sexta-feira, 8 de agosto de 2008

La graine et le mulet (2007) de Abdel Kechiche

"La graine et le mulet" será, porventura, uma das narrativas mais equilibradas e apaixonantes que o cinema deu a conhecer, em muito tempo. Um retrato corajoso das relações dentro de uma família de origem árabe residente em França, que procura expor, de forma subtil, um modelo social que rejeita endemicamente "o outro".

"La graine et le mulet" não tem medo de ter personagens que preservam os valores da família, do respeito mútuo, da solidariedade e que, ao mesmo tempo, sejam vítimas das partidas que a vida prega... a todos nós; não receia que, simultaneamente, admiremos as suas manifestações de amor e soframos nos seus momentos de infortúnio. A vida é assim e Kechiche consegue habilmente (re)transmiti-la, através das suas personagens.

Por isso, nunca nos esqueceremos de Rym (Hafsia Herzi, a actriz do ano, ponto), a rapariga que cobre o padrasto, Slimane Beiji (Habib Boufares), de um carinho quase maternal e que, com ele, sonha um dia poder abrir um pequeno restaurante familiar, onde se sirva o magnífico cuscuz de peixe da sua ex-mulher.

Slimane é o homem que todos respeitam. Ele é o Chishu Ryu de Kechiche neste filme; melhor, ele é o Ventura do realizador tunisino: homem pobre, fatigado e sereno, que faz lembrar a imagem de um velho Deus caído. Rym vai acompanha-lo no projecto, para muitos absurdo, de transformar um barco velho num restaurante árabe.

A comida desempenha um papel importante. É precisamente à mesa que Kechiche apresenta algumas das principais personagens do filme. Quando o grande almoço em família toma lugar, a câmara agita-se e fecha-se em close-ups: uma forma de acompanhar realisticamente o frenesim de uma grande mesa e de tornar táctil o contacto com as personagens e a comida. Desta forma, Kechiche põe-nos à mesa - e em diálogo - com a família de "La Graine et le mulet".

Ao mesmo tempo, várias pequenas narrativas vão-se entrelaçando, até à convergência perfeita no dia da inauguração do restaurante-barco. A partir desse momento, o filme ganha um ritmo diferente: degusta mais cada cena, contemporizando a tragédia que se avizinha...

Contudo, a nosso ver, o desenlace esconde uma mensagem optimista: num tempo de falência das relações tradicionais - dentro e fora da família -, o amor ainda é possível. Quando a história de Slimane termina, e o genérico cai, a música não pára de tocar: Rym continua a dançar e nós a aplaudi-la por existir.

Ler mais aqui: IMDB.

4 comentários:

Carlos Pereira disse...

Sublime! Kechiche presenteia-nos com personagens tão reais que quase as sentimos naquele almoço em família. E essa comparação entre Slimane e Ventura é fabulosa.

Abraço

Luís Mendonça disse...

Epa, sublime é a palavra. Foi um assalto às minhas emoções que não estava à espera - não vi "A Esquiva". Kechiche faz um filme genial, que merece toda a atenção do mundo - e irei revisitá-lo mais vezes. Apeteceu-me escrever que me fez lembrar uma Lucrecia Martel "com coração", cruzada com um Spike Lee "menos retórico" (talvez o Lee mais autobiográfico, de "Crooklyn" ou, a espaços, de "Do The Right Thing").
Aquela conversa entre os elementos da banda é um delicioso momento de cinema, em que a câmara, sempre fugidia e livre - mas muito sólida -, nos transporta para aquele momento relativamente banal do quotidiano - mais uma vez, como num filme de Spike Lee...

(Lembrei-me de Ventura, de Ryu, mas também de um John Wayne, já que Slimane se parece com aquela imagem clássica do cowboy solitário e crepuscular.)

Grande abraço

Anónimo disse...

Filmaço

Anónimo disse...

Vi hoje de manhã.Simplesmente extraordinário.Emocionou-me muito. A forma como descreve os sentimentos, ora reprimida e silenciosa por parte do Slimare, ora tão calorosa pela filha da sua companheira. É uma mensagem única de solidariedade.

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