sexta-feira, 18 de novembro de 2011

A fixidez do olhar fotográfico (spectrum)

Manoel de Oliveira, "O Estranho Caso de Angélica" (2010)


A morte esteve sempre mais ou menos presente na história da fotografia. Fotografar as pessoas no seu leito de morte era um dos vectores da actividade profissional dos fotógrafos no século XIX, que investiam bastante da sua máquina publicitária na matéria. (...) Embora à medida que avançamos para o final do século XIX se note a resistência de certos fotógrafos neste género, nas décadas de 60 e 70 essa era uma prática relativamente consensual e interiorizada, não constituindo nada de macabro. Num dos números de um jornal de referência, um fotógrafo publica os seus conselhos para a realização de fotografias post-mortem em termos que seriam hoje simplesmente inaceitáveis:

Coloque a sua câmara em frente do corpo [...] prepare a placa, e aí vem a coisa mais difícil: abrir-lhe os olhos. Isto resolve-se facilmente usando uma colher de chá. Puxe as pálpebras inferiores para baixo, mas as superiores têm de ser bastante afastadas para dar um ar natural. Vire o olho para o seu local normal e terá o rosto tão natural como em vida. Uma maquilhagem adequada tirar-lhe-á a expressão lívida e a fixidez dos olhos.

Margarida Medeiros, Fotografia e Verdade: uma história de fantasmas, Assírio & Alvim, 2011, pp. 18-19


Nadar, explicando a Teoria dos Espectros, escreve:

Ora, segundo Balzac, cada corpo na natureza se compõe de séries de espectros em camadas infinitamente superpostas, laminadas em películas infinitesimais em cada um dos sentidos em que a ótica percebe este corpo.
Como o homem jamais pode criar - ou seja, constituir algo sólido a partir de uma aparição, do impalpável, ou do nada fazer uma coisa -, cada operação daguerreana vinha então surpreender, destacar e reter ao aplicar-se uma das camadas do corpo visado. De onde se conclui que o dito corpo, a cada nova operação, sofre a perda evidente de um espectro, ou seja, uma parte de sua essência constitutiva. (p. 6)

Rosalind Krauss, O fotográfico (1990), GG*, 2010, p. 24


* - Alerto para a péssima tradução em português da Gustavo Gili. Se estiver interessado, pode encontrar o mesmo livro decentemente escrito no mercado inglês ou francês.

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