DOIS MIL CENTO E CINQUENTA E DOIS
Jorge Wemans, director de programas da RTP2 destaca que a estação pública "é a única a emitir todas as semanas um filme às 22.30horas (mais nenhum canal emite cinema em prime-time)". "Emite em média 17 filmes portugueses por ano, além de dar atenção às cinematografias europeias - em média mais de 40 por ano", aponta, sustentando que a emissão cinematográfica na Dois se faz "dentro da contigência dos filmes disponíveis e das condições orçamentais".
Eu não sei como qualificar estas palavras do senhor Wemans. Só me ocorre dizer aquilo que acho que deve ser dito: absolutamente lamentáveis. Para além de fazer o auto-elogio absurdo de passar, em média, 17 filmes portugueses por ano - TANTOS! Não é? -, refere ainda que "dá atenção às cinematografias europeias", porque - lá vêm os números outra vez, qual empresário televiseiro - mostra, em média, 40 destes filmes por ano. Primeiro, este sistema de quotização, espécie de celebração acéfala da tecnocracia televisiva, é sintoma claríssimo da forma indigna como o cinema é tratado - é só mais um "conteúdo televisivo", não é verdade?
A retórica dos números funciona sempre bem, mas atendamos ao seguinte: senhor Wemans, 17 filmes portugueses por ano? Que filmes? senhor Wemans, 40 filmes europeus por ano? Que filmes? E, depois de me responder, pergunto-lhe logo a seguir: "E, senhor Wemans, de que forma os mostrou?". (Até foram buscar o Mário Augusto à "concorrência"... que, por sinal, lhe deve estar a sair muito barato... tendo em conta as "condições orçamentais"...)
Contrato de Concessão de Serviço Público - CCSP
Cláusula 10.ª
Segundo serviço de programas generalista de âmbito nacional
(...)
13. Tendo em conta o disposto nos números 1, 2 e 5 e nas alíneas b), d), c), g), h) e i) do n.º 2 da Cláusula 7.ª, o segundo serviço de programas generalista de âmbito nacional deve incluir, no mínimo:
(...)
c) Espaços regulares de divulgação de obras cinematográficas de longa-metragem do moderno cinema português, o que inclui produções dos vinte anos anteriores à transmissão;
d) Espaços regulares dedicados à cinefilia, com uma forte componente pedagógica, que contextualizem as obras difundidas na história do cinema;
e) Espaços regulares dedicados ao cinema europeu e a cinematografias menos representadas no circuito comercial de exibição;
f) Espaços regulares dedicados a curtas-metragens e ao cinema de animação;
Ah, foi em "prime-time", num sábado à noite... Vejam só: "nenhuma estação passa em prime-time cinema". Pois claro, mas isso não evita que a RTP2, à luz do seu passado riquíssimo e à luz das exigências da LEI, seja hoje um canal descaracterizado, que é público, mas tem estratégia de um privado... de cabo. Não podemos andar a brincar às televisões privadas no coração do serviço público. Não podemos.
CCSP
Cláusula 6.ª
Objectivos do serviço público
Para além da sua vinculação aos fins da actividade de televisão a que se refere o artigo 9.º da Lei da Televisão, a Concessionária tem como objectivos específicos:
(...)
b) Promover, com a sua programação, o acesso ao conhecimento e a aquisição de saberes, assim como o fortalecimento do sentido crítico do público;
c) Combater a uniformização da oferta televisiva, através de programação efectivamente diversificada, alternativa, criativa e não determinada por objectivos comerciais;
Questões orçamentais, senhor Wemans? Não posso acreditar que invoque tal razão neste caso: é caro passar uns Tarkovskys e fazer uns "Filme da Minha Vida" versão século XXI? Não é gratuito, mas não consta que sejam gratuitos os talk shows nocturnos que produz, o único formato de talk show que conheço que tem uma equipa diferente por cada dia da semana - nem nos EUA isto acontece!
E, já agora, onde encaixa "5 para a Meia-Noite" e as séries todas que passa, duplicadas com vários outros canais do cabo, nas obrigações do canal? Passam 17 filmes portugueses, em média, por ano? E quantas séries americanas, das que também passam em Foxs e outros canais especializados, passa por ano? Não sei, mas 17 filmes portugueses, 40 europeus ou, que seja, os 98 que a Sessão Dupla passa por ano (segundo o JN) ao pé de mais de 300 "5 para a Meia-Noite" e muitos mais episódios de séries americanas estafadamente divulgadas e conhecidas do grande público por ano é, quanto a mim, mais do que suficiente para expor - se é preciso expor... - o absurdo desta argumentação, de novo, auto-vimitizante e pequenina.
Sem comentários:
Enviar um comentário