segunda-feira, 23 de agosto de 2010

La danse - Le ballet de l'Opéra de Paris (2009) de Frederick Wiseman


Ver o filme de Wiseman - aliás, ver os FILMES de Wiseman - lembra-me sempre a forma como o documentarismo tradicional está dominado pela lógica do making of - ou será antes o contrário? Qualquer actividade que seja retratada, política, artística, social..., é ilustrada pelos pensamentos e impressões do momento de quem a pratica. Ou melhor, por norma, os documentários da televisão, e aqueles que sendo de cinema não merecem a grandeza do grande ecrã, enchem de ruído verborreico inútil as suas imagens, onde, também por sistema, os close-ups dos rostos muito subjectivamente se impõem à totalidade, aberta e plural, do plano geral "invisível".

Várias vezes, somos bombardeados por isto: documentários centrados no dispositivo, na palavra, no protagonista (e numa narrativa formatada dentro do modelo dos três actos à Hollywood), relegando para segundo ou terceiro plano a actividade que o motivou. Veja-se como na maior parte dos making ofs há mais cabeças falantes a regurgitar os elogios da praxe ao realizador e à equipa do que imagens destes a trabalhar."Ele é uma pessoa especial; trabalhar com ele é uma honra; não hesitei em aceitar o seu desafio; são todos fantásticos", frases feitas tão recorrentes como são em futebolês as tiradas "o futebol é assim mesmo; há-que levantar a cabeça e trabalhar para o próximo jogo; não há favoritos para o próximo jogo". Imaginamos que nas mãos da pessoa errada "La danse" seria isso mesmo: um making of sobre uns quantos espectáculos organizados pela companhia de bailado da Opéra de Paris.

Mas, felizmente, Wiseman estava no lugar certo à hora certa para, pura e simplesmente, desaparecer no ar com a sua câmara; tornar-se invisível até às paredes de cada divisão (mesmo as subterrâneas) da Opéra, que se revela, como muito expressivamente diz Luís Miguel Oliveira na sua excelente crítica, uma colmeia de actividade efervescente. Os processos de aprendizagem são postos a nu, levando a que o espectador sinta na pele as exigências físicas e mentais a que são submetidos E se submetem os bailarinos - bem a propósito num filme sobre raparigas e rapazes que treinam, diariamente, para serem "monges e boxeurs" ao mesmo tempo...

Habilmente, Wiseman torna "La danse" numa espécie de "High School 3", já que estamos, de novo, numa "instituição" escolar, mas, desta feita, virada para uma expressão artística específica; logo, um processo cativante - em cativeiro... - com todas as qualidades microcósmicas do típico habitat wisemaniano. Se antes tínhamos as reuniões com os professores de liceu e as aulas propriamente ditas, agora invadimos sorrateiramente o espaço de cada um dos funcionários da Opéra, desde o porteiro até à directora artística, passando natural e principalmente pelos alunos e professores - e aquilo que os separa e une; isto é, o ensino, que é, enfim, uma passagem de testemunho de ex-bailarinos consagrados para bailarinos que o irão ser - o que importa manter, perante as pressões financeiras "exógenas", transcolmeia, transParis, transFrança, transatlânticas..., é A qualidade do PRODUTO.

Ficamos à espera do filme sobre boxe, que faz todo o sentido depois deste "La danse", mas a certeza de que Wiseman continua em grande forma está à mostra.

(E, ó senhor Wiseman, aproveitando esta oportunidade, não deixe de liberar os direitos dos seus filmes para que estes fiquem finalmente acessíveis em DVD/Blu-ray!)

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