Há uma tese nas profundezas de cada filme de Benning que se sente como uma picada de uma agulha. E no caso de "Landscape Suicide" essa é uma picada que vai directa à espinha, com a defesa da hipótese segundo a qual o homem esquece o que a paisagem não cessa de lembrar. Benning aponta a câmara para o espaço onde, mais perto ou mais longe, crimes hediondos foram perpetrados por mentes perturbadas de pessoas feitas da mesma carne que todas as outras.
Numa palavra, podemos dizer que Benning usa a sua câmara para inquirir “de frente”, em quadros vivos, as paisagens do interior americano, cuja beleza deslumbrante foi interrompida pelas notícias dos homicídios perpetrados pela jovem Bernadette Potti e pelo infame psicopata Ed Gein. Benning filma a paisagem com a mesma desafectação, o mesmo chocante e frio detachment, com que filma os autores desses actos bárbaros, que são interpretados por dois actores de rosto anónimo com uma "naturalidade" desarmante - a verdadeira antítese da típica reconstituição jornalística, seca e directa. Só osso.
Tanto Gein como Potti são minuciosos nos relatos que prestam à polícia, pelo menos, até chegarem ao momento em que tiveram de lidar com os seus actos - tido por acidental no primeiro caso e "inexplicavelmente" voluntário no segundo. Ora, estes "lapsos de memória", este poder que assiste a estes homicidas é o que mais impressiona no filme de Benning, ele que há mais de quarenta anos se questiona sobre o alcance, a extensão, a geografia... da memória humana. O que os assassinos esquecem a imagem do local (mental ou não) faz reaparecer - muitas vezes os seus relatos partem de uma descrição pormenorizada de onde estavam e por onde foram... - como se a paisagem tivesse ela própria um reservatório de memória próprio, que faz lembrar aqueles que esquecem ou querem esquecer.
Como a paisagem não sabe esquecer, a ela acabam por confluir traumas e fantasmas do passado, que reincidem como um pesadelo recorrente. (Como diz Deleuze ninguém deseja algo, mas uma multiplicidade de coisas, por exemplo, uma mulher, mas também a paisagem que a envolve. Logo, pergunto-me se Potti e Ed Gein não terão tornado suas cúmplices, involuntariamente, as paisagens onde mataram; parte "colaborante", "co-autora", do horror.)
A câmara de Benning disseca, autopsia, cada canto da comunidade afligida pelos crimes - que tenta esquecer - como o polícia que inquire o criminoso - que tenta lembrar. Este método, bem evidenciado em "Landscape Suicide", verdadeiro "pesadelo à Benning", aparece-nos, esventrado - como o veado das imagens finais -, com uma claridade desarmante até para o espírito mais opaco: poder esquecer é uma prerrogativa humana que a natureza, várias vezes, remete para o "fora-de-campo" como um castigo sem fim e inescapável.
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