O último "Voz do Cidadão" levou Paquete de Oliveira às instalações da RTP2 para falar com Wemans sobre a ausência de uma programação de teatro no segundo canal. Como sempre, paralelamente, o programa passa algumas entrevistas a pessoas ligadas à área, salvo o crítico João Lopes. O resultado é, quanto a mim, sintoma de uma decadência dupla: a, já conhecida, da RTP2 e, a já sentida mas não tão evidenciada, do actual provedor da RTP, que há anos tem feito pouco ou nada para dar voz e tornar consequentes as reclamações dos espectadores-contribuintes dos dois canais públicos nacionais.
Ora, sem querer condicionar a opinião de quem quer que seja - por favor, não deixe de ver a dita emissão aqui -, apenas digo o seguinte: a principal razão, que eu chamaria de "desculpa", de Wemans para não haver teatro passa pela concepção, que ele diz ser sua, de que o teatro é para ser visto no teatro e não no pequeno ecrã. Paquete de Oliveira ouve isto como se o argumento fosse não só suficiente, adulto e consistente como, vá lá, minimamente legal.
A verdade é esta, pura e simples: a RTP2 está obrigada por lei a divulgar a cultura portuguesa, cinema, teatro e música. As artes de palco não podem ser excluídas por qualquer concepção pessoal de um director que por lá passe, por mais "amarrado" ao lugar este possa estar ou por mais "embrutecido" ele seja. Fora a questão da legalidade, que arrumaria a discussão desde já, acresce o ridículo deste argumento. Se não se passa teatro porque o teatro é no teatro, se não se passa cinema porque o cinema é no cinema, se não se passa concertos de música porque estes são para ser vistos in loco, então o que deverá passar mesmo um canal que está vinculado a uma missão de divulgação cultural?
Um dos encenadores entrevistados responde, muito directamente, a algumas destas questões, que eu considero falsas e medíocres: comecei a interessar-me pelo teatro porque quis ver as peças e os actores que via na TV ao vivo. Pedro Costa há dias, em entrevista à Criterion, sublinhava a importância que as sessões de cinema (de Lubitsch, de Straub...) na TV tiveram para a sua formação enquanto cinéfilo. Ao mesmo tempo, o senhor Wemans envolve a RTP2, e parte muito importante do serviço público de televisão, numa retórica vazia de um purismo retrógrado: não passamos teatro, mas passamos umas notíciazecas e reportagens SOBRE teatro no Câmara Clara - este programa "arruma" tudo, né verdade? -, defende-se.
Isto é atirar areia para os olhos dos telespectadores-constribuintes que lhe pagam o ordenado há quase 5 anos. Isto é inqualificável, e também é inqualificável a passividade de Paquete de Oliveira, entrevistador que nem Wemans conseguiria inventar para si de tão macio e politicamente correcto; desviando a conversa para a programação infantil, sem razão lógica, quando a conversa começava a cheirar muito mal.
Numa palavra, digo apenas que este episódio do "Voz do Cidadão" é a prova última do elitismo abstruso desse canal dito de serviço público: em vez de se empenhar na missão de derrubar as barreiras geográficas e económicas no acesso à cultura, em vez de promover a cultura para "puxar públicos" para as salas, Wemans é o rosto de uma retórica purista tão oca quanto hipócrita.
3 comentários:
Concordo com tudo o que foi dito, Luís.
Ainda há pouco tempo fiquei incrédulo quando numa dessas edições, um pivot da RTP (um tipo que anda sempre de fato ás riscas e cujo nome recuso conhecer), quando questionado porque razão alguns telespectadores se queixam de blocos noticiosos que se concentram em não-notícias, futilidades e futebol, responde que estes (blocos) devem ir a encontro dos interesses dos espectadores.
Posto isto, se se desiste assim de educar públicos, porque não criar dscilplinas escolares como: "história das celebridades", "como ser popular" ou apenas "gajas e gajos bons da socielite portuguesa".
O programa "Voz do Cidadão" tem tanto de interessante como estúpido. Quando o apanho na tv, não consigo deixar de ver, pois os testemunhos de algumas pessoas ali são bastante interessantes.
Mas o ponto alto do programa mesmo, é Paquete de Oliveira. O velhadas não tem mesmo nenhuma presença à frente da câmara, vê-se que aquilo é ensaiado e mais ensaiado, e depois acabam por escolher o pior take.
Basicamente o velho começa por dar a conhecer as queixas dos espectadores, falando como ele se tem preocupado em relação a essas queixas, etc. Depois deixa o entrevistado pronunciar-se (no caso que falaste, foi o Wemans, que por acaso também vi). No final da entrevista, acaba sempre por condescender e aceitar de forma implausível com os argumentos do outro. Enfim, tudo acaba com palmadinhas nas costas, numa de "não foi minha intenção questionar o seu trabalho, que aliás é muito bom", e tudo fica em águas de bacalhau.
Uma vergonha.
Não podia estar mais de acordo com ambos.
Rui, não vi essa resposta do pivot, mas é mesmo conversa da chacha de "televiseiro-mor" que só sabe invocar argumentos pequeninos e auto-vitimizantes - e diminuídoras, inclusivamente, do nosso público...
Ricardo, "No final da entrevista, acaba sempre por condescender e aceitar de forma implausível com os argumentos do outro."
É de tal maneira isto, que eu próprio, quando fui entrevistado no dito programa, fui alvo desse "ok, há críticas, mas, fora isso, o seu trabalho é bestial. Continue!"
É terrível e pornográfico tudo isto... num canal estatal, nas barbas de todos nós.
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