"La graine et le mulet" não tem medo de ter personagens que preservam os valores da família, do respeito mútuo, da solidariedade e que, ao mesmo tempo, sejam vítimas das partidas que a vida prega... a todos nós; não receia que, simultaneamente, admiremos as suas manifestações de amor e soframos nos seus momentos de infortúnio. A vida é assim e Kechiche consegue habilmente (re)transmiti-la, através das suas personagens.
Por isso, nunca nos esqueceremos de Rym (Hafsia Herzi, a actriz do ano, ponto), a rapariga que cobre o padrasto, Slimane Beiji (Habib Boufares), de um carinho quase maternal e que, com ele, sonha um dia poder abrir um pequeno restaurante familiar, onde se sirva o magnífico cuscuz de peixe da sua ex-mulher.
Slimane é o homem que todos respeitam. Ele é o Chishu Ryu de Kechiche neste filme; melhor, ele é o Ventura do realizador tunisino: homem pobre, fatigado e sereno, que faz lembrar a imagem de um velho Deus caído. Rym vai acompanha-lo no projecto, para muitos absurdo, de transformar um barco velho num restaurante árabe.
Slimane é o homem que todos respeitam. Ele é o Chishu Ryu de Kechiche neste filme; melhor, ele é o Ventura do realizador tunisino: homem pobre, fatigado e sereno, que faz lembrar a imagem de um velho Deus caído. Rym vai acompanha-lo no projecto, para muitos absurdo, de transformar um barco velho num restaurante árabe.
A comida desempenha um papel importante. É precisamente à mesa que Kechiche apresenta algumas das principais personagens do filme. Quando o grande almoço em família toma lugar, a câmara agita-se e fecha-se em close-ups: uma forma de acompanhar realisticamente o frenesim de uma grande mesa e de tornar táctil o contacto com as personagens e a comida. Desta forma, Kechiche põe-nos à mesa - e em diálogo - com a família de "La Graine et le mulet".
Ao mesmo tempo, várias pequenas narrativas vão-se entrelaçando, até à convergência perfeita no dia da inauguração do restaurante-barco. A partir desse momento, o filme ganha um ritmo diferente: degusta mais cada cena, contemporizando a tragédia que se avizinha...
Contudo, a nosso ver, o desenlace esconde uma mensagem optimista: num tempo de falência das relações tradicionais - dentro e fora da família -, o amor ainda é possível. Quando a história de Slimane termina, e o genérico cai, a música não pára de tocar: Rym continua a dançar e nós a aplaudi-la por existir.
Ao mesmo tempo, várias pequenas narrativas vão-se entrelaçando, até à convergência perfeita no dia da inauguração do restaurante-barco. A partir desse momento, o filme ganha um ritmo diferente: degusta mais cada cena, contemporizando a tragédia que se avizinha...
Contudo, a nosso ver, o desenlace esconde uma mensagem optimista: num tempo de falência das relações tradicionais - dentro e fora da família -, o amor ainda é possível. Quando a história de Slimane termina, e o genérico cai, a música não pára de tocar: Rym continua a dançar e nós a aplaudi-la por existir.
Ler mais aqui: IMDB.
4 comentários:
Sublime! Kechiche presenteia-nos com personagens tão reais que quase as sentimos naquele almoço em família. E essa comparação entre Slimane e Ventura é fabulosa.
Abraço
Epa, sublime é a palavra. Foi um assalto às minhas emoções que não estava à espera - não vi "A Esquiva". Kechiche faz um filme genial, que merece toda a atenção do mundo - e irei revisitá-lo mais vezes. Apeteceu-me escrever que me fez lembrar uma Lucrecia Martel "com coração", cruzada com um Spike Lee "menos retórico" (talvez o Lee mais autobiográfico, de "Crooklyn" ou, a espaços, de "Do The Right Thing").
Aquela conversa entre os elementos da banda é um delicioso momento de cinema, em que a câmara, sempre fugidia e livre - mas muito sólida -, nos transporta para aquele momento relativamente banal do quotidiano - mais uma vez, como num filme de Spike Lee...
(Lembrei-me de Ventura, de Ryu, mas também de um John Wayne, já que Slimane se parece com aquela imagem clássica do cowboy solitário e crepuscular.)
Grande abraço
Filmaço
Vi hoje de manhã.Simplesmente extraordinário.Emocionou-me muito. A forma como descreve os sentimentos, ora reprimida e silenciosa por parte do Slimare, ora tão calorosa pela filha da sua companheira. É uma mensagem única de solidariedade.
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