terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Suleiman ainda não sorriu

A guerra é silenciosa, mas muito tensa em "Intervenção Divina" (2002), filme realizado e protagonizado por Elia Suleiman. Um homem dividido pelo amor entre Jerusalém e Ramalá testemunha as atrocidades cometidas pelos soldados israelitas no checkpoint que liga as duas cidades. Enquanto a barbárie acontece, ele, palestiniano, encontra-se com ela, israelita. O amor é uma troca de bilhetes e um bailado de mãos. Os olhos fixam-se no vazio e a boca encerra uma dor ensurdecedora. Também há Tati em Suleiman, mas falta-lhe a alegria de viver - e um sorriso (qualquer emoção...) no rosto.

A guerra israelo-palestiniana é revoltante. Cansa ouvir os diplomatas europeus a apelarem à paz, enquanto esperam pelo jantar ou o almoço. Já repararam que as reuniões diplomáticas fazem-se cada vez mais à volta de mesas que têm em cima mais garfos que canetas? Haverá margem para se negociar o menu? Enfim, mas não há almoços (e jantares?) grátis: as tropas high-tech - zero casualties - de Israel estão neste momento a varrer Gaza do mapa como quem atira a sujidade para debaixo do tapete.

Que tipo de solução é esta: fazer da história dos rockets uma guerra totalmente desproporcional e uma das maiores crises humanitárias que nos espera? Não sabemos (nunca saberemos...) qual o número exacto de civis palestinianos que morreram e qual a real situação dos desalojados. Claro que bastará um soundbite ou uma estatística para podermos arquivar o que se está a passar e fingir que alguém (um Sarkozy ou um António Guterres) resolverá esta catástrofe, que eventualmente se converterá num dossier - mais um eufemismo asséptico criado para não estragar as refeições dos senhores engravatados. Se calhar, durante o espectáculo macabro e dessensibilizador que se adivinha, daremos por nós a achar que 200 ou 300 ou 400 vítimas até é pouco. "Numbers sanctify", já dizia o Monsieur Verdoux de Charles Chaplin.

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