O recorte parece ter saído de um texto de Walter Benjamin, mas não: trata-se "simplesmente" de um diálogo, na presença das três personagens que compõem o triângulo fatídico do filme, no não tão simples quanto isso argumento de "Les diaboliques" (1955) de Henri-Georges Clouzot. Para Michel Delassalle (Paul Meurisse), homem capcioso que dirige um pequeno colégio francês, a sua mulher Christina (Véra Clouzot) mais do que doente é ruinosa. É ruinosa, mesmo sendo graças a ela que ele ocupa o lugar de poder que ocupa; é ruinosa, mesmo alimentando ele uma relação extraconjugal à vista de toda a gente com uma amiga e colega daquela, de nome Nicole Horner (Simone Signoret).
Christina é ruinosa? Ruinosa como "aquilo que está em estado de ruína"; não tanto como "aquilo que foi", muito menos como "o que arruina", mas como aquilo que não pode ser mais destruído, porque já é - e é sempre - destruição. Ela é o que resta de um matrimónio infernal, algo que, face ao marido, a fragiliza mas também a fortalece: a sua presença sinaliza uma destruição irreparável, uma destruição indestrutível. Ela, como ruína que é, não tem medo, nem mesmo da própria morte. (Nada a prepara, no entanto, e esse é o golpe trágico e terrível de Clouzot, para o inominável horror além-morte...)
Michel Delassalle: Ela é muito frágil, tu sabes.
Nicole Horner: Frágil?
Michel Delassalle: Sim, quando veio de Caracas. Hoje, é uma pequena ruína bonitinha. Ela não arrisca nada. As ruínas são indestrutíveis. Ela vai-nos enterrar a todos. Não vais, minha pequena ruína?
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