sábado, 15 de outubro de 2011

Stagecoach (1939) de John Ford

Peço desculpa pela falta de qualidade deste still, mas não consegui arranjar melhor.

Não vale a pena fazer aqui uma análise aprofundada de "Stagecoach". Não vale a pena, porque não sinto que tenha alguma coisa a acrescentar sem ser a típica exclamação de maravilhamento que um filme quase perfeito* como este merece ou também porque, bem vistas as coisas, um clássico intemporal desta dimensão deve ser, a meu ver, analisado plano a plano.

Proponho, assim, nesta altura, dizer umas quantas coisas sobre um plano pouco estudado e que, a meu ver, ultrapassada a contextualização, dá início verdadeiramente ao plot; aquele em que vemos, numa visão larga sobre o deserto, a diligência e a armada americana a seguirem cada uma o seu caminho. É a partir desta bifurcação, desta separação, que o filme se afunda mais nas idiossincracias de cada um dos viajantes e começa a explorar a dinâmica que se gera entre estes em face de uma ameaça: a dos índios chefiados por Geronimo, que, como sabem os protagonistas, aparecerão quando menos se espera...

O que acho interessante neste plano é o facto de Ford ter optado pelo plano largo - o master shot -, para situar dramaticamente a cisão, como que nos dizendo: "olha, lá vai o exército, o "seguro de vida" dos viajantes da diligência!" Sabemos que uma das instituições maiores do cinema clássico griffthiano é a montagem paralela, mas aqui Ford dá-lhe a volta habilmente, já que deixamos, pura e simplesmente, de acompanhar o destino das tropas e passamos como que a constituir o mais recente tripulante daquela carruagem, ela que, a partir daquele ponto, passa a estar totalmente vulnerável a uma investida índia. Esta foi uma decisão do filme mais do que das personagens, quer dizer, a câmara vai para ali, mas podia ter (sensatamente) acompanhado os homens armados. Não, Ford quer drama, quer fazer-nos sentir como aquele ponto no espaço que, por mais minúsculo, não passará despercebido aos "olhos de águia" do inimigo.

O que essa bifurcação vai significar é o sacrifício de um filme em função de outro - depois das personagens, o realizador fez a sua escolha soberana sobre... nós, espectadores. Mas estaremos cientes, nem que inconscientemente, que a outra história - o outro filme - desenrolar-se-á, mesmo não estando lá nós para ver. Daquele plano nascem caminhos divergentes, sem montagem alternada visível, mas puramente insinuada por aquela visão total, endeusada, leia-se, "de realizador".

Muito bem, mas o que acontece no fim, quando a carruagem está a ser atacada pelos índios e, num ápice, reaparece em cena a cavalaria americana? É, no papel, um típico last-minute rescue griffithiano, mas, de facto, é a "mais insinuada" das convergências entre duas histórias - dois filmes - moldadas numa estética clássica: um contado de princípio ao fim, detalhadamente acompanhado pelo espectador, e outro pressentido, à distância, "paralelamente"/"virtualmente", no espectador. Aquele plano, feito daquela maneira, permitiu este desdobramento temporal; outro plano, feito de outra maneira, por exemplo, de forma mais sincopada, deixaria o filme fluir a partir daí numa linearidade tout court, talvez, bem menos interessante.

* - Aos fãs, recomendo vivamente esta edição da Criterion em alta-definição. Coisa sublime mais de imagem do que de som, mas, em todo o caso, repito, coisa sublime.

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