terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Soylent Green (1973) de Richard Fleischer

"Soylent Green" (1973) é a concretização distópica, à frente do seu tempo, dos avisos que Al Gore (qual Thomas Malthus, qual carapuça!) e os seus sofisticados power point fizeram ao mundo: em 2022, o planeta terra é um lugar inóspito, estéril, sem alimentos e onde, por causa disso, vigora um modelo de sociedade quase medieval. Nos apartamentos luxuosos - senhoriais... -, os mais ricos comem carne, bebem bourbon e são servidos por voluptuosas mulheres tratadas como e apelidadas de "furnitore" (mobília).

Fora deles, a cidade é um inferno: as pessoas dormem, comem e morrem nas ruas como animais. Para estas, comer um bife ou uma alface pertence ao mundo dos sonhos; a sua alimentação é baseada numa substância química, de enigmática composição, chamada "soylent green", umas pastilhas verdes sensaboronas que dão à população as proteínas suficientes para sobreviverem. Thorn (Charlton Heston) é uma dessas pessoas, quer dizer, ainda assim, vive em melhores condições e com uma certa independência: trabalhando como detective, lá vai surripiando nos "locais de crime" uma garrafa de álcool ou um pedaço de comida "a sério"... Para mais, Thorn partilha um exíguo apartamento com Sol Roth (excelente Edward G. Robinson), um velho sábio que foi professor no tempo em que a terra ainda era azul.

A intriga do filme arranca precisamente com o homicídio de uma pessoa importante (Joseph Cotten) e a subsequente investigação (mui escorregadia...) levada a cabo por Thorn e Sol. Neste filme, tal como na maior parte das distopias do género, a intriga é usada como um motivo para a apresentação de uma terrível (pre)visão do futuro. Na realidade, Fleischer, realizador clássico que fez coisas tão notáveis como "The Narrow Margin" (1952), molda este pequeno plot de conspiração política - com alguma, assaz pertinente, paranóia pakuliana - à imagem do film noir: um detective que, por integridade ou mera curiosidade, decide aprofundar uma investigação que o encaminha para as esquinas mais sombrias da sociedade em que vive. Enquanto não reúne todas as peças do puzzle, Thorn resgata das casas de suspeitos rastos de uma certa civilização humana - aquela que ficou lá para trás no tempo - e... apaixona-se por uma "mobília", leia-se, a lindíssima Leigh Taylor-Young.

Por outro lado, "Soylent Green" é um competente filme de acção que encontra em Charlton Heston o típico tough guy, mas com bom coração, que não se intimida com pressões ou ameaças. Simplesmente, ele vai até onde as suas convicções o deixarem ir - e nada, nem ninguém, o fará parar. Acreditamos que Verhoeven - naturalmente, mais cínico e ácido que Fleischer - terá visto "Soylent Green" antes de escrever, e conceber, o universo lamacento que gira à volta de Arnold Schwarzenegger em "Total Recall" (1990). "Idem idem, aspas aspas" para Carpenter e a sua parábola adorniana "They Live" (1988).

Apesar desta ponte interessante entre o clássico - Fleischer + Cotten + Robinson + Heston - e o moderno - inclusive, uma certa atitude fuck the whole world and the people who live in it dos anos 80/90 -, o que mais nos fascinou em "Soylent Green" é o modo como Fleischer trabalha a história, aparentemente secundária, da aventura de Heston pelos "prazeres do mundo perdido". Veja-se a forma como este filma Heston a comer uma refeição de carne, a trincar uma maçã, a pôr na boca de Sol uma colher com restos de doce de morango (hmm, delicious), a lavar a cara com um sabonete, a tomar um bom banho quente, a beber bourbon pela garrafa e, last but not the least, a cheirar o cabelo da mulher/mobília que ama.

São todos estes pequenos grandes prazeres que levam ao êxtase o protagonista deste filme; é através deles que o seu interesse pelo passado tal como a vontade de resolver o caso para que foi destacado se agudiza. Isto para dizer que, em "Soylent Green", percebemos a saudade que enche o coração do velho Sol e, por isso, sentimos um prazer não tão culpado como seria em 1973 de ainda vivermos no passado (a 13 anos do Apocalipse), num mundo não tão mau quanto isso - e, agora, "a moral da história" - que precisa urgentemente de ser melhor tratado. Pois é, Al Gore dar-lhe-ia, sem hesitar, cinco estrelas; nós divertimo-nos muito. Apenas (?!) isso.

Ler mais aqui: IMDB.

1 comentário:

Anónimo disse...

não comentar Soylent Green é um sacrilégio, principalmente para mim, Preservacionista e Educadora Ambiental.
Esse autor foi visionário em 1973, narrando um planeta destruído e esmgado pelo efeito estufa, lixo tóxico, desmatamento e toda sorte de calamidades hoje, 2009, já cientes em criancinhas no Maternal. Há cenas memoráveis, onde a única reserva verde americana é uma cabaninha guardada a 7 chaves. Outras cenas são a do detetive Thorn sentindo a água escorrer pelas mãos como diamantes e o velho Sol chorando ao ver um bife.
Esse filme deveria fazer parte do curriculo de aulas de biologia no Ens. Médio como uma chamada a não se menosprezar pequenos prazeres hoje disponíveis, tão brasileiros, como uma chuverada no verão e um picadinho com farofa no almoço. Para valorizar a natureza e tudo aquilo que ela, com tamanha genrosidade, oferta diariamente e com sorriso a todo ser planetário.

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