terça-feira, 22 de novembro de 2011

Restless (2011) de Gus Van Sant


Um filme pequeno, frágil e belo merecia uma crítica feita à sua imagem, uma crítica que não procurasse ocupar o lugar que este último filme de Van Sant reserva no nosso coração, mas que apenas restitua, nem que por instantes, um pouco do calor triste que dele emana e que nos aquece bem para lá da sessão.

"Restless" é um filme suave, rumorejante, sobre o fim da vida e o que para lá dela poderá resistir - uma hipótese se ensaia: o amor, talvez. É ele que leva um kamikaze a assombrar amigavelmente o protagonista: Hiroshi - como se vê no fim - quer ganhar a confiança do amigo americano para lhe passar uma carta de amor à mulher a quem ele não confiou as suas emoções mais profundas, porque queria levá-las consigo para o outro lado. Na cabeça de Hiroshu parece que é essa carta que serve de pre-texto à amizade além-vida com Enoch, jovem atormentado que procura aprender, cada dia que passa, na sua solidão não-solitária, como lidar com o desaparecimento traumático dos seus pais num desastre de viação.

O rapaz é atraído pela morte - ou será antes o contrário? Quando descobre a bela Annie, o amor entra na sua vida num movimento que volta a rasar a morte, porque a rapariga tem apenas três meses de vida pela frente - e o tempo de morte que lhe falta? Não será Annie como o tal passarinho que canta, em espanto, com o nascer do sol, o facto de estar vivo? Annie aparece na vida de Enoch - está nela - como o soldado japonês - duas existências no limite da fronteira que separa os vivos dos mortos.

Ou Enoch é o rapaz com menos sorte no mundo ou é um grande charlatão, dizem-lhe a certa altura no filme. Rodeado pela morte, pelo desaparecimento de quem mais precisa, Enoch é o "fantasma do meio" neste filme de Van Sant: ele realiza uma existência - a de Hiroshi - e desrealiza outra - a de Annie, um anjo que caminha, leve, sereno e já radiante, em direcção à luz... uma luz que resiste à morte, como vemos nas muito comoventes imagens finais... o mais belo discurso fúnebre - um dos mais belos discursos de amor, leia-se - que vi em cinema. Um discurso, aliás, sem palavras; só de imagens que se projectam a partir do rosto do protagonista, flashes de memória, profundamente atemporais (como todo o filme, aliás...), que vão preenchendo o vazio aberto pelo seu rosto silencioso, que culmina num "sorriso para dentro". A solidão de Enoch, perturbada no início, está agora em paz consigo mesma. O luto por quem está vivo - é esse o mood inicial do filme - parece terminar aqui - mas não há, desenganem-se os mais distraídos, qualquer cedência ao típico falso-happy ending indie...

Na realidade, o filme de Van Sant, como todos os seus grandes filmes, não cede nem um milímetro à "gramática feita". Com efeito, até o que, no papel, se diria ser um cliché aparece no seu cinema como coisa refrescante, porque rapidamente se dilui numa estética que não está por um segundo preocupada com quaisquer classificações prévias, qualquer "mui americano" esforço de etiquetagem que possa, aqui e ali, reger o cinema na sua produção de imagens - a estética da Van Sant só é sensível, poderosamente sensível, aliás, às personagens e à sua situação.

Por tudo isto, "Restless" é um filme de uma fragilidade comovente, construído na simplicidade da sua história, sóbrio conto sentimental, mergulhado numa melancolia outonal transmitida pela imagem com grão e cores acinzentadas de Harris Savides e a banda sonora omnipresente, como um quase totalmente sumido palimpsesto pop (Bon Iver, Sufjan Stevens, Nico...) que vai pontuando o mood das personagens, elas que são interpretadas com a mesma discrição que caracteriza a estrutura narrativa do filme. De facto, pessoas e câmara/montagem estão aqui em sintonia perfeita - e raras vezes vi algo assim - na criação de uma atmosfera, não, melhor: de uma estética da solidão e da ternura. Sopro entre a vida e a morte que aquece o coração humanamente dolorido. Pequena canção caída como uma folha de Outono.

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