segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Frantic (1988) de Roman Polanski


Há filmes que nascem directamente da forma como são filmados. Polanski, seguindo as pisadas de Hitchcock, torna esta afirmação imbatível em "Frantic". Na realidade, parte da sua extensa obra contém alguns dos exercícios mais magistrais sobre as potencialidades do fora de campo e da profundidade de campo - e do plano-sequência claro. "Frantic" é um filme que nasce, todo ele, de um fora de campo; é como que parido a partir de um ângulo morto da personagem de Harrison Ford, que no duche não ouve as últimas palavras da mulher antes de esta sair do seu campo de visão e... desaparecer. Puff, "Lady Vanishes".

O desnorte do protagonista só tem impacto no espectador porque a câmara estava na banheira com ele, a filmar a partir unicamente da sua perspectiva AUDIOVISUAL. A mulher sai do seu e do nosso campo de visão e audição - e desaparece do filme, esfuma-se. A incredulidade é total e, com isto, Polanski pare um enigma que vamos acompanhar com o mesmo grau de obsessão com que o marido procura a sua "white lady" (esta foi uma private joke para quem já viu o filme...).

A magistralidade de "Frantic" nasce disto: todo o filme deriva de um "fora de campo" ultra-realista; de uma posição de câmara minuciosa e cinicamente determinada pelo realizador Polanski. A partir da cena do duche, a câmara já não descola de Harrison Ford; a realização torna-se num gesto natural - parte implicada na história, apetece dizer - ao segui-lo obcecadamente.

Movimento inverso é feito no mais recente "The Ghost Writer", cujos méritos nos parecem muitos, mas que valem pouco ao pé do melhor Polanski (este de "Frantic", ou o de "Faca na Água" ou o de "Rosemary's Baby"...). Aqui digamos que não é um fora de campo que constrói um filme, mas o seu contrário: tudo converge para o último plano de um acidente que envolve o protagonista e que a câmara não mostra. Até lá, é um thriller sem particular chama formal, enrolado em si mesmo, como que na expectativa desse seu último plano. Se "Frantic" desenrola-se naturalmente, "The Ghost Writer" anda aos ziguezagues, desinspiradamente por vezes, para chegar, no fundo, onde "Frantic" começa. Como um telhado que sustenta uma casa e não o contrário.

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