sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Two Lovers (2008) de James Gray

James Gray mantém-se fiel a um passado, não tão longínquo quanto isso, em que Hollywood (ainda) reclamava as suas raízes clássicas. "Two Lovers" é, por isso, um filme fora do seu tempo. O chavão "à frente do seu tempo" ganha aqui uma nova feição, porque o que Gray reivindica, para muitos, de forma conservadora, para muitos, de forma cínica, são as fórmulas antigas, já vistas e usadas. Gray é um retocador por excelência ou alguém que cola, com a minúcia de um artífice, cada peça microscópica de um jarro que muitos dizem estar inexoravelmente quebrado. Ele acredita na perfeição através da repetição ou de uma depurada rememoração e, por isso, é assumidamente um cineasta-cinéfilo. Melhor: Gray é alguém que trabalha o cinema com os utensílios que este lhe deu e, não negamos, é comovente, hoje, assistir-se a um objecto tão bem carpinteirado, tão pensado e tão franco, como "Two Lovers".

É que o amor é um assunto complicado. Gray não se esqueceu disto, ao contrário de muitos da sua geração que sucumbem, preguiçosamente por vezes, às promessas de renovação de um vago movimento chamado "weird America" (que vale pouco ao pé de um "Frozen River", filme que ainda não estreou em Portugal, mas que trilha um caminho deveras mais interessante na área do cinema autoral norte-americano ). Gray não se ri da América, nem das suas personagens e por isso é duro assistir a um filme seu - e, por vezes, parece que os seus filmes anulam-no ou anulam-se, como uma equação complicada cujo resultado é zero. Sabe a Lumet, a Scorsese. Os dos anos 70, claro.

Mas falar de "Two Lovers", das suas muito sussurrantes conquistas, digo, é falar dos pormenores (porque Gray é, enfim, alguém que trabalha sobre/com a memória); por exemplo, da verdadeiramente tocante história de amor que flui, suave e dócil, nos interestícios de um triângulo amoroso classicamente impossível. Falamos da relação entre mãe (Rossellini) e filho (Phoenix), falamos da forma como esta, radiante ponto de luz na narrativa, humaniza o que e quem toca - eis quão tangível ela é. À volta descobrimos uma variação, muito livre, muito inteligente, do conto de Dostoievski, "Noites Brancas", levada à tela com a sofisticação de um Visconti moderno (veja-se como as magnificamente filmadas, e sonorizadas, sequências no terraço parecem replicar o bailado "de rua" entre Marcello Mastroianni e Maria Schell no filme homónimo daquele histórico realizador italiano, em tantas coisas, tão "burguês" quanto Gray).

Descobrimos, de novo nas entrelinhas, como um filme clássico, que este também é um filme sobre objectos: é neles que encontramos os verdadeiros sinais de vida, ou melhor, se nesta história de amor as pessoas são objectos de manipulações várias, os objectos propriamente ditos (a câmara fotográfica que ilumina, sem caução, a vida do protagonista ou o anel que dialoga, dinamicamente, com a luva) são muitas vezes substitutos metonímicos, muito eloquentes, das pessoas.

Tudo baila e dialoga entre si neste filme, cada elemento (quadros, fotos, pessoas, duas janelas e a distância que as separa, eliminada pela tão dialógica gramática do campo-contra-campo...) do set contribui para a coesão diegética, psicológica e formal do todo. Em termos antigos, dir-se-ia que Gray é um verdadeiro autor. Em termos novos, dizemos que Gray é um verdadeiro autor à antiga. O que, para nós, é óptimo.

Ler mais aqui: IMDB.

3 comentários:

Tiago Ramos disse...

É um bom filme, cuja apreciação cresceu mais após o visionamento. Demora a assimilar, não é um filme fast food...

Anónimo disse...

É um filme muito pobre no que diz respeito ao envolvimento emocial das 2 personagens ( Michelle e Sandra ), com o protagonista principal ( Phoenix). Para mim tratou-se de uma espécie de monólogo emocional, onde mais uma vez Phoenix dá o seu melhor mas sem argumento suficiente para o acompanhar.

Luís A. disse...

Um belíssimo filme. Honesto e tocante. Gostei muito.

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