quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Qualidade das edições de filmes (e livros) no mercado nacional

O nosso mercado de DVDs e livros sofre de um problema antigo: a pouca atenção que os diversos editores prestam ao objecto-livro ou ao objecto-filme, fazendo da sua apresentação uma etapa secundária ou terciária do processo de aproximação da obra ao leitor/espectador.

Nunca estivemos tão sós neste desleixo declarado no design de capas de livros e filmes: veja-se como os espanhóis, em poucos anos, passaram de uma estética "Praça de Espanha" para um tratamento cuidadoso, sofisticado nalguns casos, dos seus produtos culturais. Passamos os olhos pelos clássicos, editados há uns anos em Espanha, e vêmo-los hoje reeditados em caixas chamativas, que "brincam" com a imagética do próprio filme - há um lado "hermenêutico" no melhor dos trabalhos de design no mercado cultural, prova disso é, obviamente, a Criterion Collection.

Edição americana de "O Convento"


Não refiro aqui os franceses, que se calhar até mais no mercado livreiro que de filmes, têm dado lições de bom gosto aos parceiros europeus. Quanto aos americanos, dependendo das editoras - como digo, nada bate a Criterion, mas também a Olive Films (exemplo recente: "Aurora"), por exemplo, se destaca pela excelência no tratamento do "objecto-filme"... -, há muito design que sucumbe ao "chapa 7" da indústria, treslendo por completo os princípios estéticos da obra a vender - exemplo disso é a capa que a Lions Gate concebeu para o DVD de "O Convento" de Oliveira, assemelhando este a um "Talentoso Mr. Ripley" ou outro thriller qualquer vindo da indústria americana. De qualquer modo, regra geral, os filmes são condignamente tratados no mercado americano. Continuando a falar de Oliveira, há alguma queixa que se possa apontar à edição de "Singularidades..." ou, mais ainda, de "O Estranho Caso de Angélica" (este em Blu-Ray)?

"The Kremlin Letter" de John Huston

Edição portuguesa

Edição britânica

Mas, permitam-me, volto ao motivo deste post: e Portugal? Bem, regra geral o que se vê nas prateleiras de uma FNAC é um desfilar de estética Photoshop de segunda categoria ou impressões manhosas de stills colados - a cuspo - sobre as caixitas dos DVDs. Não há cuidado nenhum - muito menos, a tal "hermenêutica"... Exemplos? Bem, tenho de referir as horríveis capas que o cinema clássico, ou a maior parte do cinema clássico, merece no nosso mercado. Os filmes da Fox que foram postos à venda a 5 euros parecem coisas velhas que foram atiradas, com desprezo, para as prateleiras da FNAC na esperança de que algum desses "nerds do cinema" fizesse uma ou outra compra... Por exemplo, ao mesmo tempo que, no Reino Unido, foi lançado "The Kremlin Letter" de John Huston, em Portugal, a Fox disponibilizava o mesmo filme, mas com uma capa que ainda é mais repulsiva se comparada com a britânica (muito mais enquadrada com a estética do thriller político de espionagem, supostamente terreno por onde se move este filme de Huston - e, plasticamente, mil vezes mais interessante, mas isso parece-me que salta à vista).

"F for Fake" de Orson Welles

Edição americana


Edição britânica


Edição portuguesa

Para além da magreza de extras - mais um sinal de desleixo -, a maior parte das edições portuguesas tem disto: rivaliza com a Espanha de outros tempos pela capa mais horripilante, capa que desvaloriza imediatamente o filme que pretende vender. Outro exemplo, neste caso, é "F for Fake", último filme da carreira de Orson Welles, que mereceu uma das mais intensas redescobertas nos últimos anos. Saiu pela mão da Criterion numa edição belíssima e, depois, pela mão da Masters of Cinema. Comparem as capas destas edições com a edição portuguesa da autoria da FNAC/Costa do Castelo - esta última parece mais uma publicação de um fascículo dedicado a "grandes cineastas do nosso tempo" do que uma edição singular de uma obra... também ela singular e rara.


"Mistérios de Lisboa" de Raoul Ruiz

Edição portuguesa
Edição americana

Outro exemplo que, na realidade, motivou este post é a edição em Blu-ray de "Mistérios de Lisboa" cá versus a edição americana que já está em pré-venda na Amazon. A capa do filme de Ruiz, no mercado nacional, replica os floreados das novelas de Camilo Castelo Branco, mas não consegue captar minimamente a atmosfera e a estética do filme de Ruiz. Isso faz, a meu ver, lindamente, esta edição norte-americana. É sempre triste quando sentimos que um filme "nosso" merece um tratamento mais à altura dos seus pergaminhos "fora" do que em "casa". Curiosamente, aqui, passa-se uma inversão curiosa em relação ao que referi atrás no que diz relativamente à capa americana de "O Convento": a capa da obra-prima de Ruiz está mais "americanizada" na versão nacional do que na correspondente futura edição norte-americana, bem mais feliz a captar a ambiência formal (o mistério, vá!) de "Mistérios de Lisboa".

Edição Midas de "O Sangue"

Enfim, vários outros exemplos podiam ser dados da absoluta desvalorização a que se prestam os filmes, mesmo as grandes obras-primas, no nosso mercado. A excepção, que existe sempre para confirmar a regra, é a MIDAS Filmes, não todas as suas edições, mas, por exemplo, os DVDs de "O Sangue" e "Onde Jaz o Teu Sorriso?" são "pequenas obras-primas das obras-primas", que tornam o objecto-filme, por assim dizer, potencialmente competitivo mesmo no mercado internacional - por alguma razão têm legendas em inglês. O mesmo podia ser dito sobre a magnífica caixa integral João César Monteiro, mas tudo isto são excepções - no mercado livreiro haverá mais, por exemplo, Assírio & Alvim, Orfeu Negro e Livros Cotovia são raios de luz na generalizada falta de qualidade do design dos livros editados no nosso país. Não peço que copiemos a Criterion, mas, pelo menos, que possamos tratar condignamente a obra a publicar e, com isso, procurar trabalhar a, tantas vezes, primeira relação que esta estabelece com o espectador/leitor.

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