quarta-feira, 30 de abril de 2008

Movie brats: crianças para sempre (IV)

Continuando...

Brian De Palma



O cinema de De Palma está repleto de excentricidades visuais, nomeadamente, os seus planos-sequência impossíveis ou as inesperadas divisões na imagem. E, por isso mesmo, "Femme Fatale" (2002) é o epítome ideal do seu virtuosismo, até porque, para além disso, é o "plágio dos plágios" de De Palma - é "Vertigo" (1958) ou o próprio "Obsession" (1976) de De Palma que é homenageado? É "Rear Window" (1954) ou o seu duplicado, "Body Double" (1984), que é remisturado? Mas, infelizmente, o YouTube, como muita comunidade cinéfila, desvaloriza essa obra-prima, sendo difícil de encontrar, por exemplo, imagens da sua inebriante sequência inicial (filmada em Cannes). Mas não há problema, porque não faltam grandes momentos no cinema de De Palma: por exemplo, os 10 minutos em plano único que iniciam o igualmente subvalorizado "Snake Eyes" (1998).

George Lucas



Escolhi um momento da distopia futurista, asfixiante e claustrofóbica, "THX 1138" (1971) de George Lucas, filme algo esquecido, bastante conotado politicamente (a sociedade totalitária das "massas pelas massas" é uma alusão clara ao comunismo), mas que é um trabalho plástico muito interessante, que desengana todos aqueles que pensam que Lucas sempre foi, para o bem e para o mal, um realizador inteiramente comercial.

William Friedkin



Aqui não quis ser óbvio. Claro que a perseguição de "French Connection" (1971) será o momento mais importante na filmografia de Friedkin, mas "The Hunted" (2003), o seu penúltimo filme, merece uma menção aqui. Para mim (sei que estou só...), trata-se de um dos filmes mais injustamente desprezados dos últimos tempos: "The Hunted" é directo, cru e selvagem, como se Friedkin quisesse filmar uma caçada entre dois homens, expurgada de toda a verborreia que reveste, talvez para disfarçar um certo complexo de "género menor", grande parte dos filmes de acção. "The Hunted" não precisa de uma segunda leitura: é um homem atrás de outro; "apenas" um filme de acção, que assume a sua dureza e straightforwardness com total desassombro. Ah, e esqueçam o CGI.

terça-feira, 29 de abril de 2008

Movie brats: crianças para sempre (III)

Agora que já olhámos o futuro, proponho viajarmos até ao passado: publico aqui uma muito subjectiva e limitada (à oferta do YouTube) escolha de apenas um grande momento na filmografia de cada um dos movie brats em sondagem.

Francis Ford Coppola



Pode ser uma escolha óbvia, mas a forma como "Apocalypse Now" (1979) começa é qualquer coisa de maior que o próprio cinema - estranhamente, a imagem inicial de Martin Sheen faz-me lembrar um dos malabarismos de câmara do recente "Youth Without Youth". Gostava também de lembrar os comoventes minutos finais do muito subvalorizado "The Godfather: Part III" (1990).

Steven Spielberg



Para mim, Spielberg é, acima de tudo, um enorme realizador de acção/suspense/terror. Não me interpretem mal, "E.T." (1986) é a sua maior obra-prima, mas filmes como o muito esquecido "Duel" (1971) e o ainda hoje arrepiante "Jaws" (1975) são magistrais rebentos da escola que Hitchcock fundou com "The Birds" (1963). Escolhi uma das perseguições de "Duel" - pergunto-mo se os minutos finais de "Death Proof" não terão também vindo beber aqui.

Martin Scorsese



A abertura de "Raging Bull" (1980) não é só a abertura do maior filme americano dos anos 80. A música belíssima, em harmonia com o preto-e-branco nostálgico, mais o título violento retêm nela os instantes que parecem resumir uma vida: a do pugilista Jake LaMotta. É o maior Scorsese.

(continua)

domingo, 27 de abril de 2008

We Own the Night (2007) de James Gray


"We Own the Night" é um filme pensado até ao seu último plano. Sentimos que terá habitado a cabeça de James Gray durante cada um dos 7 anos que passaram sobre o seu anterior filme, o decepcionante "The Yards": o argumento de sua autoria, trabalhado e retrabalhado no sentido de equilibrar o percurso tortuoso e transformador do protagonista, 'Bobby' Green (brilhante Joaquin Phoenix), tem a correspondência lapidar numa realização encorpada, reveladora de uma consistência e graciosidade próprias de um veterano, como, por exemplo, Martin Scorsese, realizador aqui claramente homenageado. Com efeito, as semelhanças com "Taxi Driver" (1976), mas também com "Carlito's Way" (1993) de De Palma, não são acidentais: o próprio Gray sempre assumiu a influência que os movie brats tiveram no seu cinema.

A ideia de Gray é a de filmar a polícia como a "derradeira família" que combate - do lado do bem? "Serpico" (1973) e "Prince of the City" (1981), ambos de Sidney Lumet, disseram-nos que não... - a expansão do mercado da droga, tomado por uma complexa rede de máfias. Entre elas, encontramos as "outras famílias", nomeadamente, a italiana (de Scorsese), a hispânica (de De Palma) e a russa (agora retratada por Gray). Ou seja, "We Own the Night" retrata o crime e o combate ao crime como universos criados na consanguinidade e, por isso, intrinsecamente conflituantes - alguém falou de Coppola?

O elemento desestabilizador no filme é 'Bobby', que, vivendo no limiar desses dois universos, é o órfão e o apátrida; o problema e a solução de "We Own the Night". A complexidade da personagem interpretada por Joaquin Phoenix é um dos elementos que fazem desta subvalorizada obra de Gray muito mais do que um produto de um realizador deslumbrado, "agarrado" às suas próprias idolatrias.

É "um dos", porque, sejamos justos, "We Own the Night" não precisava de muito mais para ser um grande filme do que aquele momento magnificamente filmado em que 'Bobby' regressa para os braços da sua namorada, depois de ter visto o irmão desfigurado na cama do hospital. Ou aqueles minutos em que Gray cria uma das melhores sequências de perseguição automóvel na história recente: real (o CGI foi usado, mas nem se nota...) e siderante como todo o filme.

Ler mais aqui: IMDB.

sábado, 26 de abril de 2008

Fuck cynicism!

"Dogville" (2003) de Lars von Trier

"There Will Be Blood" (2007) de Paul Thomas Anderson

quinta-feira, 24 de abril de 2008

Movie brats: crianças para sempre (II)

Enquanto a nossa pequena sondagem não expira, olhemos para o futuro próximo dos movie brats.

Francis Ford Coppola - Acabou de fazer "Youth Without Youth" e já está a filmar "Tetro", obra que começou mal. A sua casa em Buenos Aires foi assaltada, tendo os ladrões levado equipamento de filmagem, notas de pré-produção e o computador que armazenava a única cópia existente do argumento, que se debruça sobre as rivalidades que ameaçam dividir uma família italiana de artistas na Argentina. Este episódio traumatizante não demoveu Coppola, que já se encontra a filmar com base num novo argumento, que contém uma alteração significativa em relação ao anterior: o protagonista é, agora, uma protagonista; ou seja, se antes Javier Bardem estava nos créditos, agora está Carmen Maura, a antiga musa de Pedro Almodóvar. A personagem Tetro será interpretada por Vincent Gallo.

Steven Spielberg - Está prestes a estrear internacionalmente, no Festival de Cannes (14 a 25 de Maio), a quarta parte da saga Indiana Jones, "Indiana Jones and the Kingdomn of the Crystal Skull". Mas Spielberg, tal como Scorsese (ver abaixo), também sonha com um filme sobre um Presidente histórico dos Estados Unidos: Abraham Lincoln. "Tintin" continua na agenda do realizador.

Martin Scorsese - Depois do multi-premiado "The Departed" (2006), que lhe valeu os Óscares de melhor filme e realização, Scorsese não tem parado. Em 2007, embarcou numa "experiência secreta": realizar uma curta-metragem chamada "The Key to Reserva", que é a transcrição para película de três minutos de um filme que Alfred Hitchcock nunca realizou, exactamente "The Key to Reserva" - podem vê-la aqui, juntamente com um delicioso prólogo (e não só...) do próprio Martin Scorsese. Chegamos a 2008 e Scorsese já estreou internacionalmente, no último festival de Berlim, "Shine a Light" (estreia dia 1 de Maio em Portugal), documentário musical de homenagem aos Rolling Stones, espécie de sucedâneo de "No Direction Home: Bob Dylan" (2005). Quanto ao futuro, vários são os seus desejos: filmar o livro "Shutter Island" de Dennis Lehane; fazer um filme sobre Theodore Roosevelt; homenagear George Harrison; ou contar a história do livro "O Silêncio", que se debruça sobre a viagem que, em 1638, o jesuíta português (!) Sebastião Rodrigues fez até ao Japão.

Brian De Palma - O experimental "Redacted" (2007) pode ter sido uma experiência esporádica, que, até ver, não sofrerá um desenvolvimento no seu próximo projecto. Com efeito, parece estar de regresso ao mainstream, com a anunciada sequela de "The Untouchables" (1987), intitulada "The Untouchables: Capone Rising", mas, ao mesmo tempo, todos sabemos que De Palma é tudo menos um realizador previsível.

George Lucas - Não tem nenhuma realização na agenda, mas acaba de produzir "Indiana Jones and the Kingdom of the Crystal Skull" e tem estado associado a vários subprodutos da saga "Star Wars".

William Friedkin - Com o fabuloso "Bug" (2006), Friedkin voltou a conquistar a crítica, mas isso não impede que este continue a avançar com muita cautela para cada projecto. Daí que, por enquanto, não tenha nenhuma longa-metragem no horizonte. Contudo, na senda de Tarantino, filmou, em 2007, um episódio para a série "CSI: Las Vegas".

segunda-feira, 21 de abril de 2008

Caixa de Pandora

"Kiss Me Deadly" (1955) de Robert Aldrich

"Mulholland Drive" (2001) de David Lynch

O que falta na TV portuguesa

Não devemos criticar apenas as escolhas que os directores de programação da televisão portuguesa fazem. Aquilo que não entra na grelha programática de certos canais também deveria merecer uma apreciação. Por exemplo, pergunto-me por que nem a SIC Radical nem a RTP2 pegaram ainda na série "Masters of Horror", que já completou duas temporadas nos Estados Unidos.

Não me venham com o argumento "mas isso não interessada nada a ninguém", porque, no último (que foi o primeiro, e, já agora, único?) festival de terror em Lisboa, Motelx, as salas encheram-se para o visionamento de alguns dos seus episódios. (E que excelente que foi ver, no grande ecrã, o delirante "Pro-Life" de John Carpenter.)

domingo, 20 de abril de 2008

Kiss Me Deadly (1955) de Robert Aldrich

"Kiss Me Deadly" é um film noir muito especial. Percebemos isso logo nos primeiros minutos, em que vemos uma mulher semi-nua a correr desesperada, ao longo de uma estrada. Os carros passam, ignorando-a... até que esta decide colocar-se à frente do carro daquele que irá ser o protagonista do filme: Mike Hammer (Ralph Meeker). Os minutos seguintes são decisivos: "remember me", diz a mulher a Hammer, segundos antes desta morrer e ele ficar ferido, e amnésico, na sequência de um desastre de viação com muito pouco de acidental...

A partir daqui, é noir puro: Hammer inicia uma investigação particular, começa a ligar variadíssimos nomes (o enredo é difícil de seguir, como um "The Big Sleep" ou "Murder, My Sweet") e, entrementes, seduz várias mulheres, algumas loiras (venenosas?) e uma morena (aquela que verdadeiramente ama). O mais especial nesta obra-prima de Robert Aldrich é, para além da sua extrema negridão e violência (a lembrar, a espaços, esse autêntico mergulho no abismo que é "Nightmare Alley", filme maldito de Edmund Goulding), a forma como paulatinamente vai perdendo o contacto com a realidade, deixando que a paranóia se apodere da história como um vírus.

Perto do fim, "Kiss Me Deadly" desliza para uma espécie de vertigem horrífica, só comparável a um David Lynch, mais concretamente, ao seu noir revisionista, "Mulholland Drive" - o que esconde a caixa misteriosa a que todos querem deitar mão?

Aldrich filma este noir febril e demencial, seguindo um objectivo claro: a cada plano, uma obra de arte. Com a câmara em posições inauditas, a sublinhar permanentemente a estranheza da história-pesadelo de Hammer, Aldrich constrói uma teia de imagens plasticamente notáveis e engenhosas. Singular.

Ler mais aqui: IMDB e DVDTimes.

sábado, 19 de abril de 2008

Amor/sexo entre grades

"Pickpocket" (1959) de Robert Bresson

"As Bodas de Deus" (1999) de João César Monteiro

Futsal enxotado para a SIC Radical

Não sei se é para rir ou para chorar: agora a SIC Radical passa jogos de futsal em directo. Quanto tempo faltará até que este canal se descaracterize por completo?

sexta-feira, 18 de abril de 2008

O directo de Menezes

O directo de Menezes foi um momento televisivo que poderá equivaler, em "politiquês", àquilo que se passou ontem, no frenético Sporting-Benfica.

Na sequência de várias manifestações de desagrado em relação à actual liderança (ou lideranças, como alguns acusam) do PSD, Luís Filipe Menezes decide renunciar, anunciando a imediata convocação de directas. E quando digo imediata, digo imediata: daqui a cerca de um mês, temos novas eleições dentro do partido, depois de há apenas seis meses as "bases" terem elegido, de forma peremptória, o autarca de Gaia.

O anúncio foi feito durante o jornal das 9 da SIC Notícias, o que obrigou Mário Crespo a interromper a análise de Ângelo Correia, em estúdio naquele exacto momento, sobre o actual estado do partido e da liderança que subscreve(u).

A demissão de Menezes, com a ambiguidade em torno de uma eventual recandidatura, apanhou toda a gente desprevenida, incluindo o próprio Ângelo Correia, que, a gaguejar, lá disse que apoiaria Menezes, se este, por hipótese, decidisse entrar na corrida. Mas, no jornal das 22, já Ana Lourenço dava como facto consumado a não recandidatura de Menezes... Impressionante este relampejante "pingue-pongue" noticioso em tempo real.

Filmar o tempo

"Offret"/"The Sacrifice" (1986) de Andrei Tarkovsky

"The New World" (2005) de Terrence Malick

quarta-feira, 16 de abril de 2008

Rir na SIC Radical

A SIC Radical já viveu melhores dias. As suas principais estrelas ou se apagaram (caso de Rui Unas e Bruno Nogueira) ou já andam noutros voos (os Gato Fedorento). Quer dizer, Fernando Alvim lá continua com o seu "Boa Noite Alvim", talk show anárquico, onde o que mais se aproveita é a música do genérico (de JP Simões) e os sketches inteligentes de Nuno Costa Santos. Porque Alvim não muda: o humor anormalóide - foi ele que se considerou, em tempos, um "perfeito anormal" - preso à fórmula, hoje lamentavelmente na moda, do "quanto mais idiota, mais fixe" continua a ser a sua imagem de marca. Mas, às vezes, lá nos rimos da figura, espécie de clown decadente em perfeita sintonia com o actual estado da SIC Radical.

O pior? O pior é que claramente não há dinheiro nem vontade para dar vida nova ao canal. É verdade que ainda lá encontramos bons programas, exemplo de "Family Guy" (que passa de manhã...), "Seinfeld" (que já vimos um milhão de vezes...), "Daily Show", "Conan O'Brien", "Swinging", "Comedy Inc." (em reposição) e "Quase Toda a Verdade", mas o último golpe de mestre de repor, do primeiro ao último número, o "Levanta-te e Ri" é um sinal de alerta: a SIC Radical está desesperada e a televisão nacional começa a ter saudades dos Gato Fedorento (que também estão em reposição nesse canal e na RTP1, a fazerem concorrência a si mesmos).

É que, depois dos gatos, o programa "Levanta-te e Ri" parece ter sido feito no século passado, num tempo em que os portugueses facilmente se riam, de modo boçal e automático, de piadas que se resumiam à expressão "José Castelo Branco" ou "Miguel Ângelo". Ou seja, graças à SIC Radical, estação que se calhar já se encontra numa espécie de antecâmara gold da sua própria extinção, confirmamos que "Levanta-te e Ri" marcou um período meramente transitório na história do humor em Portugal. Por tudo isto, sugeria que se mudasse de rumo, antes que seja tarde demais.

O Poder da Imagem III: O Olhar e o Olhado em They Live (I)


2. O Olhar e o Olhado em They Live (I)

Stay Asleep.
No Imagination.
Submit to authority.


They Live data de 1988, época que marca o fim da era do Presidente Ronald Reagan, que nesse ano deu lugar a Bush Senior. A incerteza instalara-se no periclitante momento em que a ameaça comunista se des­vanecia e a guerra-fria chegava ao fim dos seus dias. Foi precisamente nesta fase de rescaldo, ou seja, num momento em que a América inicia um período de recuperação pós-trauma, que Carpenter decide fazer They Live, obra anti-sistema que, ao invés de alimentar a ilusão da vitória norte-americana numa guerra que nunca chegou a defla­grar, apostou numa parábola política, disfarçada de cinema sci-fi de acção.

Este subvalorizado filme de Carpenter procu­rou, numa investida espinhosa contra a América de Reagan, da intimidação anti-comu­nista, dos yuppies e do corporate power, deslindar o universo subterrâneo que fluía, em conspirativo secretismo, no cerne da sociedade norte-ameri­cana.

Neste tempo passado, que ainda é o do presente, porque, alerta Carpenter, o reaginismo, de facto, ainda não morreu, os media eram os mensageiros de um "sistema", zelando pela manutenção da ordem – o tal statu quo reaginista – e reproduzindo a ideo­logia dominante – do capitalismo selvagem e de um certo repúdio irreflectido dirigido ao inimigo comunista.

(alerta para alguns spoilers, a partir daqui)
De início ao fim, não conhecemos nada sobre o protagonista, nem mesmo o seu nome, que nos créditos finais mereceu um baptismo irónico: Nada. Vemo-lo inicialmente com uma enorme mochila às costas, vindo de uma estação ferroviária. Quando chega à grande cidade, Nada não descansa enquanto não encontra um trabalho, abrigo e comida. A muito custo, arranja um trabalho precário nas obras; abrigo e comida numa pequena comunidade, que se estabeleceu num vasto terreno, situado na zona periférica da cidade.

Desde o começo, Nada pressente algo de estranho: não só no espaço onde agora vive, mas naquilo que lhe chega aos olhos, via TV, uma vez que a emissão normal das televisões tem vindo a ser interrompido por um sinal exterior. Entre os programas fúteis e estupidificantes que proliferam no espaço televisivo, revela-se, ocasionalmente, a imagem de um homem que, em tom profético, apela à humanidade que reaja ao perigoso estado de adormecimento em que submergiu…

Nada começa, de imediato, a desconfiar da constante actividade que rodeia uma igreja, situada perto da comunidade. Dentro dela, descobre que os cânticos religiosos, que de lá se faziam soar, não passa­m de gravações em cassete.

À socapa, Nada apercebe-se que aquilo que aparenta ser um espaço de culto, foi substituído por uma espécie de organização secreta, responsável pelas interferências no sinal televisivo. Antes de conseguir agarrar sequer uma das misteriosas caixas que se encontravam na igreja, Nada é surpreendido por um pregador cego que, contra a sua condição, afirma que “Deus fê-lo ver”.

Quando a noite cai, helicópteros e carros da polícia invadem violentamente o espaço da igreja e executam uma autêntica “limpeza de hereges”. Inquietado com o sucedido, Nada procura retirar da igreja uma das caixas que, no dia anterior, lhe haviam despertado um inusitado fascínio. Na cidade, resolve abrir a caixa, mas desilude-se com o que, dentro dela, encontra: um punhado de banalíssimos óculos escuros. Mas o que era banal torna-se em algo excepcional: postos os óculos, Nada vê um mundo novo.

Nada desperta do torpor em "They Live" (1988)


No substrato dos outdoors, dos textos das revistas, dos discursos políticos televi­sionados, Nada vislumbra, “preto no branco”, perturbantes mensagens de ordem, tão agressivas quanto lacónicas: Stay asleep, No imagination, Submit to authorithy, Obey, Consume, etc. Por outro lado, os óculos permitem reconhecer, entre humanos, seres de outro planeta – alguns dos humanos apresentam um fácies transmutado em algo de abominável e macabro, contactando entre si, através de relógios de pulso.

A reacção do nosso herói é, sem grande hesitação, a de exterminar, a tiro de caçadeira se for preciso, esses seres diabólicos que se regozijam com a manipulação e controle da espécie humana…

(continua)

domingo, 13 de abril de 2008

Movie brats: crianças para sempre (I)

Coppola estreou, na passada quinta-feira, "Youth Without Youth", dez anos depois do seu anterior filme, "The Rainmaker". Salvo alguns casos, como Michael Cimino ou Peter Bogdanovich, a maior parte dos denominados movie brats, ou a geração que recriou Hollywood nos anos 70, continua entretida a brincar com os limites do cinema, nomeadamente através do digital, e a semear alguma controvérsia. Uns (De Palma, Friedkin e agora Coppola) remetem-se a um certo obscurantismo, enquanto outros (Lucas, Spielberg e Scorsese) lideram, como nunca antes, o mainstream. Enfim, quem está em melhor forma, hoje?

Resultados a publicar daqui a um mês.

Uwasa no onna (1954) de Kenji Mizoguchi

"Uwasa no onna" foi, para Mizoguchi, o fim de um amor longo por Kinuyo Tanaka, a actriz que protagonizou muitas obras-primas do mestre japonês. Depois de entrar neste filme, a actriz largou o seu "mentor" e tornou-se realizadora; para ser mais exacto, a primeira realizadora na história do cinema japonês. Mizoguchi, que era um homem de grandes paixões (e contradições), não apoiou a decisão de Tanaka, o que terá provocado uma ruptura definitiva entre os dois.

"Uwasa no onna" fala-nos de duas gerações de mulheres, representadas na história de uma mãe e de uma filha: a primeira, Hatsuko (Kinuyo Tanaka), gere um bordel e, a segunda, Yukiko (Yoshiko Kuga), regressa a casa vinda de Tokyo, depois de ter sido abandonada pelo marido e tentado pôr termo à vida.

Yukiko é o verdadeiro protótipo da mulher moderna da cidade: usa roupa ocidental, cabelo curto e crê que o estigma de ter uma mãe prostituta é a principal causa da falta de sucesso na sua vida. O discurso que traz "da civilização", sobre a necessidade de afirmação das mulheres numa sociedade injusta dominada por homens, vem desorganizar o dia-a-dia daquela velha casa de geishas, esquecida no interior japonês.

Ao mesmo tempo, a mãe redescobre o amor e inicia um período de dúvida angustiante, amplificada pelas convenções sociais imperantes que censuram e ridicularizam o amor entre os mais velhos - e que belo que é o espelho realidade/ficção das encenações do teatro Noh.

O mais notável neste filme é, mais uma vez, a forma inteligente como Mizoguchi se desvia dos clichés moralizantes do melodrama: se inicialmente pensávamos que o gesto libertador de "Uwasa no onna" partiria da filha, perto do fim, Mizoguchi troca as voltas à história e às personagens, amenizando o ímpeto progressista da filha e dando algum espaço à mãe para esta assumir, ao arrepio de todos os "bons costumes", um amor não correspondido. Isto é, a velha prostituta reivindica o direito a amar, mesmo sabendo que não será correspondida, enquanto a filha amolece e se transforma numa vulgar geisha.

Tal como em "Chikamatsu monogatari", a libertação/mudança vem com o amor nefasto.

Ler mais aqui: IMDB e DVDbeaver.

quinta-feira, 10 de abril de 2008

'Je vous salue, Marie' (1985) de Jean-Luc Godard

'Eu Vos Saúdo, Maria' é um filme que, mais proximamente, se poderá relacionar com essa maravilhosa abstração simultaneamente hipnótica e exasperante chamada "Elogio do Amor". Apesar do fundo revisionista do episódio da virgem impregnada, que tanto escândalo semeou na época, esta obra de Godard é, acima de tudo, um hino à condição feminina.

O corpo que engravida, por acção dos céus (da lua e do sol), sem permissão da virgem, está na génese de um drama feminino real: em primeiro plano está Maria, a revolta e o corpo martirizado, só depois aqueles que a rodeiam (entre eles, José e Julieta). O filme está repleto de belíssimas imagens (algumas delas quase divinais) e Godard aplica-as a uma história que não viveria sem elas.

Ou melhor, o cinema sempre difícil de Godard parece sofrer de uma condição: a sua fortíssima veia estética mais os seus diálogos existencias, por vezes herméticos e vagos, confundem-se muitas vezes com intrusão intelectual, mas a verdade é que, ao mesmo tempo que nos revolta e agride, a sua arte também interroga (os espectadores e o cinema). Será justo pedir mais?

Ler mais aqui: IMDB.

sábado, 5 de abril de 2008

There Will Be Blood (2007) de Paul Thomas Anderson

Meus senhores, não me peçam para ser racional, moderado, frio, preciso ou completamente imparcial a analisar este filme. Para mim, "Magnolia" é o maior filme dos anos 90 e tenho PT Anderson como o maior realizador da sua geração.

O que vi em "There Will Be Blood" é a superação, como raras vezes aconteceu, das expectativas monumentais que criei à volta de um filme. Trata-se de um daqueles filmes que já não se fazem sobre as raízes de toda uma civilização; sobre as camadas densas e imperscrutáveis que enformam as frustrações, sonhos, todas as virtudes e defeitos de um povo (com objectivos que lembram, a espaços, a trilogia sobre a construção dos Estados Unidos de Sergio Leone e esse autêntico ensaio sobre a ganância e avareza humanas que é "The Treasure of Sierra Madre", de John Huston).

O último filme de PT Anderson é isto, mas também é muito mais: é uma projecção da História na história de hoje; é uma reflexão crítica sobre os valores que fizeram erguer a nossa civilização. E, de uma maneira superlativa, por tão estrondosamente cinematográfica, "There Will Be Blood" diz-nos que essa civilização resultou do esforço criador, solitário e errático, de poucos homens, entre eles, Daniel Plainview (Daniel Day-Lewis numa interpretação que ficará na história), que funciona como a figura-síntese perfeita do seu, ou do nosso, tempo.

O sangue do título são as feridas, as lágrimas e o petróleo, mas também o ódio e o amor esmagadores desse pai, que tem tanto de pecador como de crístico ou tanto de devoto (na relação com o "filho" e no seu negócio) como de herege (a "vingança final" ).

Meus senhores, este filme grita-nos: é tempo de mudar o cinema e reposicioná-lo na sua escala original; na grande escala humana de um “Citizen Kane”!

Ler mais aqui: IMDB e DVDbeaver.

quarta-feira, 2 de abril de 2008

O Caso não do, mas dos telemóveis

Para quê gastar palavras a contextualizar um vídeo que, está visto, é o espelho do país? Os políticos antigamente elaboravam a sua agenda de acordo com as manchetes dos jornais, agora, com as magnífica e terríveis novas tecnologias, basta um vídeo amador do YouTube para gerar reuniões especiais e desassossegar um Presidente morno, quase zombie, ainda para mais, acabado de regressar de Moçambique!

As escolas, e nelas os alunos, professores e... - é impressão minha ou alguém se esqueceu dos pais? -, andam à deriva por causa não de um, mas de dois telemóveis: o que motivou o conflito entre aluna e professora e aquele que foi usado para o filmar - que foi? O rapaz estava a fazer videovigilância e ainda o acusam de ser cúmplice de tão hediondo "crime"?

Eu tenho uma sugestão a fazer para este caso e que exponho aqui, a pensar em todos aqueles que vêem o país pelo YouTube: acabem, de uma vez por todas, com os telemóveis nas salas de aula, mas depois não se espantem que a violência continue, isto é, continue "de facto".

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