segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Ditadura policial-militarista

"THX 1138" (1971) de George Lucas

"Libera me" (1993) de Alain Cavalier

("Libera me", exibido ontem na retrospectiva que o DocLisboa 2013 dedica a Cavalier, poder-se-ia resumir a um "THX" composto por insertos bressonianos, sucessão de imagens que imergem no silêncio das palavras e emergem na potência dos gestos. O problema de "Libera me" é exactamente esse: o de ser o resumo de uma ideia formal com uma substância política a servir de "falso apoio". E, já agora, alguém quer ver uma distopia política realizada "à moda" de Robert Bresson? Não sei, mas, neste particularíssimo caso, estou com Lucas.)

sábado, 26 de outubro de 2013

Abertura de concurso público para escolha de próxima direcção da Cinemateca


Pelo menos até agora, terá passado despercebido à maior parte da comunicação social este aviso publicado em Diário da República no passado dia 23 de Outubro, que diz:

"Nos termos do disposto no n.o 2 do artigo 19 da Lei n.o 2/2004 de 15 de janeiro, alterada e republicada pela Lei n.o 64/2011, de 22 de dezembro, torna-se público que a CReSAP, entidade responsável pelo procedimento, vai proceder à abertura, pelo prazo de dez dias úteis a contar da presente publicação, do procedimento concursal n.o 213_CRE- SAP_144_09/13 de recrutamento e seleção do cargo de Diretor da Cinemateca Portuguesa — Museu do Cinema, I. P. (...)"

O que nesse aviso se anuncia tem duplo interesse: primeiro, consubstancia o afastamento da direcção da Cinemateca Portuguesa, algo que interpreto como uma decorrência das declarações recentes do secretário de Estado da Cultura; segundo, pela primeira vez na história da instituição, e seguindo a recomendação que eu apontara aqui, a direcção da Cinemateca vai ser nomeada por "procedimento concursal" aberto "a todos os cidadãos nacionais, no uso dos seus direitos civis".

O concurso, administrado pela Comissão de Recrutamento e Seleção Para a Administração Pública (CReSAP), estabelece uma série de critérios de escolha, sendo que os modos de selecção incluem uma avaliação do currículo do candidato mais uma entrevista onde, e cito, se "Visa obter, através de uma relação interpessoal, informações sobre comportamentos profissionais diretamente relacionados com as competências consideradas essenciais para o exercício do cargo". Mais informações úteis podem ser consultadas aqui (concurso para o cargo de director) ou aqui (concurso para o cargo de subdirector).

A constituição do júri é já pública e as candidaturas serão aceites até 10 dias úteis desde a publicação do dito aviso em Diário da República. Assim, o prazo para envio das candidaturas deverá terminar no dia 5 de Novembro.

(Agradeço ao Samuel Andrade a divulgação desta informação nas redes sociais.)

Adenda (dia 1 de Novembro): O DN, reproduzindo uma notícia da Lusa, esclarece que o secretário de Estado da Cultura havia anunciado em audiência parlamentar, no passado dia 9 de Outubro, que iria abrir concurso público para todas as áreas que tutela. Apesar disto, e até na sequência das críticas que dirigiu à actual direcção no canal Q, permanece a dúvida quanto à constituição da futura direcção da Cinemateca. Isto porque o concurso público não impossibilita que os actuais directores concorram e, dado o seu vasto currículo na área (sobretudo do actual subdirector), é mais do que natural que não estejamos na presença de uma revolução nos comandos da Cinemateca Portuguesa.

A notícia indica como prazo de entrega da candidatura dia 6 e não 5 como referi, contando com o próprio dia do lançamento do concurso em Diário da República.

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Outtakes from the Life of a Happy Man (2012) de Jonas Mekas


Neste que fora anunciado por Jonas Mekas como sendo o seu derradeiro filme - ainda que no IMDB esteja já indicado para 2013 o lançamento de um novo título - estão presentes duas ideas-força de modo algum novas no seu cinema, mas que, de maneira quase incomunicável, ganham aqui uma nova plenitude. A primeira ideia é, inevitavelmente, a de memória. Como acontece em praticamente toda a sua obra (por ex. "Walden" e "As I Was Moving Ahead Occasionally I Saw Brief Glimpses of Beauty"), o autor mostra fragmentos de filmes que foi filmando ao longo da sua vida. Mais com do que sobre as imagens, qual sinfonia do "eu" e do "nós", Mekas acrescenta a sua voz. Uma voz "cantada" pelo sotaque lituano, de que nunca se livrou desde que se mudou para os Estados Unidos nos anos 50, e plena do "bom grão" que os seus 90 anos de idade lhe emprestam. As pequenas impressões de Mekas sobre a vida, a sua vida que no fundo não é tão diferente da nossa vida, são ditas sobre as imagens, mas de modo algum "as dita" ou nos são "ditadas".

A palavra aqui, na sua rugosidade própria, no seu ritmo não-forçado, é parte instrumental na grande sinfonia de imagens que se vão sucedendo, mimando a fluência própria da memória. Não, Mekas adverte: "Isto são só imagens. Uma realidade de imagens", "as memórias não interessam a ninguém". Pois sim, mas ao dizê-lo Mekas não nega que estas imagens, que são, de facto, "só imagens", ou melhor, por exactamente serem "só imagens", participam de algo maior, por exemplo, de uma ideia de comunidade. Com efeito, essas imagens que são só imagens mostram-nos flashes de um mundo que (também) nos pertence - e, contudo, tudo é e permanece "privado" aqui. Esta é a essência da religiosidade de Mekas: pôr as suas imagens a falar, ou melhor, a cantar a linguagem universal da memória.

Disse repetidas vezes que esta era um filme "só de imagens". Contudo, dizer "só" isso é dizer pouco, porque, como o cineasta que monta o filme para si, por si, quando toda a gente dorme, este é também ou acima de tudo um filme de "imagens sós". Outtakes, para ser mais exacto. E esta é a segunda grande ideia-força que comanda sem comandar a acção de Mekas na montagem - acção que, como ainda não tinha visto num filme seu, este nos mostra em planos intercalares reminiscentes de Histoire(s) du cinéma, daquele que é, para muitos e justamente, "o Jonas Mekas europeu", Jean-Luc Godard. Só o cinema? Ou um cinema só? Outtakes são isso mesmo: restos de algo, fragmentos resultantes de um todo que no caso singularíssimo de Mekas nunca existiu para além da vida.

O cinema de outtakes é, então, um cinema de imagens sós, de imagens sem filme, porque o filme é precisamente a matéria dessa solidão conjunta. Reunião de detritos perdidos na corrente da memória, uma memória filmada, uma memória que é uma realidade de imagens que, muito profundamente, nos toca. Toca, porque, como Mekas também diz e repete, esta montagem não encobre qualquer finalidade ou objectivo. O objectivo ou a finalidade é a sua solidão, a sua "outtakeness". E, com este gesto revolucionário, revolução franciscana, de pés plantados no chão, um poeta-santo para quem Deus é o maior dos cineastas mostra (não demonstra) que o negativo no cinema não é o negativo-filme mas o filme que ficou de fora. Redimindo este "novo" negativo, positivando-o, produz um pequeno milagre - mais um de Jonas Mekas - chamado "Outtakes from the Life of a Happy Man".

(Este filme de Jonas Mekas passou ontem no festival DocLisboa. Volta a passar no dia 29 de Outubro, no City Alvalade, às 22:00.)

domingo, 20 de outubro de 2013

Our Mann (demasiado contemporâneo)

"The Naked Spur" (1953) de Anthony Mann

"O nosso Homem" (2010) de Pedro Costa

(Adoro o último plano de "O nosso Homem" - também adoro todos os outros planos deste filme estupidamente pouco visto por cá. Esta imagem rima em mim com um qualquer plano de uma mensagem "dead or alive" num western de Anthony Mann - e, por isso, em inglês "O nosso Homem" dever-se-ia chamar "Our Mann". Contudo, este "dead or alive" é uma "simples" acção de despejo no Portugal contemporâneo. Demasiado contemporâneo.)

sábado, 19 de outubro de 2013

Ecúmena do ecrã-postal

Jean-Luc Godard, "Les carabiniers" (1963)

¿Seguimos hablando de cine cuando vemos un filme en una pantalla de 480x320 píxeles durante una sesión interrumpida que puede prolongarse horas o incluso días? Jean-Luc Godard opina que ver cine en una pantalla no tradicional es metafóricamente asistir a una reproducción del original, una acción que introduce exactamente la misma distancia que existe entre un cuadro y la postal que lo reproduce.

Luis Navarrete Cardero, ¿Qué es la crítica de cine?, Madrid, Editorial Sintesis, 2013, p. 109 

According to home entertainment specialists I spoke to in Hollywood, many kids are "plataform agnostic" - that is, they will look at movies on any screen at all, large or small.

David Denby, Do the Movies Have a Future?, Nova Iorque, Simon & Schuster, 2012, versão Kindle (o "postal" dos livros?)

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Morte ao crítico!*

"Theatre of Blood" (1973) de Douglas Hickox

"Lady in the Water" (2006) de M. Night Shyamalan

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Animação (pré-cinematográfica)

"India: Matri Bhumi" (1959) de Roberto Rossellini

"Xi meng ren sheng"/"The Puppetmaster" (1993) de Hou Hsiao-hsien

terça-feira, 8 de outubro de 2013

Filmes que (não) vou ver em sala (VIII): The Sacrament


A distribuição de "The Innkeepers" não desmentiu a minha previsão de ou não conseguir ver o filme em sala ou de o conseguir ver apenas em contexto de festival. Isto porque a distribuição que a Lanterna de Pedra fez do filme sofreu de uma limitação geográfica de modo algum benéfica à sua projecção em todo o país. O impacto na imprensa nacional foi também quase nulo, merecendo, contudo, uma ou outra crítica de circunstância que não entendeu a dimensão profundamente inovadora deste filme de Ti West, entre o burlesco e o filme de assombrações, entre a sátira social e a comédia romântica verborreica. Em termos simples, este ano não houve ainda obra mais brilhante a estrear nas salas comerciais.

Posto isto, adivinha-se um destino semelhante para "The Sacrament", a mais recente obra escrita e realizada - esperamos que "realizada pela escrita" - de Ti West. Já estão online algumas reacções ao filme, que dão a entender que se mantém a muito gradual construção de atmosferas que tornou "The House of the Devil" e "The Innkeepers" engenhosos teasings de horror. Uma nota de apreensão prende-se com o uso do dispositivo do found footage na primeira metade do filme, levando alguns reviewers a verem em "The Sacrament" uma extensão de "V/H/S", empreitada para qual Ti West contribuiu com o melhor episódio da série (incluo aqui já a sequela). Na realidade, aponta-se o episódio ultrajantemente divertido de Gareth Evans, em "V/H/S 2", como a obra mais próxima, penso/espero que mais temática do que formalmente, deste "The Sacrament". De qualquer modo, registo com agrado as queixas de "lentidão" nos primeiros minutos, mas com alguma apreensão o uso do estilo rough, pseudo-documental, do found footage. Parece-me que West, mesmo não sendo um magistral cineasta de câmara - é mais na construção pela escrita que se destaca -, dificilmente ganhará muito em aprofundar este subgénero hoje quase exaurido nas suas possibilidades.

A participação da trupe do costume, como os actores (também realizador) Joe Swanberg e AJ Bowen - vimo-los recentemente, no MOTELx, em "You're Next" -, garante um trabalho de luxo desenvolvido entre amigos. Sacramental.

domingo, 6 de outubro de 2013

Casas com bibliografia anexa (pouco citável)

"The Evil Dead" (1981) de Sam Raimi

"…E tu vivrai nel terrore! L'adilà"/"The Beyond" (1981) de Lucio Fulci

(Revejo "The Evil Dead" e confirmo que não envelheceu nem um anito que seja. Grandioso circo de horrores frenético e sem cedências morais. Agora sustenha a respiração e prepare-se para a revelação: o remake do uruguaio Fede Alvarez transforma esse carnaval de possessões, mutilações, sangue e vómitos numa viagem aos infernos sem tempos mortos, só com deliciosos tempos de morte - a descida à cave lembra, aliás, "The Beyond" ou outro filme de Fulci do mesmo ano, "The House by the Cemetery"... É uma versão junkie hardcore das diabrices ensandecedoras de Raimi. Um remake que actualiza, reinterpreta e adiciona um cheirinho muito seu, com doses extra de acção e muito, mas mesmo muito gore. Imperdíveis leituras, ou melhor, "visões".)

sábado, 5 de outubro de 2013

Sobre documentários impossíveis... (como que) trazidos por um projéctil

 Yakov Protazanov, "Aelita" (1924)

Poderemos entender porque é que os habitantes de uma estrela distante, caso possam ver a Terra com potentes teslecópios, são realmente os contemporâneos de Jesus, uma vez que assistem, no preciso momento em que escrevo estas linhas, à sua crucifixão, da qual, provavelmente, eles captam provas fotográficas ou mesmo cinematográficas, porque a luz que nos ilumina demora dezanove ou vinte séculos a chegar até eles. Podemos até imaginar, e isso pode mudar ainda mais significativamente a nossa ideia de tempo, que um dia veremos esse filme, quer porque ele nos seja enviado por um qualquer projéctil, quer porque um sistema de projecção interplanetária o enviar para os nossos ecrãs.

Élie Faure, Função do Cinema e das Outras Artes (1960), Lisboa, Texto & Grafia, 2010, p. 35

(...) "El cant dels ocells" um objecto tão fascinantemente inclassificável, um documentário impossível, por vezes, imbuído de um realismo lírico paradoxal, que é uma purga para o olho moderno. 

CINEdrio, 9 de Abril 2009

Etc.

Sem emprego como actor? Pois então seja actriz!

"The Masquerader" (1914) de Charles Chaplin

"Tootsie" (1985) de Sydney Pollack

(Um delirante pedaço de metacinema vindo de 1914, saído directamente do génio de Charles Spencer Chaplin. Chaplin é Chaplin, depois transforma-se no famoso tramp. O transformismo culmina com Madame Chaplin à procura do emprego perdido. Isto sim, filho, é grande cinema "queer", ou seja, como se lê no dicionário, "strange or odd from a conventional viewpoint; unusually different; singular".)

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Clair e Atget: a Paris vazia que lhes pertence

"Coin de la rue Valette et Pantheon, 5e arrondissement, matinee de mars" (1925) de Eugène Atget 

"Paris qui dort" (1925) de René Clair

(A todos aqueles que sentem a vertigem das cidades desocupadas.)

terça-feira, 1 de outubro de 2013

Ligação directa à pala de Walsh (XIII)


Mês de alta actividade no À pala de Walsh. Com o Ricardo Vieira Lisboa, cobri com enorme prazer o festival de cinema de terror de Lisboa, MOTELx 2013. Foi no âmbito dessa cobertura que entrevistei um dos realizadores marcantes da minha vida cinéfila, Tobe Hooper. Com o Ricardo Vieira Lisboa e a assistência do Miguel Domingues, também tive oportunidade de trocar umas palavras com Hideo Nakata.

Ainda dentro do âmbito do terror, dediquei a minha crónica Civic TV à análise do filme "Our Mother's House" de Jack Clayton. Produzi ainda uma análise ao não só pouco como mal lembrado "L'uomo dalla croce" de Roberto Rossellini.

Como já divulguei neste espaço, produzi ainda uma reportagem sobre a actual situação do Arquivo Nacional das Imagens em Movimento, mais conhecido por ANIM. Considero fundamental que se difundam algumas das inquietações manifestadas nesta peça, para a qual contei com a colaboração preciosa da fotógrafa Mariana Castro.

Ainda hoje, abrimos Outubro com a entrevista que eu e a Sabrina D. Marques (de novo, com fotografias de Mariana Castro) realizámos ao Buster Keaton do porno, à cinéfila, à actriz, à escritora, à modelo Sasha Grey.

Nas rubricas do Contra-campo, participei como é hábito no telejornal cinéfilo Actualidades e na Sopa de Planos dedicada, nem de propósito, ao acto de despertar.

Lateralmente, gostaria de destacar a belíssima homenagem da Sabrina D. Marques a um grande realizador esquecido, desaparecido este mês, chamado Richard C. Sarafian. Indo para lá do seu filme mais popular, o brilhante "Vanishing Point", a Sabrina analisa a sua magnum opus, por sinal, uma das obras que mais marcaram o meu ano cinéfilo de 2012: "Man in the Wilderness".

Neste mês de Outubro, a edição está entregue ao Ricardo Vieira Lisboa. Desde já, posso prometer mais entrevistas surpreendentes.

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