quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013
Newsletter #19: Bene
Quando Carmelo Bene advoga que, antes da obra, é ou deve ser o autor "a" obra-prima parece estar - ou, pelo menos, aos meus olhos está - a desenhar o auto-retrato perfeito. Personalidade complexa, de uma densidade e de um saber que já não pertencem a este tempo, Bene foi actor de teatro, encenador, dramaturgo, cineasta e, não menos importante, um pensador ou, no sentido mais totalizador, um crítico. Na realidade, o que faz efervescer as suas imagens é essa convicção de que estas partem de uma postura crítica - louca e lúcida, quase ao mesmo tempo -, já que "salta à vista" que o seu cinema enforma de um pensamento recalcitrante, terrorista, terrivelmente obstinado no combate aos lugares-comuns, às soluções fáceis, ao embasbacamento infantil que sustenta uma certa ideia dominante de cinema. Bene assume-se como um violento descrente no cinema - ele faz cinema CONTRA o cinema - e é com base nessa premissa que, presentificado na imagem pelo seu próprio corpo, baralha as habituais coordenadas da linguagem fílmica, tornando-a, em certos momentos, difícil de situar ou compreender (de Pasolini a Jerry Lewis, passando por Anger ou Markopoulos, as referências podem ser tão diversas e "incongruentes" como estas).
O cinema precisa de ser inaceitável e incompreensível. É o próprio Bene que o diz numa entrevista notável (que, em breve, deverei reproduzir neste blogue, pelo menos, nas suas partes mais significativas) - na qual cita Schopenhauer, Nietzsche, Derrida, os seus amigos, mas amigos sem "cedências", Pasolini e, com quem escreveu o livro Superpositions, Deleuze. Ainda que tenha merecido a maior admiração por parte de boa parte (ou da parte boa...) da elite intelectual europeia dos anos 60 e 70, Bene é hoje, no campo do pensamento cinematográfico ou das imagens - posto em prática, posto em teoria -, um universo a descobrir urgentemente e sem medos, preferencialmente nesta ordem: ele - a obra-prima - e, depois, a sua obra (quase) impenetrável. Com este intuito, de relançar a curiosidade e o fascínio em torno desta figura única, a Newsletter do CINEdrio faz de Carmelo Bene o herói de Março.
Para além da figura do mês, importa destacar alguns importantes lançamentos recentes, futuros e oportunidades no mercado livreiro e home cinema. Entre os filmes, prometemos dar a ver, entre muitas outras, obras dos irmãos Safdie, de Richard Fleischer, de L'Herbier, de Pagnol, de Frankenheimer, de Rossellini, de Rouch, de Anthony Mann... Quanto aos livros, prometemos temas tão diversos como o passado e o futuro do cinema português, as memórias de Friedkin, as visões do cinema pelo cineasta experimental Nathaniel Dorsky, os escritos sobre cinema de Maya Deren, o olhar crítico de J. Hoberman, David Thomson e o tão badalo por estes dias Alfred Hitchcock, os não-lugares de Augé, etc.
Para o inquérito do mês, convidámos o investigador de cinema e um dos principais dinamizadores da Associação de Investigadores da Imagem em Movimento (AIM): Paulo Cunha.
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