terça-feira, 14 de outubro de 2008

Mal Nascida (2007) de João Canijo

João Canijo é um caso raro no cinema português. Um cineasta que sabe criar ambiências (pesadas, claustrofóbicas e desoladoramente reais) através de um complexo jogo de montagem entre: a câmara, que desliza em sucessivos travellings; o som, trabalhado em várias camadas (os diálogos entre os protagonistas, as conversas do café, o barulho do exterior e aquele infernal ruído da televisão); e os actores, que submergem totalmente nas suas dificílimas personagens (estão todos assombrosos, mas o destaque tem de ir para a menos conhecida Anabela Moreira).

O realismo desta sufocante obra não sai minimamente turvado pela incorporação de elementos da tragédia clássica (mais concretamente, do mito de Electra): Canijo não teatraliza o cinema, pelo contrário, põe a linguagem teatral ao serviço da Sétima Arte. Com efeito, a "coreografia dos corpos" em "Mal Nascida" acontece como que num "palco fictício", onde o olhar do espectador é omnisciente. E para tal é decisiva a forma como Canijo filma, enquadrando habitualmente três personagens por plano e cosendo cada plano a outro, numa dinâmica de continuidade que sublinha os "tempos do teatro" e, como corolário, se aproxima dos "tempos da vida".

Apesar de sentirmos "Mal Nascida" como coisa tirada em bruto da terra, que é pulsante e tem cheiro, este é um trabalho magistral de mise en scène: por exemplo, as divisões da casa ou meros postes de electricidade servem, muitas vezes, para enquadrar ou dividir as imagens e o posicionamento dos "corpos", sugerindo metaforicamente a própria divisão dentro da família. Também a fotografia parece ser meticulosamente trabalhada: com um claro-escuro que faz o contraste entre a vida de aparências que o casal do filme ostenta e a terrível verdade que é personificada por Lúcia, personagem que carrega uma tristeza profunda (o eterno luto pelo pai...) a par com o ódio intenso que sente pela mãe (aquilo que os psicanalistas designaram por "complexo de Electra").

Depois de "Noite Escura" (para nós, o melhor filme de 2004), Canijo volta a provar que é um dos mais engenhosos cineastas portugueses da actualidade, que sabe escolher e dirigir actores como poucos e que filma com uma elegância que só tem rival em nomes como Pedro Costa. "Mal Nascida" é uma viagem duríssima que cabe na lista das mais extremas experiências de cinema deste ano.

Ler mais aqui: IMDB.

3 comentários:

Luís A. disse...

Grande canijo. Foste vêr aonde?

Luís Mendonça disse...

Vi-o curiosamente numa sala que ainda não tinha visitado: um pequeno cubículo pipoqueiro, cheio de motivos hollywoodescos (de terror) nas paredes e com as cadeiras forradas com monstros verdes, no shopping do Campo Pequeno.

Abraço,

Luís A. disse...

muschas gracias:)

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