sábado, 1 de outubro de 2011

Vem aí o novo Friedkin, o bom velho Friedkin (II)


Não ganhou o Leão de Ouro. Dizem que foi acusado de ser um filme fabricado, demasiado fabricado... com vista a sacar de cada cena um efeito cool tão falso quanto irresistível. Um relógio suíço muito americano, terão pensado os seus detractores. Não nos espanta minimamente que pensem assim: corpos diferentes com cérebros idênticos disseram coisa bem pior do filme mais "calculado" do mundo, "Cruising". Calculado na luz, nos gestos...ou melhor, Friedkin tem destas coisas: ele trabalha, de facto, sobre "efeitos" como nenhum outro realizador. Cada cena é carpinteirada com uma precisão que choca, muitas vezes, com a sua "pouca forma" narrativa.

Os filmes de Friedkin são trabalhados atomicamente e não anatomicamente; as ligações, a meu ver, parecem interessar pouco a Friedkin, que cose e descose com grande facilidade - quase desleixo? ou será... um desleixo controlado? Ou será o desleixo controlado aquilo que muitos dirão ser o grande pecado do realizador de "French Connection" e "O Exorcista": a sua eventual falta de moral, traduzida num cinema amoral, formal no ponto, informal na linha...? Exemplo?



Ok, peguem nesta cena de "Killer Joe" e digam-me se não é das coisas melhor montadas que viram nos últimos tempos e digam-me se não é assim por causa da postura dos actores - calculada? Pois! -, do seu pace a andar e a falar - calculado? Pois! - ou por causa da forma como isto tudo é mostrado pela imagem e, não menos importante, pelo som - realização e montagem calculadas? Pois! O "cling" do isqueiro a servir de linha entre o interior da sala de bilhar e o exterior, onde "joga" a beldade; entre o negócio fechado com Hirsch e o "sair fora dele"... McConaughey vai abrindo e fechando o isqueiro e o som que produz - ultra-cool, ultra...calculado? - gera uma linha invisível que liga o dentro e o fora. A solução surge no meio - como quase sempre na vida? Não, esqueçam, não há mesmo moral aqui... apenas o tal gesto "no vazio" que liga as partes.

E o que é que isto tem a ver com o átomo friedkiano? É que o realizador norte-americano, como acontece em "Bug", por exemplo, não se interessa muito pelos pretextos anedóticos que tornam coesa - aos olhos do espectador-médio - as intrigas dos seus filmes. Ele parece trabalhar muito mais sobre cada cena do que sobre as ligações entre as cenas - há uma descompensação que o torna, a meu ver, pouco consensual. As cenas, contudo, ressoam umas nas outras através desses sons e movimentos calculados ao milímetro. Penso que toda esta maquinaria que é o seu cinema denuncia-se, isto é, humaniza-se, fragiliza-se, precisamente, nos intervalos. É o tiro no pneu que atira o espectador para fora da estrada e o impede de adorar Friedkin. Uma pena quando assim é.

2 comentários:

Cristiano Contreiras disse...

Ansioso pra conferir essa abordagem, gosto dos atores! Abraço

Franchise litigation disse...

its really very interesting. Amazing post.

LinkWithin

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...