar que a nova tecnologia devia ser vista mais como uma "alternativa" ao DVD do que um substituto deste... E daí a solução interessante que constituem as edições em dual format que a BFI tem lançado. Para o mercado nacional, para marcas como a MIDAS Filmes ou a CLAP Filmes, seria menos arriscado enveredar por uma solução desta natureza. É mais por aí que a conversão poderá ser frutuosa para todos e a regressão na tal "arqueologia audiovisual" não se sentirá tão fortemente - afinal, reedita-se ou edita-se pela primeira vez logo nos dois formatos, tornando a edição mais "durável" no mercado.

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